• Nenhum resultado encontrado

DESENHO 12 – Criança autista (suj 9, experiente)

5. RESULTADOS

5.1 Concepções sobre a chamada criança autista

5.1.2 As estórias

5.1.2.1 Narrativas das professoras experientes

Examinando as estórias produzidas pelas professoras experientes, observamos que o que aproxima um dia de semana típico de uma criança “saudável” à de uma criança “autista”

51

é a freqüência à escola. Todas as professoras falam da escola como um espaço que também faz parte do cotidiano das crianças chamadas autistas e nos relatos de duas professoras da escola especial, esta aparece como o único lugar agradável na vida dessa criança, pois é onde ela tem atenção e carinho de todos, e maior oferta de atividades lúdicas. Entretanto, as chamadas crianças autistas diferem quanto à maneira como se comportam no ambiente escolar: As crianças ditas normais vêm à escola, estudam, interagem com amigos e professores e se divertem. As ditas autistas, às vezes participam das atividades, noutras se isolam e recusam qualquer interação. Apresentam comportamentos estranhos, como andar pela sala repetindo falas de personagens da tevê, andar sem tocar os calcanhares no chão, ou ter aversão a alimentos sólidos. Recebem atendimentos clínicos extra-escolares com fonoaudiólogo, psicoterapeuta, terapeuta ocupacional, dentre outros.

Um dia de semana na vida de uma criança;

Dessa criança? Ela vai levantar de manhã, vai tomar café, a mãe vai trazer pra escola (...) daí ela se reúne com os amiguinhos dela, vão pra sala, né, brincam, prestam atenção quando têm que prestar. Tem um dia normal. Vai pro recreio e lancha (...). Volta, estuda, participa com outras crianças, interage (...) (suj 2, exp)

E na vida de uma criança autista

É... acordar, tomar o café, que a mãe fez. Come muito (...). Vai para a escola. Daí, não interage com ninguém, apenas obedece ordens. Senta, faz o que a estagiária propõe. Algumas coisas ele faz, outras não. Anda pela sala constantemente, falando outras coisas (...) Come muito no lanche, corre demais, mas não brinca com ninguém (suj. 2, exp).

Num dia de final de semana, de acordo com essas professoras, a rotina dos dois grupos de crianças difere marcadamente. Uma criança tem o dia preenchido com passeios, lazer com a família e amigos, visitas a parentes, brincadeiras, no seio de uma família afetuosa. Uma criança “autista”, para a maioria das professoras experientes (7 dentre 9), é uma criança que não sai de casa, não se diverte, sendo a televisão a única distração. Vive “presa” em casa, muitas vezes sem receber atenção ou carinho da família. As descrições da rotina compõem a imagem de uma criança solitária em uma família que não lhe oportuniza momentos de lazer e socialização mais ampla, ou mesmo lhe priva de relações familiares mais próximas. Mesmo nas descrições que retratam uma família atenciosa (menos freqüentes), a falha em atender as necessidades de lazer da criança persiste. Na opinião das professoras desse grupo, as famílias não proporcionam momentos de lazer para suas crianças porque têm dificuldades financeiras,

temem o olhar dos outros ao exporem seus filhos, constrangem-se com os comportamentos socialmente inadequados deles e desanimam com o fato de que sair de casa com essa criança é uma tarefa que demanda esforço e paciência. O teor desses relatos evidencia que eles são criados a partir do que as professoras conhecem da vida familiar de seus alunos, conhecimento obtido através de conversas com seus pais e parentes, e mais raramente, do que os alunos lhes contam.

No final de semana seria passear, seria sair, poderia ir pra praia, (...) poderia ir no shopping, poderia ir na casa de uma tia, parente, (...) também ficar em casa, né, brincando, ir alguém por exemplo ir uma coleguinha, (...) Sair, ficar em casa, brincar, assistir televisão, ir na locadora, de comer uma pizza. Coisas assim que seria mais ou menos o que é possível no fim de semana. (suj. 3, exp., sobre o final de semana de uma criança)

Eu acho que ela fica em casa. Pela forma como ela circula na escola, quando tem eventos, eu tenho a impressão que ela não é muito acostumada a sair. (...). Até porque ela não tem um comportamento...vamos botar aqui, adequado entre aspas. E às vezes isso chama muito a atenção, é constrangedor pros pais, esse tipo de coisa. (suj. 3, exp., sobre o final de semana de uma criança autista).

Quanto à sondagem do mundo interno das crianças desenhadas, apresentamos as repostas das professoras:

TABELA 1: respostas de professoras experientes à pergunta “o que ela [criança] está pensando?” (N = 9)

No dia de hoje * 5

Em como será o seu futuro 1

Na falta que sente da mãe 1

Em ajudar a professora 1

Não respondeu 1

* “No dia de hoje”: criança pensa no imediato, nos prazeres de uma brincadeira, um passeio, uma comida gostosa, no dia que passou. Não tem muito que pensar ou se preocupar.

A maioria das professoras acredita que as crianças têm conteúdos de pensamento agradáveis, ligados a brincadeiras e divertimentos; não pensam no futuro, mas no imediato do

53

que vivem. Duas professoras imaginam que a criança ocupa seus pensamentos com conteúdos que trazem preocupação (o futuro) ou tristeza (saudades da mãe).

TABELA 2: respostas de professoras experientes à pergunta “o que ela [criança autista] está pensando?” (N = 9)

Dúvidas sobre a atividade de pensamento 5

Supõe atividade de pensamento 3

Não respondeu 1

As professoras que têm dúvidas sobre a atividade de pensamento no autismo comentam que não sabem se o autista pensa, não fazem idéia do que se passa na mente dele e supõem que ele não seja capaz de pensamento lógico. Uma professora desse grupo acredita que a criança com autismo tem um pensamento desordenado, confuso, pensa em muita coisa e nada ao mesmo tempo, apenas repete o que ouve.

As professoras que supõem atividade de pensamento imaginam conteúdos associados às estórias de vida de seus alunos com autismo; assim, as crianças desenhadas estariam pensando em ajudar a mãe, que vive um luto, ou aproveitar a escola ao máximo, pois é um ambiente mais livre que o doméstico, por exemplo. As respostas das docentes distribuem-se de maneira equilibrada nessas duas categorias.

Não há questionamento sobre a capacidade de pensar de uma criança “normal”; por sua vez, as docentes colocam em questão uma criança “autista” enquanto alguém que pensa como as outras.

TABELA 3: respostas de professoras experientes à pergunta “como ela [criança] está se sentindo?” (N = 9)

Bem, feliz, alegre 7

Sozinha 1

TABELA 4: respostas de professoras experientes à pergunta “como ela [criança autista] está se sentindo?” (N = 9)

Feliz 3

Feliz e triste* 2

Só 2

A criança tem dificuldade em expressar o que sente ( o que deixa dúvidas ao professor)

2

* “Feliz e triste”: feliz na escola, porque é cuidada, e triste em casa, porque não recebe atenção. Feliz em seu mundo próprio, e triste porque percebe que é diferente dos outros.

Nesse grupo de professoras, a criança “típica” é mais qualificada como feliz, enquanto o sentimento da criança autista ganha alguns matizes, e as opiniões das docentes se dividem entre imaginar que ela se sente feliz ou triste e sozinha. Duas docentes não sabem dizer como uma criança com autismo se sente, o que atribuem à dificuldade de apreender seus estados de ânimo.