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Capítulo 3 – DANÇA VIVENCIADA NAS NARRATIVAS

3.2 NARRATIVAS DE CAMILA BARBOSA

“Dançar é como voar. Primeiramente ganhamos força no chão, que sempre será a nossa técnica, depois nos empurramos para o céu, mostrando toda a nossa liberdade expressiva ganhada a partir das codificações”. Camila Barbosa. Entrevistador: Oi Camila você poderia responder as perguntas que constam neste roteiro de entrevista? Aproveito a oportunidade e te agradeço pela contribuição.

Camila: – Claro Dergan.

Entrevistador: Camila, em quais contextos se desenvolveram e se desenvolvem suas formações artísticas e pedagógicas? Quais foram e são as suas relações com o processo de ensino da dança clássica em Belém? Quais foram as suas contribuições para a formação de bailarinos clássicos e para o desenvolvimento da cultura e da arte do balé clássico na cidade de Belém, no estado do Pará?

Camila: – Dançar é como voar. Primeiramente ganhamos força no chão, que sempre será a nossa técnica, depois nos empurramos para o céu, mostrando toda a nossa liberdade expressiva ganhada a partir das codificações.

Figura 09 - Camila Barbosa e sua aluna

Foto: Arquivo pessoal da bailarina Camila Barbosa

Imagine. Eu! Já “velha”, pelo menos era essa a palavra que mais escutava, tentando entrar em outro mundo, outro universo, super simbólico e cheio de estéticas e regras a seguir. Mas havia em mim um sentimento maior do que todas as fofocas das vizinhas da rua que nunca me deixou desistir.

Hoje, analiso com muito cuidado toda a minha história na Dança, que começa na minha segunda casa hoje em dia, a Escola de Danças Bella Art37. Nessa casa, eu ganhei irmãos, mestres e ganhei uma lupa, que foi a mais importante delas: A lupa da arte.

Ainda recordo da minha primeira aula de ballet, olhei para as meninas com uma expressão muito assustada, olhando o tanto de coisas que tinha para aprender, sequências que pareciam impossíveis, mas sempre tinha uma voz que dizia: Vai! É isso! Continua!

E foi essa voz doce, forte, delicada chamada Anny Érika Franco38 que me

motivou a entrar no meu próprio universo, e o que eu acabara de conhecer: A Dança!

O Ballet me parecia um desafio, pois sempre quis tê-lo em mim, mas aos 03 anos de idade era um tanto difícil de alguém lhe dar ouvidos em uma casa que era aprisionada pelo medo, arrogância, preconceito e tradicionalismo.

- Quero dançar!

- Criança quando come não conversa! (era sempre o que eu escutava) Meus pais pensavam que eu não sabia o que queria e que se eu ainda continuasse com essa história de dançar o “balezinho” que eu decidisse, quando já mandasse no meu nariz. Mas, um anjo apareceu em minha vida e pude recuperar o tempo que havia devaneado por outras artes como a música, o teatro e a poesia.

Apesar de a poesia me encantar muito, hoje, prefiro escrevê-las com meus Développé39s e Arabesque40s.

Só pude realizar a minha “fantasia infantil” aos 16 anos, convidada por uma amiga que já era escritora de sua história. E lá fui à minha aula; lembro ainda que minha amiga faltou e fiquei com mais vergonha ainda.

Depois de um tempo, você vai percebendo as diferenças entre os exercícios e vai tomando-os como seus e, depois de um tempo, eles não saem da sua cabeça a sua contagem.

38 Professora de balé clássico e bailarina. 39

Desenvolvido. Um développé é o movimento feito a partir de um retiré onde a perna é levantada para a frente, ou lado, ou trás, mantendo-a na posição.- Ver glossário

40 Arabesco. Uma das poses básicas do ballet, que tira o seu nome de uma forma de ornamento mourisco. No

ballet, é uma posição do corpo, apoiado numa só perna que pode estar na vertical ou em demi plié, com a outra perna estendida para trás e em ângulo reto com ela, sendo que os braços estão estendidos em várias posições harmoniosas criando a linha mais longa possível da ponta dos dedos da mão à dos pés. Os ombros devem ser mantidos retos em frente à linha de direção. As costas devem estar sustentadas, sendo a linha feita pelas diversas posições (1ª, 2ª e 3ª). Os arabesques são geralmente empregados para concluir uma fase de passos, tanto nos movimentos lentos do adágio como nos movimentos vivos e alegres do allegro. Também são executadas pirouettes em arabesque- Ver glossário.

7,8... Normalmente é o que escutamos como preparação para saltar no voo para a liberdade e o meu salto começa simples, ainda preso com quedas e tropeços, até entender que esses simples números exatos não saíam mais de mim e senti que deveria disseminá-los para a eternidade.

E essa história de deliciá-los com outros voadores começou em 2009, na Escola de Danças Bella Art, onde pude entender que a minha conduta com minhas pequenas voadoras deveria ser diferente, para ser mais sincera, deveria ser muito diferente.

A minha didática de ensino parte do “conhecido para o desconhecido”, acredito que assim a criança se sente próxima da aula, participa e se interessa, então comecei a criar uma metodologia de ensino com o que está mais próximo delas a brincadeira. Por meio das brincadeiras, ela vai construindo uma série de conceitos lógico-matemáticos: quantidade, tamanho, distância etc... Brincar dá prazer e o prazer é o poderoso impulso de crescimento pessoal. A brincadeira diverte e ao mesmo tempo educa.

Minha proposta de ensino estará mais próxima do aluno, atendendo às suas necessidades e eliminando suas dificuldades. São brincadeiras como: amarelinha, pira-pega, o chefe mandou, vivo-morto. Observando sempre meu plano de aula e o roteiro, primeiramente, faço um alongamento, adágio, alegro e relaxamento.

Talvez eu não quisesse naquele momento entrar nesse universo infantil cheio de informações, criatividade e curiosidade. Estava primeiramente observando suas dúvidas e questionamentos.

- Vamos saltar?

Cheguei até a escutar um “Ebaaaaa”, mas depois de um tempo, percebi que dizer a palavra “salto” causava uma repulsa. Então comecei a me questionar e receber vários conselhos sobre o assunto. Comecei a criar códigos na aula,

como Maria Fux quando fala das palavras Mãe: “A palavra tem que ter força e comunicação direta com o corpo”.

- Pira pega de sacis?

Nossa! Esse sim fez muita diferença. Os olhos delas brilhavam quando falava qual era a próxima brincadeira. E, a partir desse dia, comecei a aprender várias brincadeiras delas mesmas da escola, da rua e até de livros, sem que elas percebessem, que estavam tomadas pelo ballet.

Acredito que assim elas se sentem mais próximas da aula e do ballet. Elas se sentem mais livres para criar, coreograficamente falando, e acabam brincando na coreografia.

Trarei alguns exercícios-brincadeiras e relatarei como foi recebido por elas, algo que é tão próximo delas dentro da aula de balé.

Olhava atenciosamente a janela que me mostrava a maravilhosa forma da natureza, a qual já não apreciava há bastante tempo. Estava na casa da minha avó materna, observando a minha terceira paixão natural – depois da minha família e o balé clássico.

Quando, de repente, ouço uma voz parecida com a dos esquilos dos filmes infantis dizendo:

- Vamos brincar de comidinha? - Vamos!

- Eu faço o caldinho de feijão! - Eu faço a carne!

- Eu bato açaí!

Eu percebi mais ainda nesse momento que nós, quando crianças, só reproduzíamos o que estamos vendo o tempo inteiro. Sendo assim, tudo o que

deveríamos aprender devia partir desse principio para que passemos a reconhecer o que está teoricamente afastado.

Os exercícios que faço em minhas aulas são uma proposta metodológica de uma abordagem alternativa à aula de Balé clássico, para a turma do Baby Class, direcionado a uma faixa etária entre 03 a 06 anos de idade, colaborando com o papel educacional do professor de dança e atribuindo novos caminhos para a observação do fazer artístico do profissional, no papel de fomentador de novos corpos dançantes. A maior dificuldade reside em ensinar as posições dos braços, 1ª,2ª,3ª,4ª e 5ª bem como as posições dos pés41.

Figura 10 - Camila Barbosa e as suas alunas.

Foto: Arquivo pessoal da bailarina Camila Barbosa

Cheguei a receber muitas críticas sobre a minha metodologia com as crianças, chegaram a me falar que elas só brincavam. Mas acredito que, hoje, esse método contribuiu muito para o aprendizado e para a relação professora-aluna, contribuindo ainda para melhor aproveitamento no palco onde é a maior prova que podemos dar ao público.

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