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5 ENSINO DA MATEMÁTICA NA ESCOLA PÚBLICA: VOZES DOCENTES

5.4 CONTRIBUIÇÕES DAS NARRATIVAS PARA PENSAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

5.4.2 Narrativas de professores como instrumento de reflexão das práticas de ensino

O ato de repensar sua prática, (re)viver e enxergar em sua história e na história do outro o caminho da autoconstrução e (re)construção humana é algo que as narrativas de si sugerem. Nesse cenário, o professor precisa praticar assiduamente a autorreflexão sobre os desafios e finalidades que orientam a organização do ensino brasileiro, problematizando as implicações das mudanças em curso na sua experiência profissional e na sua prática cotidiana. Acreditamos com Larrosa (2002, p. 27) que o saber da experiência “[...] se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que lhe vai acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece”.

O professor George destaca como compreende (re)invenções do ensino de Matemática a partir da interação com o outro.

“[…] à experiência [constrói-se] no contato com outros colegas, no contato com alunos, com turmas novas. Tudo isso foi importante na forma de construir a forma como eu trabalhava as aulas, algumas inspiradas em professores que eu já tive, bons professores. Então a partir de cursos como pós-graduação, cursos de capacitação que foram trazendo novas informações e abrindo assim um leque de possibilidades de você trabalhar o conteúdo com uma abordagem que pudesse ser mais significativa para o aluno” (GEORGE).

O contexto delineado retrata os sentidos e significados que os professores de Matemática vão atribuindo às experiências de seu cotidiano. A fala do professor ressalta que nossa experiência se elabora a partir das ações individuais no coletivo social. Com isso, percebemos que nasce um diálogo entre conhecimentos acadêmicos e práticas escolares, sendo ambos imprescindíveis na constituição das experiências subjetivas. A reflexão sobre a experiência permite retirar informações, deixar-se tocar, mudar e (re)criar sua subjetividade.

Nesse sentido, as experiências devem ser consideradas como importante elemento de autoformação humana.

“[...] eu acho que todos somos frutos do que nós lemos, ouvimos e vivemos com outras pessoas, então eu acredito muito que minha prática docente tem muito a ver com os melhores professores que eu tive, copiando as melhores experiências” (ABEL).

“É meio que intuitivo, você chega à escola, pelo menos eu utilizava muito mais a questão de outros professores, fui observar a prática de outros professores na faculdade. Utilizei muito da reflexão de quando eu era aluno, qual o professor que eu gostaria que fosse, quais as aulas eu gostaria de assistir e aí eu vou tentando mesclar essas referências de bons professores com a minha ideia de um bom professor quando eu era aluno, e assim eu fui construído minhas experiências” (EULER).

“Essas vivências elas são, eu diria, que elas são essenciais, elas são fundamentais para nossa prática como professor, se eu disser que hoje eu sou o mesmo professor de quando eu comecei, de quando eu fui na primeira vez para uma sala de aula, eu estaria sendo injusto comigo mesmo. O contato com outros colegas quanto com os alunos, com novas turmas isso vai formando toda prática do docente” (GEORGE).

Nos indícios que aparecem nas falas dos professores, percebemos que, ao longo das trajetórias, os seus contextos de vida e a reflexão envolvendo passado e presente permitiram projeções futuras, selecionando fatos e atribuindo-lhes sentido.

Em relação a narrativas de professores como instrumento de reflexão das práticas de ensino, foi possível observar que em vários momentos das narrativas o ato de narrar pareceu conflituoso entre suas concepções e suas práticas de ensino. Em determinados momentos, os discursos evidenciam que os trâmites das instituições confrontam suas reais perspectivas de ensino. O professor Abel finaliza dizendo: “Fico feliz em poder colaborar com sua pesquisa e em poder contar minha história enquanto professor de Matemática”.

Portanto, “[...] é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos de vida” (NÓVOA; FINGER, 1988, p. 116). No discurso que permeia a realização desta pesquisa, aparece, frequentemente, a referência às experiências vividas com outros professores. Seu trajeto enquanto aluno (educação básica ou da licenciatura) e o início da vida docente contribuíram na postura assumida como professores de Matemática do Ensino Médio. Essas

experiências devem ser compendiadas de forma hibrida e em permanente mudança, exigindo um permanente movimento de reflexão da realidade.

Por meio das narrativas, os professores reconstroem as suas próprias experiências de ensino, aprendizagem, percursos de formação. A sistematização de relatos sobre suas experiências pedagógicas constitui, permite um procedimento de desenvolvimento pessoal e profissional, embasado nos seguintes aspectos, segundo Reis (2008, p. 18): “a) o questionamento das suas competências e das suas ações; b) a tomada de consciência do que sabem e do que necessitam de aprender; c) o desejo de mudança; e d) o estabelecimento de compromissos e a definição de metas a atingir”.

Auto-bio-grafar é aparar a si mesmo com suas próprias mãos. Aparar é aqui utilizado em suas múltiplas acepções: segurar, aperfeiçoar, resistir ao sofrimento, cortar o que é excessivo e, particularmente, como se diz no Nordeste do Brasil, aparar é ajudar a nascer [...] (PASSEGGI, 2008, p. 27).

A citação de Passeggi, “aparar a si mesmo com suas próprias mãos”, nos impulsiona a pensar que a narrativa (auto)biográfica pode ser um instrumento utilizado na formação inicial, continuada e no cotidiano escolar, tendo em vista a possibilidade de “aparar-se” e “aparar” o outro. Faz-se cada vez mais necessária a criação de espaços de escutas dentro das escolas, não numa perspectiva prescritiva dos modos de conduta, metodologias e práticas em sala de aula, mas, antes, de trocas e diálogos reflexivos generosos e de partilhas conscientes.