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7 ESCOLA E CRIATIVIDADE (PESQUISA DE CAMPO)

7.2 Nas entrelinhas do currículo

A força motriz presente na escola pesquisada fundamenta-se basicamente na participação ativa da comunidade escolar, sendo esse o ambiente criado para o favorecimento da criatividade na escola, como bem define seu Projeto Político Pedagógico:

O objetivo do PPP se revela em conhecer os saberes de uma comunidade escolar, na valorização da identidade local, propiciando a interação e o conhecimento das crianças sobre as manifestações e tradições culturais nacionais, sobretudo, promovendo o lúdico, poético e imaginário na educação infantil e fundamental (Projeto Político Pedagógico da Escola Pesquisada, 2016, p. 18)

A escola busca enxergar desde sua visão curricular que o aprender não se limita ao que se é vivido na instituição, apenas o que é transmitido pelos docentes, mas reconhece todo o contexto da criança como um agente de ensino-aprendizagem. Dessa forma, recorre aos aparatos culturais presentes no bairro e na cidade para proporcionar vivências que possibilitem não apenas aos discentes, mas também aos docentes o contato com diversas linguagens por entender que escola é uma instituição cultural.

Destarte, defendem a interpretação estética como meio para despertar o olhar sensível capaz de desenvolver a capacidade crítica deslocando o sujeito para mudanças, como a leitura de si, de pensar o próprio pensamento como prática metacognitiva11. Conforme destaca a proposta da escola, a qual visa produzir a própria história, em desconstrução e reconstrução do universo perceptível, de modo simbólico.

A proposta baseia-se em Rossi (2009), Duarte Junior (1991), ao evocar linguagem estética como uma a tentativa de disseminar novas atitudes e entendimentos relacionados à vida, no sentido de pertença ao meio social e exercício da cidadania.

A ideia é dilacerar e aproximar os laços de um mesmo nó, ou seja, aproximar a comunidade escolar e ampliar as possibilidades de sentimentos para novos olhares. Significa que a escola não pretende desmanchar os nós da comunidade escolar, pois

11 "A metacognição é um processo de interação, em que os elementos principais são seus próprios processos de aprendizagem que basta o contato com a informação sem necessidade de interagir com ela" (FONSECA, 2008, p. 183).

a própria realidade das famílias é muito complexa. Mas pretende-se adentrar nas tessituras que podem ser desvendadas enquanto ainda entrelaçadas, ressignificando os saberes. Sobretudo, ancoramos na partilha das vivências, na descoberta das experiências e no desejo de atrelar o cotidiano da escola à vida da comunidade escolar (Projeto Político Pedagógico da Escola pesquisada, 2016, p.13).

O projeto artístico-cultural culmina com a atuação das crianças no palco do teatro Cuca com o intuito de aproximar a comunidade escolar apresentadas nas Mostras de Artes. Fundamenta suas ações do cotidiano escolar na pedagogia libertadora de Paulo Freire ao buscar valorizar o interesse dos discentes e seus contextos, bem como a pedagogia histórico- crítica de Demerval Saviani, ao entender a educação como mediação no seio da prática social global, ressaltando assim seu lugar nas teorias críticas de currículo.

Para tanto, permeia suas práticas pedagógicas em três pilares: Meio Ambiente, Arte e Cultura de Paz12, buscando alcançar as necessidades que as crianças e seu meio se encontram através de uma gestão educacional que busca desenvolver-se de forma democrática com o corpo docente. É importante destacar o significado com a Cultura de Paz presente no projeto político pedagógico da escola pesquisada enquanto elemento de contraposição aos índices de violência presente no bairro em que a escola está inserida como forma de resistência e busca por uma mudança de valores destrutivos para valores formativos a favor da cidadania.

Dessa forma, não se limita a datas comemorativas para abordar tais temas, mas incorpora ao cotidiano escolar como descreve a Gestora 1:

Um exemplo: eu tenho um calendário e eu vou seguir aquelas datas comemorativas e vou fazer as coisas de acordo com aquelas datas. Não! Ela (diretora) já gosta de deixar as coisas fluírem, mas eu não vou falar de consciência negra só na época de consciência negra, eu não vou falar da africanidades, não! De jeito nenhum. Então ela já trabalha isso durante o ano todo e vai deixando as professoras bem à vontade. Vou trabalhar a questão só no dia da árvore? Não! Não se prende muito a datas, deixa as professoras irem fluindo com seus projetos. De acordo com a necessidade da turma, de acordo com o olhar dela (professoras), na escuta que ela tem com cada turma, ela vai desenvolvendo (Trecho da entrevista com G1).

A escola faz referência em seu currículo à pedagogia de projetos, característica confirmada por todas as entrevistadas como um aporte para a elaboração e execução de suas ações pedagógicas, por sua vez, destacam seus feitos quase sempre em parceria com outras

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Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, comportamentos e modos de vida que rejeitam a violência e previnem os conflitos, atacando suas causas para resolver os problemas através do diálogo e negociação entre indivíduos, grupos e nações (ONU, 2004).

turmas, projetos interdisciplinares que ao longo do ano são desenvolvidos em parceria com os discentes e suas famílias, o que veremos no tópico seguinte.

Os assuntos Ancestralidades e Cultura de Paz pertencente ao campo do Pluralismo Cultural, bem como a temática Meio Ambiente inserido no campo da Educação Ambiental são temas recentes no currículo escolar brasileiro advindos principalmente dos Temas Transversais13 dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) que não constituem novas áreas de conhecimento, mas:

[...] antes um conjunto de temas que aparecem transversalizados nas áreas definidas, isto é, permeando a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória (BRASIL, 1997, p. 42).

Dessa forma, o currículo da escola pesquisada em suas práticas se encontra de acordo com as teorias pós-críticas em uma esfera multiculturalista, ou seja, preza pela diversidade cultural suas manifestações e expressões, baseia-se na teoria pós–colonialista ao assumir uma abordagem que busca analisar as relações de poder entre as diferentes nações que compõem a herança econômica, política e cultural da conquista colonial europeia, tal como se configura no presente momento, valorizando a visão do colonizado (SILVA, 2009).

O Programa Inovação e Criatividade do MEC, ao também reconhecer essa estrutura como parte de seu reconhecimento para definir um currículo criativo, apesar de não apresentar uma concepção de criatividade, destaca eixos temáticos presentes nesse padrão de visão pós-colonialista como pertencentes à esfera criatividade no contexto escolar.

O Programa, por sua vez, tem como objetivo criar as bases para uma política pública de fomento à inovação e criatividade na educação básica, baseado em cinco direções: gestão, currículo, ambiente, metodologia e intersetorialidade, porém não fundamenta sua investigação a um escopo teórico, não sendo possível identificar nenhuma referência sobre trabalhos já construídos com a temática, bem como nenhuma concepção sobre o que defendem como criativo.

As ações de reconhecer e certificar as escolas inscritas no programa inserem as escolas em uma rede de organizações reconhecida pelo MEC, o que desejavam fazer com essas informações ao que se percebe não foram mantidas, já que o programa não possui atualizações desde janeiro de 2016.

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O conjunto de temas aqui proposto — Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo — recebeu o título geral de Temas Transversais, indicando a metodologia proposta para sua inclusão no currículo e seu tratamento didático (BRASIL, 1997, p. 25)

Em busca dessa compreensão da concepção de criatividade na escola, procuramos nos sujeitos da escola pesquisada e premiada pelo MEC a partir das falas das docentes e gestoras, entender o que compreendem ser criatividade e onde está presente em suas práticas pedagógicas.