• Nenhum resultado encontrado

4 APROXIMAÇÕES ENTRE O NATURALISMO EPISTEMOLÓGICO DE DEWEY E

4.2 Naturalismo epistemológico: a discussão do conceito

A epistemologia naturalizada busca fundamentação a partir da própria natureza, é com a experiência sensorial que o conhecimento naturalizado tem seu foco e ponto de apoio. Apesar de a epistemologia naturalizada usar a natureza como objeto para se chegar ao conhecimento, esta forma de adentrar a natureza levou um bom tempo para avançar frente a uma epistemologia tradicional racional e abstrata.

Em Reconstruction in philosophy (1920) [Reconstrução em Filosofia], Dewey explica que o mundo pelo qual aqueles que se diziam cientistas viviam ainda não representava um espaço em que fosse possível desenvolver um conhecimento a partir do contato com a natureza. Este mundo era limitado e fechado, sem espaço para a experiência sensorial ou qualquer outra que se parecesse com ela.

Dewey trabalha em seu pensamento uma interpretação naturalista do conhecimento, descrevendo a importância do saber científico. Porém, ele reconhece que esse tipo de filosofia não surgiu em sua maneira de pensar; e sim dentro de um processo histórico que busca contrapor-se a um modelo de conhecimento desenvolvido dentro do espaço racional.

63

Com os pensadores antigos, na passagem do mito para o conhecimento do cosmo, a natureza toma espaço para se chegar ao conhecimento, onde os deuses gregos e as crenças não eram mais a fonte de conhecimento a ser utilizados. Esse momento ficou conhecido pela força e empenho que os filósofos da physis (filósofos da natureza), usaram para nortear um novo modelo de compreensão da realidade, sendo, pois, o interesse principal, a origem das coisas, e uma nova forma de entender o cosmo. Esses pensadores se interessavam pelos processos desenvolvidos através do ambiente natural. Com isso, a natureza era a fonte de conhecimento.

Posteriormente, seguindo o processo histórico, Aristóteles (1987) também fundamenta a maneira de conhecer através da experiência, sendo contrário ao modelo platônico de conhecimento. E com isso, possibilitou uma busca de renovação desse modelo no pensamento de Francis Bacon com a obra ―Novo

Organum”. Seguindo um modelo de conhecimento natural, tem-se também o

pensamento de David Hume com a obra Investigações sobre entendimento humano (1751), onde ele descreve que o conhecimento não surge de ideias inatas, mas da experiência. John Locke com a obra Ensaio a cerca do entendimento humano (1690), é considerado um dos idealizadores do empirismo e defende que todo o conhecimento parte da experiência e não da dedução.

Com Bacon, parecia haver um grande avanço frente às realidades da epistemologia naturalizada, tendo vista que este filósofo fez duras críticas à maneira como Aristóteles concebia seu entendimento. Isso porque, Aristóteles usava uma maneira persuasível, fazendo com que a mente tivesse mais espaço que a própria natureza do qual ele dizia ser o fundamento do conhecimento. De acordo com Dewey (2011, p. 53). ―Bacon acusou o próprio método aristotélico, que, em seu rigor, visava à demonstração e a persuasão. Mas tanto uma como a outra objetivavam a conquista da mente, mais do que a conquista da natureza‖.

Diante disso, mesmo com a natureza sendo uma fonte de conhecimento, a experiência carecia de movimentação científica e observável. Apesar de utilizar a natureza, a razão era a detentora da movimentação do conhecimento. Com isso, Dewey (2011), explana que a filosofia se utilizou da natureza para se chegar ao conhecimento de forma lenta, pois, mesmo os Pré-socráticos, Aristóteles e Bacon, Hume e Locke na modernidade, apresentaram suas críticas à forma racional de conceber o conhecimento, mas não se empenharam em usar o método

64

experimental-observável, ficando dessa maneira apenas próximo de caírem em um nominalismo3.

Tendo em vista a maneira pela qual os empiristas modernos conduziram o naturalismo, Dewey argumentou:

O pensamento moderno, ao romper com o pensamento antigo e medieval, continuou a linha da velha tradição referente à razão que cria e constitui o mundo, combinando-a com a noção de que essa Razão opera mediante a mente humana, individual ou coletiva. Esta é a noção comum do idealismo, emitida por todas as filosofias dos séculos XVII e XVIII, filiadas na escola britânica de Locke, Berkeley e Hume. (DEWEY, 2011, p. 65).

Os filósofos modernos se encontraram diante de uma tarefa em relação ao conhecimento e naturalismo, buscando de um lado, mesmo usando a natureza, não se prenderem a um materialismo que prendia o homem a existência das coisas físicas e o espírito material; isto ocorria segundo Dewey (2011, p. 65), ―no momento preciso em que, no mundo prático, homem e o espírito estavam começando adquirir real governo sobre a natureza‖. Por outro lado, estes filósofos e o desenvolvimento do naturalismo enfrentaram concepções que se utilizavam da razão como inteligência que dominava de forma fixa e compreensiva as realidades. Mas segundo Dewey (2011, p.65), a ação de uma inteligência racional fixa era ―incompatível com as concepções que vinham ganhando curso e cujo interesse básico girava em torno das deficiências do mundo e dos esforços enviados com o fim de remediá-las‖.

Outro ponto enfrentado pelo desenvolvimento do naturalismo com os modernos foi o de quebrar a razão que se desenvolvia da forma autoritária. Porém, Dewey apresenta uma crítica também aos empiristas, isto porque os mesmos não conseguiram encontrar soluções plausíveis para o problema do conhecimento. Isto porque, segundo Dewey (2011), embora os empiristas rejeitando uma epistemologia de cunho racionalista, cada um deles cuidou de orientar a epistemologia a sua maneira de pensar em relação à percepção e parte sensível, deixando então de buscar uma ligação com suas percepções frente a investigação do método científico.

3

O nominalismo é a doutrina que não admite a existência do universal (conceito abstrato), nem no mundo material, nem no mundo inteligível. Surgiu na sua forma mais radical no século XI por intermédio de Roscelino de Compiègne. Segundo Leibniz, são nominalistas todos os que acreditam que, além das substâncias singulares, só existem os nomes puros e, portanto, eliminam a realidade das coisas abstratas e universais.

65

Essas teorias, mesmo se aproximando do naturalismo, estavam diante de teses relacionadas à mente e ao surgimento das sensações. Assim, apesar do direcionamento dos empiristas modernos em relação à experiência e ao desenvolvimento de uma epistemologia natural, pode-se notar que eles tiveram que fugir da ação de cair em um nominalismo.

[...] A pesar de sua ênfase no papel das sensações como fundamentais ao conhecimento, concebem a vida mental de forma extremamente precária, cabendo à mesma crítica efetuada por Peirce, acerca da incapacidade dessa tendência de encontrar uma solução plausível para a unidade das sensações, sem recair no nominalismo. (SANTOS, 2007, p. 66).

Assim, o desenvolvimento histórico da epistemologia de cunho da naturalista enfrentou e enfrenta várias críticas por se utilizar da natureza como fonte de conhecimento. A natureza proporciona toda a base e modificação das realidades, fazendo com que, não só as nossas sensações, mais também todos os corpos contribuem com as experiências e continuação delas.

Para a epistemologia naturalizada, todas as coisas que existem advém da natureza e dela tira sua motivação para tornar possível o conhecimento. Diante disso, o meio pelo qual o conhecimento se torna possível está sobre o método científico. Segundo Nascimento (2017, p. 23), ―o naturalismo pode ser entendido como uma doutrina e um sistema de crenças que sustenta que nada existe além da natureza, de suas forças e de suas causas, e estas devem ser estudas no método científico‖. Com isso, o naturalismo se contrapõe a teorias desenvolvidas de cunho sobrenatural, destacando a existência da natureza e suas forças como sendo responsáveis pela movimentação das coisas no mundo.

O naturalismo dessa maneira demonstra que não é possível conceber algo que esteja fora da natureza. Dewey, apesar de defender o naturalismo, acredita não ser necessário fechar o mundo para as realidades sobrenaturais, até porque pode-se investigar estes acontecimentos pode-seguindo um modelo científico. Segundo Nascimento (2017, p. 23), Dewey ―não necessariamente diz que os fenômenos sobrenaturais não existem ou são necessariamente forjados, mas defende que todos os fenômenos no universo, que podem, de alguma forma, ser percebidos, estudados pelo homem, são passíveis de serem estudados pelos mesmos métodos atrelados aos estudos dos fenômenos naturais‖. O naturalismo traz consigo renovações

66

importantes para a teoria do conhecimento. Uma das renovações que Dewey (1980) apresenta é que não se deve separar a filosofia da ciência.