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PARTE I DO DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA E DO DIREITO NACIONAL DA

6. A Natureza Jurídica das “Correções Financeiras” por “Fraccionamento Artificial de

Refere Marcelo Prates que nos casos em que a sanção seja aplicada por uma autoridade administrativa mas cuja consequência não seja uma sanção contraordenacional, esta não estará sujeita ao regime do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro391. Sendo que dentro deste grupo de

sanções administrativas, que não são de natureza contraordenacional é necessário perceber se todas tem essa natureza de sanção administrativa ou se algumas podem ser consideradas como medidas administrativas pois, de acordo com a doutrina392, estas são “ (…) ações administrativas

de definição unilateral do direito aplicável a uma situação concreta que, de maneira legítima, afetam direitos dos administrados.”.

A descoberta da resposta sobre se, no caso de “Correções Financeiras”, estamos perante uma sanção administrativa ou uma medida administrativa é importante para decidir da aplicação de princípios garantísticos do direito sancionatório público.

Como vimos anteriormente, o Regulamento 2988/95, de 18 de dezembro prevê que uma mesma conduta pode ser objeto de aplicação de uma medida administrativa – artigo 4.º – ou de uma sanção administrativa – artigo 5.º n.º 1 alíneas c) e d) - com o mesmo objetivo, a restituição de uma quantia indevida.

Neste caso vemos que os seus efeitos imediatos (restituição) e a autoridade (PO’s) são exatamente os mesmos, mas a finalidade e as condições de aplicabilidade é que podem, e devem, ser diferenciados.

389 Orientação 2/2016 disponivel em http://centro.portugal2020.pt .

390 Respectivamente Orientações 1/2015 e 3/2016 disponíveis em http://proruralmais.azores.gov.pt e http://poacores2020.azores.gov.pt . 391 A punição administrativa entre a sanção contra-ordenacional e a “Sanção Administrativa”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 68, 2008,

p. 4.

Se, como vimos, as medidas administrativas têm uma função meramente reintegrativa ou reconstitutiva do orçamento da União Europeia, as sanções administrativas têm uma finalidade punitiva. 393

Parece ser esse o sentido do TJUE quando refere “Constituindo a falsa declaração referida no artigo 9.º n.º 2 a 4, do Regulamento n.º 3887/92 uma irregularidade na acepção do artigo 1.º n.º 2, do Regulamento n.º 2988/95 e a privação das ajudas às culturas uma “Sanção Administrativa” (…) ”394 ou quando defende que “ Na medida em que resulta expressamente do

artigo 7.°, n.º 1, do Regulamento n.º 2052/88 que as acções financiadas pelo orçamento da União devem ser realizadas no respeito total das directivas relativas à adjudicação de contratos públicos, a violação pelo beneficiário de uma subvenção da União, na sua qualidade de entidade adjudicante, das regras previstas pela Directiva 92/50 com vista à realização da operação objecto dessa subvenção constitui uma irregularidade como a prevista no artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4253/88 e o comportamento desse beneficiário deve ser qualificado, consoante o caso, de «abuso» ou de «negligência», na acepção desta disposição”395.

Isto não quer dizer que qualquer ato de restituição seria uma sanção administrativa396 mas

que perante “(…) circunstâncias como as em causa no processo principal (…) ”397 poderia ser

equacionado esse enquadramento em vez de uma mera medida administrativa.

Como sublinha Marcelo Prates398, “Perante uma situação concreta, a autoridade

administrativa não poderá, sob pena de agir com desvio de poder, substituir a medida desfavorável formalmente devida por outra medida similar, mesmo que tenha competência para a imposição de ambas, e que os efeitos finais dela decorrentes sejam semelhantes.” pelo que, sufragamos, “ (…) a delimitação possibilitará, de uma face, clarificar as medidas desfavoráveis à disposição da Administração, para que ela possa pautar as suas escolhas concretas pelas condições de fato e de direito existentes em cada situação que se lhe apresente, e, desse modo, para que ela possa atender da melhor forma os interesses públicos presentes, sem descurar os direitos e os interesses privados igualmente em questão.”.

Ao enquadrar as “Correções Financeiras” relativas ao “Fraccionamento Artificial de Contratos” como medida ou sanção administrativa devemos ter em linha de conta que: i) O

393 Nesse sentido acompanhamos MESQUITA, Maria José Rangel de, O poder …, Cit., p. 344.

394 Acórdão do Tribunal de Justiça National Farmers' Union, de 17 de julho de 1997 - Processo C-354/95

395 Acórdão do Tribunal de Justiça Chambre de commerce et d'industrie de l'Indre, de 21 de dezembro de 2011 – Processo C-465/10. 396 Em sentido contrário, PEREIRA, Pedro Matias, PEREIRA, Pedro Matias, A aplicação … Cit., p. 19.

397 Acórdão do Tribunal de Justiça National Farmers' Union de 17 de julho de 1997 - Processo C-354/95. 398 PRATES, Marcelo Madureira, Sanção Administrativa …, Cit., p.169.

controlo jurisdicional terá de ser variável consoante estejamos perante uma sanção administrativa ou de uma medida administrativa pois esta caberá aos tribunais administrativos enquanto a primeira, até tendo em conta as suas finalidades repressivas/punitivas, terá de seguir o procedimento comum e acautelar os mais elementares princípios de defesa das autarquias locais; e ii) A possibilidade de existir reutilização de fundos, pois só no caso em que a finalidade do mesmo é meramente ressarcitória é que podem ser utilizados novamente os valores objeto de correção pois, caso as “Correções Financeiras” tenha finalidade punitiva então, nesse caso, aquele valor não poderá ser reutilizado.

Assim, a entidade administrativa perante a possibilidade de aplicação de “Correções Financeiras” com base em “Fraccionamento Artificial de Contratos” tem de aferir da possibilidade da existência, ou não, de “Culpa” para definir qual a finalidade que pretende imputar e, de acordo com a mesma, aplicar o regime mais adequado a defesa dos mais elementares princípios de defesa das autarquias locais em detrimento da recuperação do FEDER indevidamente atribuído.

IV - ESTUDO DE CASO

Como vimos ao longo desta dissertação, existem diversas entidades responsáveis pela verificação do cumprimento do enquadramento jurídico, nacional e da União Europeia, da contratação pública399 com a finalidade de avaliar se os contratos públicos financiados pelo FEDER

respeitam, ou não, esse regime.

Para o FEDER não é possível aplicar a disciplina da contratação pública sem conhecer as fontes do direito da União Europeia. Não apenas o que referem as diretivas, os regulamentos e a Soft Law mas à cada vez mais importante jurisprudência do TJUE.

O recurso ao financiamento pelo FEDER exige a: i) “(…) aplicação efetiva da legislação da União em matéria de contratos públicos no domínio dos FEEI.”; ii) “(…) aplicação efetiva das regras da União em matéria de contratos públicos através dos mecanismos adequados;”; e que iii) “(…) garantam a transparência dos processos de adjudicação dos contratos;” 400 e tal só e conseguido

com uma verdadeira adequação dos princípios gerais a realidade concreta das autarquias locais. O Acórdão Compania Nationala de Administrare a Infrastructurii Rutiere, de 6 de dezembro de 2017, proferido pelo TJUE no Processo C – 408/16 veio cimentar esse entendimento. Nesse procedimento foi analisada a aplicação de “Correções Financeiras” de 10% no contrato de empreitada de obra pública da autoestrada Arad – Timisoara-Lugoj, na Roménia, financiado pelo FEDER e que teve como base um concurso limitado com pré-seleção.

Afirmou o TJUE nesse acórdão que “(…) os fundos europeus apenas se destinam a financiar as operações conforme as disposições do tratado e dos atos adotados ao abrigo do mesmo.” e, sublinhando o papel interventivo das autoridades de gestão dos programas operacionais nesta matéria, adverte que estas devem “(…) assegurar que as operações selecionadas para financiamento europeu cumprem as regras da União e nacionais aplicáveis, durante todo o processo de execução.”.

Esta exigência tem, na opinião do TJUE, o objetivo de garantir a boa gestão do FEDER e a proteção dos seus interesses financeiras401 assegurando que só sejam financiadas “(…) ações

desenvolvidas em total conformidade com o direito da União, incluindo as regras aplicáveis em matéria de contratos públicos.”402.

399 Para melhor compreensão dos casos analisados no presente capítulo IV iremos denominar estas entidades como entidades de auditoria. 400 Regulamento (UE) n. º 1301/2013 e 1303/2013, ambos do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro.

401 Igual entendimento, a título meramente exemplificativo, tinha já sido suportado pelos Acórdãos: Judetul Neamt e Judetul Bacau, de 26 de maio de 2016 – Processos C – 260/14 e 261/14 e Wroclaw – Miasto, de 14 de julho de 2016 - Processo – C – 406/14.

Repare-se que a existência de um quadro de princípios gerais para os contratos públicos das autarquias locais financiados pelo FEDER tem uma aplicação prática fundamental. Obrigam as autarquias locais a redobrarem a sua atenção quando pretendem colocar a financiamento um determinado contrato público.

Estas não podem ficar apenas por uma mera análise do enquadramento jurídico nacional uma vez que as entidades que auditam este financiamento têm uma especial sensibilidade para avaliar a evolução da jurisprudência “principialista” do TJUE.

Esse é também o entendimento da CE quando refere, nas orientações dirigidas aos programas operacionais que gerem FEDER, que as “(…) verificações em matéria de contratos públicos devem ter como objetivo garantir que tanto as regras nacionais como da União em matéria de contratos são cumpridas e que os princípios de igualdade de tratamento, não discriminação, transparência, livre circulação e concorrência foram respeitados durante todo o processo.”403.

Por esse motivo, as verificações efetuadas pelas entidades responsáveis pela verificação do cumprimento do enquadramento jurídico, nacional e da União Europeia, da contratação pública, são um manancial de informação relevante para aferir da atuação das autarquias locais, enquanto entidades adjudicante, no âmbito do conceito do “Fraccionamento Artificial de Contratos”.

De forma generalizada e meramente exemplificativa, iremos agora dar conta de alguns exemplos práticos em contratos públicos, desencadeados por autarquias locais que obtiveram financiamento FEDER.

Mais uma vez se refere que a sensibilidade da informação consultada justifica a omissão da identidade das autarquias locais e das entidades que verificam este enquadramento sobre as quais se promove total reserva.

A limitação de tempo que nos é imposta pela presente dissertação impede de abordar, de forma exaustiva, todas as questões, embora pertinentes, sobre o objeto do nosso trabalho, sendo que iremos focar aqueles aspectos que se afigurem de mais relevantes.

1. Caso – Empreitadas de Centros Escolares