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3 CAPÍTULO 2 – OS MEIOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E PARTICIPAÇÃO DOS CREDORES SUJEITOS AO PLANO

3.1 NATUREZA JURÍDICA DOS PLANOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A imposição do PRJ aos credores que o rejeitaram e, portanto, votaram contra sua aprovação, pode sugerir alguma dúvida acerca da natureza jurídica do referido instrumento. Certo é que, desde que aprovado pelo quórum previsto em lei e judicialmente homologado, a eficácia do plano de recuperação supera a autonomia privada de quem escolheu não aderir às suas cláusulas.

Nesse particular, a doutrina desenvolveu algumas teorias contratualistas com o propósito de explicar a natureza jurídica dos PRJs, sendo que Rodrigues destaca a “teoria da vontade forçada” a partir da legitimação da vontade da maioria sobre a minoria; a “teoria da vontade presumida”, pela qual haveria a presunção de aderência dos credores dissidentes a partir da verificação da aprovação por um quórum assemblear; e ainda a “teoria da representação da minoria pela maioria”, fundada no pressuposto de que a minoria outorga mandato para que a maioria decida.77

76 OLIVEIRA FILHO, João Glicério de; MOREIRA, Marcus Borel Silva. A boa fé objetiva nos planos de

recuperação judicial. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI, 7., 2017, Florianópolis. Anais...

Florianópolis: CONPEDI, 2017. p. 4-23. Disponível em:

<https://www.conpedi.org.br/publicacoes/pi88duoz/ichijnb6/5x3d2UKN2dpsGr63.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2018.

77 RODRIGUES, Luiz Gustavo Friggi. O plano de recuperação judicial como forma de liquidação da empresa

em contraposição ao pedido de autofalência. publicaDireito, [S.l.], [entre 2012 e 2016]. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=aab085461de18260>. Acesso em: 24 out. 2016.

Por outro lado, teorias processualistas apresentam um contraponto às contratualistas, basicamente fundadas na concepção de que, por demandar uma homologação judicial, a recuperação judicial é concebida como um “favor legal”, mormente em face da possibilidade do cram down.78

Doutrinadores como Restiffe e Campos Filho entendem que a novação das obrigações – a partir da homologação do PRJ –, consiste em resultado da prestação jurisdicional, dado que uma pretensão foi posta em juízo. Alinham-se, portanto, à teoria processualista na explicação da natureza jurídica dos planos de recuperação judicial.79

Lobo concebe a recuperação judicial como um ato complexo, à medida que abrange um ato coletivo processual – vontades do devedor e de seus credores fundem-se em uma só, formando uma vontade unitária –, um favor legal – à medida que existe uma garantia legal, desde que preenchidos alguns requisitos, de saneamento do estado de crise –, e uma obrigação

ex lege – uma vez que a homologação judicial promove a novação de todos os créditos

submetidos.80

Malgrado a gama de entendimentos doutrinários a respeito da natureza jurídica dos PRJs, o alinhamento desta dissertação se aproxima daquele defendido por Campinho no sentido de concebê-lo como um verdadeiro contrato coletivo, com consequências novativas.81 No mesmo sentido, Ayoub e Cavalli destacam que:

A disciplina da recuperação judicial de empresa resgata o quanto ficou escondido no sentido etimológico da palavra concordata. Daí por que se entrevê na atual disciplina da recuperação judicial um retorno ao sistema negocial, como se ocorresse uma renegocialização do instituto. Fala-se em natureza contratual ou negocial da recuperação judicial.82

Kalil ainda evidencia a dissociação entre o favor legal da concordata e a natureza contratual do instituto da recuperação judicial, materializada em seu plano:

78 BRASIL, 2005, op. cit.

79 RESTIFFE, Paulo Sérgio. Recuperação de empresas: de acordo com a Lei n. 11.101, de 09.02.2005. Barueri:

Manole, 2008.

CAMPOS FILHO, Moacyr Lobato de. Falência e recuperação. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

80 LOBO, 2016, passim. 81 CAMPINHO, 2010, passim. 82

AYOUB, Luiz Roberto; CAVALLI, Cássio. A construção jurisprudencial da recuperação judicial de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 261, grifo do autor.

Abandonada a ideia de uma recuperação empresarial fundada em um favor legal concedido pelo Estado em empresário em crise, independentemente da anuência dos credores deste, o foco agora se volta para o contrato, alçado à condição de elemento- chave do turn around do devedor em vias de insolvência.83

Oliveira Filho e Moreira afirmam que o princípio da solidariedade e da ordem econômica – positivados nos arts. 3º e 170 do Texto Constitucional e que respaldam o princípio de preservação da empresa –, permitem concluir que o PRJ é um instrumento contratual decorrente da livre manifestação coletiva das partes. Assim, observado certo quórum legal, verifica-se a novação legal das obrigações com a finalidade de promoção da preservação da atividade empresarial.84

Ao solidarizar o custo da recuperação judicial entre os atores do processo, a lei estabeleceu a necessidade de o devedor criar, juntamente com seus credores, a solução para a superação da crise a partir da aprovação do plano de recuperação, em exercício de partilha de risco e resultado. A vinculação de todos os credores sujeitos, por sua vez, é regra que se alinha ao próprio princípio da preservação da empresa à medida que, se assim não o fosse, dificilmente um plano lograria ser aprovado em uma recuperação judicial.

Imagina-se a hipótese de o credor insatisfeito com o PRJ resolvesse não o aderir, obrigando o devedor a lhe pagar, à vista, a integralidade do seu crédito, nos moldes da antiga concordata. Seguramente, pouquíssimos credores aceitariam a novação oferecida, daí porque a vinculação da coletividade é uma medida necessária e se coaduna com o espírito da recuperação judicial de empresas.

A legitimação contratual dos credores, por sua vez, é conferida à assembleia-geral, como se o referido órgão fosse o verdadeiro ente contratante do plano. Seguindo essa linha, Mandel entende que “é a AGC quem expressa a vontade coletiva dos credores. Uma vez respeitado o formalismo de sua convocação, forma-se o coletivo, e com este coletivo é com quem o devedor contrata [...].”85 Assim, sopesa-se o fato de que a necessária homologação judicial do acordo não descaracteriza a real natureza contratual do plano de recuperação, mas apenas confere juridicidade ao documento, conferindo-lhe a qualidade de título executivo judicial.

83 KALIL, Marcus Vinicius Alcântara. A homologação judicial do plano de recuperação: entre o controle de

legalidade e o respeito à liberdade contratual. Revista Semestral de Direito Empresarial (RSDE), Rio de Janeiro, n. 12, p. 73-97, jan./jun. 2013. p. 80.

84 OLIVEIRA FILHO; MOREIRA, 2017, passim.

85 MANDEL, Julio Kahan. Da alteração do plano de recuperação judicial aprovado pelos credores. In: TOLEDO,

Paulo Fernando Campos Salles de; SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de (Eds.). Direito das empresas em crise: problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012. p. 195-212. p. 207.