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2.3 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DIREITO RECUPERACIONAL BRASILEIRO

2.3.1 Princípio da preservação da empresa

A preservação da empresa é a pedra angular do procedimento recuperacional, e, exatamente por esse motivo, é que alguns princípios e regras que compõem o arcabouço

40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial n. 1302735/SP. Recorrente: Parmalat Brasil

S/A Indústria de Alimentos. Recorrido: Companhia Metalúrgica Prada. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 05 abr. 2016. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1302735&&tipo_visualizacao=RESUMO&b=AC OR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 21 mar. 2018.

interpretativo do Direito Recuperacional são mitigados para garantir a eficácia do referido princípio.

O exercício da ponderação entre princípios, entre regras – na forma da teoria de Ávila ou até mesmo entre princípios e regras –, já veio, em grande parte, resolvida pelo legislador recuperacional.41 Para possibilitar a superação da crise e o salvamento da atividade econômica, direitos consolidados de credores, por exemplo, são relativizados; deveres de natureza pública, por sua vez, são flexibilizados; princípios de Direito Privado veem sua aplicabilidade recuada para dar lugar a princípios que, no caso concreto, se mostram mais adequados.

Não se nega que um indivíduo – titular de um legítimo direito de crédito –, possa exercê-lo contra quem lhe deve quantia líquida e certa por meio da competente ação de execução. No entanto, em face do princípio norteador da recuperação judicial, o direito fundamental de ação – de natureza principiológica –, tem sua eficácia suspensa em exercício de ponderação realizado pelo próprio legislador infraconstitucional, à medida que determina a suspensão de todas as ações e execuções contra a empresa em recuperação a partir do deferimento do processamento da medida, pelo prazo de 180 dias, conforme o art. 52, III da LRF.42

Esses exercícios de sopesamento e ponderação de princípios são exaustivamente observados no procedimento de recuperação judicial. Alguns desses conflitos foram previamente identificados pelo legislador ordinário e resolvidos a partir da positivação de regras, como aquela que determina a suspensão das ações e execuções contra o devedor pelo prazo legal.43

Outros tantos costumam se apresentar no desenvolvimento do próprio processo recuperacional, muitos de difícil solução e cuja aplicação não pode ser entendida como de caráter geral. Assim, cada caso demanda um exercício próprio de sopesamento.

Quando o empresário se vê envolto em uma crise econômico-financeira cuja solução dependa da intervenção estatal – hipóteses em que soluções do próprio mercado não se mostrem eficientes –, o que se deve ponderar, para fins de proteção, não é a figura do empresário propriamente dita (embora este seja, de fato, o destinatário direto da ajuda estatal),

41 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 16. ed. São

Paulo: Malheiros, 2015.

42

BRASIL, 2005, op. cit.

mas daquilo que este representa, ou seja, a atividade econômica que este desenvolve em vista da preservação de outros fatores de produção, como discute Campinho.44

Roseli Rêgo Santos Cunha Silva acrescenta que “a preservação está direcionada à atividade e dissociada da figura do empresário e daquele que de alguma forma a controla através da participação societária.”45

Desse modo é que não se pode elevar o princípio da preservação da empresa a um patamar de intangibilidade, buscando aplicar as regras protetivas em todo e qualquer caso na busca da recuperação da atividade a todo custo. O direito a se recuperar de um empresário que exerce uma atividade economicamente viável e de alta relevância social é o mesmo, do ponto de vista formal, daquele outro cuja atividade não se mostra exatamente viável e cuja participação econômica não se afigura exponencial.

Como exemplo, cita-se a possível tentativa de recuperação de uma empresa exploradora da atividade de locação de Digital Versatile Disc (DVD), de fitas Video Home

System (VHS) e similares, em tempos de propagação de serviços de streaming de vídeos pela

Internet. Hodiernamente, é sabido e esperado que serviços superados pelo avanço tecnológico não irão se sustentar no mercado, ressalvada a possibilidade de o empresário se reinventar com o desenvolvimento de novos produtos e serviços, a fim de se manter vivo no mercado.

Nesse caso, mostrar-se-á inviável a tentativa de recuperação do empresário que insiste em explorar a atividade superada pela inovação, não sendo materialmente justificável a intervenção estatal da recuperação ainda que, formalmente, este empresário possa ser titular do mesmo direito a se recuperar que os demais.

O exercício do sopesamento e da ponderação de princípios deve ser preciso para, no caso concreto, concluir que o princípio da preservação da empresa não deve prevalecer em face da inviabilidade da atividade que se busca salvar. Para a economia nacional – de cujo princípio da preservação da empresa deriva –, a quebra daquele empresário com rápida injeção de recursos na economia, decorrentes da realização dos seus ativos, se mostra como medida socialmente mais adequada.

Lobo esclarece a necessidade de realização de ponderação de princípios, destacando o da função social da empresa, o da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho e

44

CAMPINHO, 2010, passim.

45 SILVA, Roseli Rêgo Santos Cunha. A preservação da microempresa e da empresa de pequeno porte em

recuperação judicial como forma de proteção do trabalho e de fortalecimento da economia nacional. 2016. 274 f. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/21110/1/ROSELI%20R%C3%8AGO%20SANTOS%20CUNHA%20 SILVA.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2018.

o da segurança jurídica e efetividade do Direito para definição, por meio do “teorema da colisão” de Alexy, qual deverá prevalecer diante de uma circunstância de colisão.46

Enquanto instrumento formalizador dos meios de recuperação e de cuja novação consequente garante a oportunidade de o empresário se reestruturar, os planos de recuperação, devem, igualmente, estar sujeitos à ponderação e sopesamento de princípios quando da sua formação, deliberação e homologação judicial, não se podendo falar em soberania absoluta das partes para deliberarem o que quiserem – a autonomia privada deve ser respeitada à luz dos demais princípios informadores da recuperação judicial.