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4 DISCURSO DAS MÍDIAS

4.1 A INFORMAÇÃO COMO ENUNCIAÇÃO

4.1.1 Naturezas do saber

O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria, se aprende é com a vida e com os humildes. (Cora Coralina)

Charaudeau (2007) pondera que os imaginários, enquanto formas de simbolização do mundo, surgem e se atualizam nos discursos que circulam na coletividade. Além disso, orienta que eles são ancorados em dois tipos de saber: os de conhecimento e os de crença, isto é, são balizados tanto por conteúdos de ordem racional como pelos de ordem afetiva. Ele compreende os saberes como construções humanas que resultam do exercício da linguagem e, portanto, afirma

que o saber não tem uma natureza em si, e que seu processo de estruturação passa pela orientação do olhar do homem, o qual pode tanto voltar-se para o mundo e descrevê-lo em categorias de conhecimento, quanto voltar-se para si mesmo e erigir categorias de crença. Ao mesmo tempo, o saber é estruturado de acordo com a atividade discursiva que o homem utiliza, de modo mais ou menos consciente, para dar conta do mundo, seja para descrevê-lo, contá-lo ou explicá-lo (de acordo com os Modos de Organização que elege), como também pela atitude de proximidade ou distanciamento frente ao seu dizer (mundo comentado / mundo narrado), segundo Weinrich (1964 apud KOCH, 2004). Enfim, o processo de significação engloba todo esse conjunto de atividades discursivas a fim de configurar os sistemas de representação do mundo.

A título do objeto da presente pesquisa, em torno da análise dos saberes de crença que configuram o imaginário da juventude na interação entre o discurso informativo e o publicitário, é oportuno elaborar uma distinção pormenorizada entre esses saberes e os saberes de conhecimento. Em face do caráter híbrido das notícias inscritas no domínio discursivo “produção e consumo”, há uma disjunção entre a forma (o explícito) de notícia e a função (o implícito) de um anúncio, a partir da confluência entre uma orientação racionalizante, baseada nos conhecimentos, e uma perspectiva afetiva, apoiada nas crenças.

Por meio dos saberes de conhecimento, o homem realiza uma representação racionalizada do mundo, tornando inteligível a existência dos seres e dos fenômenos a partir de marcas no continuum da sua materialidade. Assim, estabelece parâmetros entre o que considera semelhante, por relações de contiguidade, e o que estipula como diferente, por relações de substituição dos elementos que verifica. Dessa maneira, o saber de conhecimento organiza hierarquias e alicerça taxionomias.

Esse analista do discurso esclarece que o sujeito constrói esse conhecimento na convergência de uma dupla aprendizagem, uma primeira, através das práticas de experiência, pelo método da tentativa e erro, que possibilita ao sujeito depreender as recorrências dos fenômenos e elaborar uma explicação do mundo fenomenal por meio da empiria do sentir, ver, e ouvir. E, também, pela aprendizagem dos dados científicos e técnicos que almejam explicar o mundo objetivamente com o apoio de recursos intelectuais, tais como o cálculo, o raciocínio e o discurso de explicitação. Nesse caso, o discurso não pertence a um sujeito, mas sim a um terceiro impessoal

(a ciência), que desempenha o papel de referência, funciona como um verificador do saber, e elabora discursos com efeito de verdade comprovada. Entretanto, o referido autor ressalta que, embora esse saber represente uma estabilidade, ao fornecer uma visão estruturada do mundo, ele não pode ser descrito em termos de uma verdade universal, porque o filtro da experiência social e cultural o relativiza.

A categorização dos saberes de conhecimentos segue três orientações básicas:

a) existencial: identifica e caracteriza os objetos do mundo em sua factualidade, como um "estar aí", e apresenta-os em um dado lugar (o espaço), num certo momento (o tempo) e num certo estado (as propriedades). Na enunciação informativa, reitera a favor de uma conduta desejada ou imposta sob a forma de definição, como nos dicionários e manuais, ou por meio de indicações factuais, como nos classificados, placas e cartazes;

b) evenemencial: descreve o processo do acontecimento, ou seja, demonstra uma modificação do estado do mundo, a partir de uma descrição verossímil, construída de acordo com o universo consensual de um dado grupo. Quanto à sua inserção na enunciação informativa, tem como função um fazer imaginar, por reconstituição, uma ocorrência do mundo, focalizando ora no processo da ação, ora em uma declaração sobre o acontecimento, ora na identificação dos atores implicados, ora nas circunstâncias materiais (espaço / tempo).

c) explicativa: descreve o porquê, as motivações e intenções do acontecimento, bem como de seus desdobramentos. No quadro da enunciação informativa, oferece argumentos para que o destinatário apreenda como algo inteligível, a partir da razão, os acontecimentos do mundo.

Merece destaque, acerca da categorização acima, o estudo formulado por Charaudeau (2010) sobre a passagem do acontecimento, enquanto uma ocorrência no mundo fenomenal, ao "processo evenemencial", como um trabalho de ordenamento do sentido elaborado pelo sujeito. A esse respeito, ele orienta que não é o acontecimento em si que interessa para a Ciência da Linguagem, e sim a

faculdade de apreensão de uma modificação no mundo, isto é, de uma passagem de estado e de uma ruptura na ordem estabelecida, as quais provocam um efeito de saliência, verificado pelo sujeito através sua capacidade de percepção cognitiva da descontinuidade do contínuo, pela qual ele lança um olhar sobre o mundo. No entanto, além do efeito de saliência, para que essa percepção seja dotada de significação, é necessário que essa modificação do mundo seja relevante para o sujeito como ser social em uma rede de significações sociais, o que desencadeia um efeito de pregnância, pelo qual um acontecimento é problematizado em relação ao preexistente e integrado a uma recategorização semântica. Em suma, a modificação não é somente uma saliência (cognitivo) para o sujeito, visto que é a pregnância (o social) que lhe confere sentido. Enfim, nas palavras de Charaudeau, “O acontecimento nasce, vive e morre numa dialética permanente de ordem e desordem, dialética que pode estar na natureza, mas cuja percepção e significância dependem de um sujeito que interpreta o mundo”. (2010, p.101).

Já pelos saberes de crença, o mundo é comentado através de um olhar subjetivo, baseado no senso comum, em uma busca, não de inteligibilidade racional, mas de avaliação e apreciação valorativa. Como está relacionado a um debruçar do sujeito sobre o mundo, e não do mundo sobre o sujeito, há uma multiplicidade de julgamentos que formam os diversos sistemas de pensamento social, os quais são erigidos sobre uma partilha de crenças e exercem uma função identitária, um modo de pensar e sentir coletivo. Nesse sentido, a partir das crenças, as sociedades regulam as práticas sociais, criam normas efetivas e avaliam os comportamentos, estipulando normas ideais, por meio de padrões de conduta esperados entre seus membros. Além disso, Charaudeau (2010) indica que as crenças são baseadas em sistemas de pensamento, os quais são delineados por ele da seguinte maneira:

a) sistemas que avaliam o possível e o provável – baseados em hipóteses e verificações que permitem predições posteriores (se x, porque y);

b) sistemas que avaliam os comportamentos por meio de um julgamento positivo ou negativo, a partir do ponto de vista ético (bom ou mau), estético (belo ou feio), hedônico (agradável ou desagradável), pragmático (útil ou inútil).

Uma vez que instauram modelos de conformidade social, as crenças, ao serem veiculadas em uma enunciação informativa, estabelecem uma relação de

cumplicidade entre os parceiros. Em outras palavras, a informação baseada em uma crença tem um poder de interpelação, porque exige do outro uma tomada de posição em relação ao conteúdo que lhe é proposto, em termos de adesão ou refutação. Como exemplo, o enunciado “Honda Civic 2012 – Jovial e sofisticado”, realiza uma dupla interpelação ao receptor, uma quanto ao seu conhecimento sobre o carro, outra sobre a avaliação proposta sobre ele.

Por fim, o referido autor orienta que “a fronteira entre esses dois tipos de saber é porosa, ainda mais em virtude de muitos sujeitos jogarem com essa porosidade com fins estratégicos, apresentando um tipo de saber em lugar e posição do outro”. (Charaudeau, 2008a, p. 199). A esse respeito, Pina20

(2007), perfilhada a Méon (2004), aponta que a imprensa escrita é um espaço privilegiado para o estudo dos processos de circulação dos saberes que ocorrem na vida social, em razão da multiplicidade de fontes de acesso à informação. Ela propõe, ainda, que o espaço midiático, em decorrência da porosidade das fronteiras entre os saberes científicos e os sabres comuns, revela também uma hibridação dos mesmos.