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3 TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA

3.4 OS DOIS CIRCUITOS DO ATO DE LINGUAGEM

Com base na noção de Ato de Linguagem como um jogo entre o Implícito e o Explícito, fruto de Circunstâncias de Discurso específicas, para a Teoria Semiolinguística, ele é realizado no ponto de encontro dos processos de produção e interpretação.

Portanto, em sua totalidade, ele não se limita a uma única intenção do Emissor, sendo ilusório, então, o conceito de simetria discursiva entre o Emissor e o Receptor.

Como visto acima, os protagonistas na encenação comunicativa são desdobrados em sujeitos de fala – EUe e TUd - e sujeitos agentes – EUc e TUi, a estabelecer dois circuitos de produção.

O primeiro diz respeito ao circuito de fala configurada, sendo compreendido como um espaço interno onde se encontram os seres da fala, ou seja, a imagem formada do sujeito enunciador EUe e do sujeito destinatário TUd a partir das representações sociais.

O segundo circuito é externo à fala configurada e nele estão inscritos os seres agentes, os quais são instituídos como imagem de ordem psicossocial do sujeito comunicante EUc e do sujeito interpretante TUi de acordo com um conhecimento determinado pelo “real”15

.

Cabe, aqui, notar que nesta proposta, o contexto é interno ao Ato de Linguagem, e, portanto, configurado materialmente, enquanto a situação é externa a esse ato, ainda que reúna as condições de sua realização.

Com isso, é possível dizer que o funcionamento do mundo falado abarca uma dupla esfera: uma de representação discursiva, correspondente ao circuito interno da fala, e outra de representação da situação de comunicação, como testemunha do real, correspondente ao circuito externo.

No que tange o processo de produção, o EUc, movido pelo aspecto relacional das trocas comunicativas, ativa suas competências a fim de que o Ato de Linguagem obtenha sucesso pela aproximação das interpretações do sujeito interpretante (TUi) e do sujeito destinatário (TUd). Para tanto, é necessário que este sujeito comunicante recorra a contratos e estratégias.

Pelo contrato discursivo, ele pode supor que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais possuem uma competência linguageira aproximada, a qual irá permitir o reconhecimento de suas encenações e intenções.

Com os procedimentos de estratégia, o sujeito comunicante produz efeitos com o objetivo de aproximar o sujeito interpretante (TUi) do destinatário ideal (TUd). Para tanto, ele fabrica: a) uma imagem de real como um lugar de uma verdade

15 O capítulo referente ao estudo do discurso das mídias oferece uma concepção de “real” de acordo

exterior ao sujeito, b) uma imagem de ficção como lugar de identificação do sujeito com um outro pela projeção do imaginário.

Nas palavras de Charaudeau (2008b, p. 62):

As estratégias de poder exercidas em uma sociedade são o resultado de um jogo de ser e de parecer entre o estatuto social dos sujeitos do circuito comunicativo (EUc / TUi) e o estatuto linguageiro dos sujeitos que a manifestação linguageira constrói (EUe / TUd).

Nesse processo o sujeito falante almeja seu sucesso articulando uma dupla aposta, que depende que o sujeito-interpretante perceba seus contratos e que suas estratégias produzam o efeito desejado.

No entanto, na recepção é possível que o sujeito interpretante não domine os efeitos produzidos pelo sujeito comunicante, já que, como vimos anteriormente, este exerce seu total domínio somente sobre o destinatário ideal. Também, o sujeito comunicante, por uma falha de consciência, pode produzir efeitos não previstos em sua encenação, os quais figuram no discurso do enunciador.

Ainda, pode ocorrer que o sujeito interpretante altere consideravelmente sua interpretação por não conhecer o contexto sócio-histórico de produção do ato de comunicação. Eco (2000) denomina essa possibilidade de extrapolação interpretativa de leitura “excedente” e orienta que a aposta nos traços semânticos recorrentes é um bom critério de interpretação, uma vez que se evita uma supervalorização dos indícios presente na superfície do texto. Isso equivale a dizer que os possíveis interpretativos (CHARAUDEAU, 2008) devem ser baseados nas marcas textuais recorrentes, bem como no propósito comunicativo do Ato de linguagem, isto é, o texto deve ser apreendido de modo global, uma vez que “o texto é um conjunto formado por partes solidárias, em que o sentido de uma depende das outras” (PLATÃO; FIORIN, 1996, p. 14).

Tomando como exemplo uma situação de diálogo face a face, na qual um cliente pede ao garçom uma caipirinha, vislumbramos a existência de um Ritual sociolinguageiro que assegura uma conivência discursiva, de forma que o garçom entenda “caipirinha” como “bebida”, salientando que um implícito codificado permeia as trocas comunicativas.

Em outras palavras, os processos de Produção e Interpretação são orientados por um Contrato de Comunicação, que sobredetermina os sujeitos da linguagem pelas restrições específicas de cada ato (Circunstâncias de Discurso).

Enfim, para essa abordagem, a análise de um texto é uma atividade que ultrapassa o ponto de vista do comunicante e do interpretante. Por se ancorar na convergência dos processos de produção e interpretação, analisar um ato de linguagem consiste na formulação de possíveis interpretativos revelados no entrecruzamento desses dois processos através da comparação de constantes e variáveis de elementos linguageiros, semânticos e formais.

O capítulo seguinte aborda o discurso de informação midiática de acordo com a Semiolinguística, sendo subdividido de acordo com os seguintes tópicos: seção 4.1, a respeito da concepção de informação como fenômeno humano e social; seção 4.2, que apresenta o contrato de informação midiática; seção 4.3, que reflete sobre o trabalho linguageiro de construção da notícia; seção 4.4, que se dedica ao estudo das especificidades do contrato de comunicação da publicidade.