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A navegação no Rio Grande do Sul e Porto Alegre em meados do século

2 PORTO ALEGRE: A FORMAÇÃO DE UMA CIDADE PORTUÁRIA

3.5 A navegação no Rio Grande do Sul e Porto Alegre em meados do século

A navegação, beneficiada pelas melhorias na sinalização das rotas, gradualmente foi ganhando um novo protagonista, o barco a vapor. A primeira embarcação surgida na província foi a barca “Liberal”, com o casco construído em Pelotas e o maquinário importado dos Estados Unidos da América do Norte (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.73). Singrou as águas da Lagoa dos Patos a partir de 1832, tendo em sua segunda viagem, visitado os portos de Porto Alegre, Triunfo, Rio Pardo e São Leopoldo (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.73). Contudo, a eclosão da Guerra dos Farrapos interrompeu o desenvolvimento do transporte hidroviário, somente retomado com o fim do conflito. Antes ainda do início do conflito armado, em 1834, chegou à Câmara de Porto Alegre uma proposta da empresa Norte Americana, Carrol Forbs e Cia, pedindo o privilégio exclusivo, por dez anos, para explorar os serviços de barcos a vapor em toda a província317. Porém a proposta não foi apreciada, por não ser de incumbência da Câmara de Vereadores. Após o intervalo da guerra, empresas de transporte fluvial começaram a explorar as vias interiores da província. As embarcações a vapor, por dispensar a força do vento e serem mais facilmente manobráveis nos rios, passariam, na segunda metade do século dezenove, a dominar a atividade de transporte de passageiros nos cursos fluviais interiores da província. Contudo sua supremacia no transporte fluvial, principalmente nos rios, não foi alcançada facilmente nos mares e, mesmo na navegação lacustre, onde as embarcações a vela ainda mostravam ser a melhor opção.

Desta forma, demorou décadas para o vapor substituir os veleiros nos mares. Na primeira metade do século dezenove, as embarcações a vela atingiram o apogeu de seu desenvolvimento técnico, a exemplo dos Clipper norte-americanos, continuando a dominar a navegação marítima. Na navegação fluvial, a disputa pendeu para as embarcações a vapor, já que, neste ambiente, a propulsão a vela sempre foi, se não inútil, difícil de ser utilizada.318: As embarcações a vapor somente iriam dominar os mares, além dos rios onde, em meados do século dezenove, já predominavam, após uma série de evoluções técnicas que as tornaram mais seguras e eficientes319.

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Segundo Torres, um grupo de acionistas dirigidos pela mesma empresa teria financiado, em 1823, a vinda de

“máquinas a vapor para a dragagem do canal em frente ao porto (Rio Grande), que permitiu o acesso a navios de 200 toneladas ou mais” (TORRES, 2010, p.43). A empresa norte-americana com estes investimentos,

possivelmente, via na navegação interior da província um futuro promissor e a promessa de grandes lucros.

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Nos Estados Unidos da América do Norte, no início do século XIX, os vapores já dominavam a navegação

interior do país, “uma centenas de piróscafos queimando lenha – combustível abundante e barato – [...] e mais de 400, em 1830” (SCHNERB, 1996. p. 65).

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Uma dessas inovações foi o propulsor helicoidal, que iria aposentar, gradualmente, as enormes rodas de pás. Lenta também seria a aplicação do condensador de superfície que permitia aumentar o aquecimento da caldeira,

No Rio Grande do Sul, a presença dos vapores começou a ser mais evidente com a criação das primeiras linhas, em meados do século dezenove, na navegação interior. A eficiência dos vapores neste tipo de transporte fez com que, em poucos anos, o dominasse e tornasse obsoletas outras embarcações. A implantação das linhas de vapores para o transporte de carga e, principalmente, passageiros nos principais cursos da bacia do Rio Jacuí, tenha extinguido, gradualmente, com o transporte tradicional das canoas de tolda. Estas, possivelmente, continuaram a serem utilizadas apenas no transporte de pequenas cargas, em pequenas distâncias, e nos cursos dos rios que impediam o acesso de embarcações de maior calado.

A canoa continuou a ser utilizada no trânsito de gêneros alimentícios das propriedades rurais próximas de Porto Alegre. Como é o caso das embarcações de Manoel Alves Louzada, estancieiro que, em 1840, possuía uma “frota de lanchões, botes e canoas, com a qual transportava os produtos de suas fazendas para venda em Porto Alegre” (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.127).

A belga Marie van Langendonck, que para chegar a seu destino, em uma colônia às margens de um dos afluentes do Rio Caí, em 1857320, teve que utilizar do serviço do que denominou de “lanchão”; porém, pela descrição da embarcação presente no relato da viajante, sabemos que possivelmente tratava-se de uma das célebres canoas de tolda. Segundo Marie:

Assim é que depois de dez dias passados em Porto Alegre, o Sr. De Montravel providenciou para nós e nossas bagagens um bonito lanchão – pequena embarcação com convés – que se movia, ou por meio de quatro remos, ou com a ajuda de varas apoiadas oblicamente no fundo da água na parte dianteira da pequena embarcação, sobre cada uma dessas varas um homem apóia com força o ombro esquerdo para dar o empurrão que transmite à lancha um vigoroso impulso (LANGENDONK, apud FILHO; FRANCO, 2004, p.104).

As canoas de tolda, úteis, como testemunhado, em determinadas situações, não se mostraram competitivas aos vapores nas viagens mais longas. A capacidade de carga, a regularidade e a velocidade das embarcações a vapor induziram a aposentadoria das canoas de tolda no transporte em distâncias mais longas. Os viajantes, que estiveram ou passaram por Porto Alegre entre as décadas de 1840 e 1850, com exceção ao de Marie van Langendonck, em seus relatos não fazem referências às, antes, célebres canoas.

de compound que possibilitava a economia do combustível, fator limitador para as viagens de longo curso. permitindo uma maior eficiência dos motores. Ibidem, p. 74

A qualidade, todavia, dos serviços de navegação a vapor, nos primeiros anos de sua implantação, não deixavam muito atrás os serviços prestados pelas embarcações a vela. As viagens, nestas embarcações, em condições boas levavam em média vinte e quatro horas. Contudo, por depender dos caprichos dos ventos, poderiam se prolongar por dias. As embarcações a vapor não estavam sujeitas a esta limitação; mas, por ser um transporte relativamente novo, apresentava inúmeros problemas técnicos, exigindo seguidos reparos pelos mecânicos. A. Rugbaean relata que, em 1850, demorou dois dias “em uma tormentosa travessia” em um pequeno vapor do governo, entre Rio Grande e Porto Alegre (RUGBBAEAN, apud FILHO; FRANCO, 2004, p.91). Tempo duas vezes maior que a media das viagens em embarcações a vela. A solução encontrada para os inconvenientes da dependência dos ventos por parte dos barcos a vela e os inconvenientes advindos dos problemas técnicos por parte das embarcações a vapor foi à utilização de embarcações híbridas, ou seja, embarcações com propulsão a vela e a vapor. Estas embarcações frequentaram por décadas os portos da província até o aprimoramento tecnológico das embarcações a vapor, dispensando a utilização de velas. O viajante Aimé Bonpland, que esteve em 1849 em Porto Alegre, deixou um importante relato sobre uma destas embarcações, o vapor Porto-Alegrense que fazia a viagem entre Porto Alegre e Rio Grande.

O vapor Porto-Alegrense tem a força de 50 cavalos, é bastante grande e é munido de dois mastros e de velas [...]. O vapor é bastante bem distribuído, bem conservado e muito limpo. Conta 17 camarotes, todos providos de colchões, travesseiros, cortinados, etc. Pelo meio-dia temos chuva e sucessivamente levantou-se um vento bastante forte que nos permite conservar as velas até onze horas da noite (BONPLAND, apud FILHO; FRANCO, 2004, p.88).

Contudo, a frequência de chegada destas embarcações e das embarcações a vapor que faziam as viagens através da bacia do Jacuí era limitada. Problema enfrentado por A. Rugbaen, que teve que esperar muito tempo até que chegasse uma embarcação para continuar sua viagem para o interior da província. Após desistir de realizar a viagem por terra pela campanha devido à chuva, Rugbaean decidiu continuar sua jornada, embarcado.

Mas a água vinda quando não era querida e o vapor não vindo quando era desejado forçaram-me a ser quase prisioneiro e passaram-se quase quinze dias até que pudessem retomar minha jornada, em qualquer direção (RUGBAEAN, apud FILHO; FRANCO, 2004, p.92).

Os percalços enfrentados por Rugbaean gradualmente foram eliminados, com a implantação das linhas regulares de vapores. A primeira linha de vapor foi criada, ainda em

1846, por Valentin Diehl, ligando Porto Alegre à colônia de São Leopoldo através do Rio dos Sinos (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.154). O pioneirismo desta linha no Rio dos Sinos é representativo do grande fluxo de mercadorias e pessoas entre as duas cidades, em meados do século XIX. Outras linhas foram criadas, como a da bacia do Jacuí, servindo, em especial, o Rio Taquari; linha que começou a ser explorada em 1847 pela Cia. Jacuí (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.127). Em 1860, o viajante Henrique Ambauer utilizou os serviços da Companhia Jacuí em viagem à cidade de Cachoeira do Sul (AMBAUER, apud FILHO; FRANCO, 2004, p.101), indicando que a empresa ampliará o seu raio de atuação em mais de 100 km. A mesma companhia, em 1858, inaugurou a linha entre Porto Alegre e Barra do Ribeiro (CAMPÊLO; DUHÁ, 2009, p.157), e muitas outras viriam no decorrer da segunda metade do século dezenove. Somando-se com advento das ferrovias, completariam o sistema que dominaria o transporte de cargas e passageiros por anos, até o advento das rodovias no século vinte.