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2 PORTO ALEGRE: A FORMAÇÃO DE UMA CIDADE PORTUÁRIA

2.3 Os primeiros exploradores europeus

[...] portuguese,s, que, sendo grandes conquistadores de terras, não se aproveitam delas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caranguejos. (SALVADOR, 1627, apud MARX, 1980, p.12)

Como constatou Frei Vicente de Salvador, a característica mais marcante da expansão colonizadora portuguesa em seus territórios ultramarinos foi sua litoraneidade. As cidades portuárias criadas em Portugal, no início do período de expansão ultramarina, já fornecem, de certa forma, um modelo de assentamento para a criação das feitorias na colônia. Segundo Maria Luísa Pinheiro Blot:

[...] o desenvolvimento das cidades portuárias também está ligado à progressiva defesa das costas, e poderá estar na origem do que J. Cortesão classificou como o iniciar de um novo gênero de vida . [...]As cidades de fronteira e as cidades litorais revestiram-se de defesas. As cidades marítimas e fluvio-marítimas cresceram, finalmente, numa litoralidade defendida [...]. (BLOT, 2003, p.135)

Os primeiros exploradores raramente se arriscavam no interior do continente, “receosos de que com isso se despovoasse a marinha” (HOLANDA, 1995, p.100), segundo Sérgio Buarque de Holanda. A situação somente se modificou no século XVIII, com as descobertas das minas de ouro e diamantes no centro-oeste do Brasil. Até então a ocupação portuguesa se restringia às feitorias litorâneas, as quais deram origem às primeiras cidades costeiras148. As feitorias portuguesas eram estabelecidas em sítios propícios para servirem de atracadouro às embarcações e defesa contra ataques, como: enseadas, foz de rios, baías, ilhas. Dos núcleos urbanos criados no primeiro século de colonização (PRANCHA 02), somente São Paulo não se localiza na costa, todos os demais têm como característica comum serem bons portos naturais. O domínio dos mesmos permite o controle do acesso ao interior do território, são as “portas para o sertão”.

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A característica, ainda marcante, de maior urbanização costeira do Brasil, levou Sérgio Buarque de Holanda, a comparar a América Espanhola com a Portuguesa, ao afirmar que o caráter da obra realizada pelos portugueses

Figura 25 – Urbanização no Brasil – Século XVI (FAUSTO, 2002, p.92)

Contudo, a sul da atual cidade de Laguna, o litoral modifica-se radicalmente, já não mais existem enseadas, baías, ilhas para atracação e a foz dos rios não permite o acesso de embarcações maiores. A região de Laguna é o último lócus para uma civilização que se constituiu através da navegação, coincidentemente o limite sul da possessão portuguesa na América, como estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas de 1494. Segundo Oliveira:

Excetuando a região ocupada pelos jesuítas espanhóis, até as primeiras décadas de 1700, o território era inexplorado e seu litoral dificultava a organização de portos uma vez que a costa era arenosa, com baixios, sem angras nem ancoradouros para a segurança das embarcações, além do que era varrido por ventos traiçoeiros.(OLIVEIRA, C. S. 1993, p.17)

No século XVI, o território do atual Rio Grande do Sul apenas teve sua costa contornada pelas expedições de patrulhamento e reconhecimento do litoral brasileiro, como a expedição de Martim Afonso de Sousa (1530-1533), a primeira expedição oficial a registrar a barra do Rio Grande (TORRES, 2010, p.25), a qual tinha como objetivo:

[...] patrulhar a costa, estabelecer uma colônia através da concessão não-hereditária de terras aos povoadores que trazia (São Vicente, 1532) e explorar a terra, tendo em vista a necessidade de sua efetiva ocupação. (FAUSTO, 2002, p.43)

A primeira informação mais detalhada da costa do atual Rio Grande do Sul foi dada por Gabriel Soares de Souza, em seu “Tratado Descritivo do Brasil” de 1587, no qual faz a seguinte descrição sobre a barra do Rio Grande e a costa litorânea:

[...] Neste porto há um bom surgidouro e abrigada para os navios entrarem seguros sobre amarra, no qual se vem meter no salgado um rio de água doce. Esta terra é muito baixa e não se vê de mar em fora senão de muito perto, e toda é de campos cobertos de erva verde, muito boa para mantença de criação de gado vacum e de toda a sorte, por onde há muitas lagoas e ribeiras de água para o gado beber. E tem esta terra algumas reboleiras de mato à vista umas das outras onde há muita caça de veados que andam em bandos, e muitas outras alimárias e aves, e ao longo da costa há grandes pescarias e sítios acomodados para povoações com seus portos, onde entram caravelões, em a qual se darão todos os frutos que lhe plantarem [...]149 Contudo o interior do território continuou inexplorado pelos portugueses durante um século. Coube aos bandeirantes paulistas e missionários das ordens religiosas a exploração do mesmo. Bandeirantes150 e missionários151 que disputavam os indígenas, respectivamente, para servirem de mão de obra escrava e para integrarem, como novos cristãos, as missões das ordens religiosas.

Três frentes de avanço europeu chocaram-se no território do atual Rio Grande do Sul, no século XVII; duas portuguesas, formadas pelos bandeirantes paulistas e missionários de ordens religiosas vindas do Rio de Janeiro, e uma espanhola, formada pelos missionários da Companhia de Jesus, que se estabeleceram na porção oeste do território do Rio Grande, sendo súditos de reino de Espanha. Segundo Schmitz, “o guarani do sul do Brasil e regiões vizinhas foi colhido pelas tenazes opostas de duas etnias altamente expansivas: a portuguesa e a espanhola” (SCHMITZ, 1991, p.313).

Da região sudeste do Brasil, desceram o litoral bandeirantes e missionários da Companhia de Jesus, disputando os índios carijós. Os missionários portugueses, entre os anos de 1605 e 1637, perscrutaram o litoral, a partir de Imbituba, catequizando os indígenas,

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SOUZA, Gabriel Soares de. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. Acessado em:

<http://www.novomilenio.inf.br/santos/lendas/h0300a2.pdf>

150 Durante o período de Domínio Espanhol, entre 1580-1640, os holandeses invadiram o nordeste brasileiro e

possessões lusas na África, cortando o fornecimento de mão de obra escrava africana. Os paulistas especializaram-se no apresamento de indígenas para suprirem esta falta de mão de obra. (PESAVENTO, 1984. p. 8).

chegando a intentar o estabelecimento de residência às margens do Guaíba.152153 Paralelo a este movimento, o bandeirantes iniciam as descidas, a partir de 1600. Segundo Schmitz:

[...] os moradores de São Vicente iam em caravelões ao longo da praia, usando como portos de apoio Laguna, os rios Araranguá e Manpituba e a lagoa dos patos com o Jacuí. Na costa existiam verdadeiras feitorias, onde os índios eram negociados. (SCHMITZ, 1991, p.315)

Os jesuítas portugueses perdem a disputa contra os bandeirantes paulistas, tendo que se retirarem. Segundo Pesavento, “tanto por falta de apoio das autoridades jesuíticas da Província do Brasil, com sede em Salvador, quanto pela hostilidade dos bandeirantes, este ‘ciclo português’ de penetração missionária no Rio Grande não deixou marcas duradouras” (PESAVENTO, 1984, p.9).

Vestígios materiais da passagem destes bandeirantes e missionários pelo território do atual município de Porto Alegre ainda não foram identificados. E a probabilidade de que algum dia estes vestígios sejam identificados é muito pequena, pois a estada de bandeirantes e missionários na região foi de curta duração, não permitindo a formação, possivelmente, de uma camada de ocupação com acúmulo de vestígios materiais. Mesmo os vestígios das prováveis estruturas construídas pelos mesmos, de materiais perecíveis como a madeira, não tenham resistido à ação do tempo.

No que se refere à utilização dos cursos d’água para o deslocamento pelo território por estes exploradores, chama a atenção a utilização dos versáteis caravelões154 pelos bandeirantes paulistas, como destacado por Schmitz. Segundo o autor, os bandeirantes teriam entrado até o encontro da Lagoa dos Patos com o Rio Jacuí com estas embarcações. Ou seja, no ponto em que hoje está estabelecida a cidade de Porto Alegre. Somente a pequena dimensão destas embarcações permitiria, à época, a entrada na perigosa barra de Rio Grande e o deslocamento pela Lagoa dos Patos até o Delta do Jacuí, sem maiores percalços. A retenção junto à foz do Jacuí indica o limite para a navegação com estas embarcações. Deste ponto em

152 Idem, p. 316. 153

Guilhermino Cesar, comentando texto do Padre Antônio Vieira sobre o trabalho dos missionários no extremo

sul, afirma que “A ‘aldeia de Caïbi’, o último lugar então visitado pelos inacianos, é que ficava já em território

rio-grandense, nas cercanias da atual Porto Alegre.” (CESAR, 1981. p. 27).

154Segundo Mesquita, os caravelões eram “navios, cujas quilhas tinham comprimento entre 11 e 17 metros, com

uma só coberta, dois ou três mastros, velas latinas e remos. Eram tripuladas por até 25 homens e tinham pouco calado, tal como o barco que lhes deu origem (caravela). Especialmente por isso, eram ideais para a navegação

diante, para o interior do continente, os bandeirantes paulistas, provavelmente, seguiriam por terra, ou utilizando canoas, pela impossibilidade de seguirem com embarcação a vela155.

Figura 26 – Bergatim e Caravelão, embarcações utilizadas na navegação costeira no século XVII.156

Pelo lado espanhol, após a destruição das Missões do Guairá pelos bandeirantes, em 1629, os jesuítas fundam as Missões do Tape, que se distribuíam pela Bacia do Jacuí, tendo como limite leste a região da atual cidade de Rio Pardo. Contudo, entre os anos de 1635 e 1640, sucessivas bandeiras põem fim às reduções. Segundo Schmitz:

É muito difícil calcular quantos guaranis foram levados para as plantações de São Paulo ou mortos nas refregas e no transporte. Geralmente se crê que seriam mais de 60.000. Alguns falam em até 300.000. Todo o estado do Paraná, todo o estado de Santa Catarina, o leste e o centro do Rio Grande do Sul, antes densamente povoados, ficaram sem guaranis. (SCHMITZ, 1991, p.318)

Restaram das reduções do Tape o gado trazido de Corrientes pelos missionários157, que passou a se reproduzir livremente, criando um rebanho selvagem de milhares de cabeças, dando origem à chamada Vacaria Del Mar. Para Pesavento, “estava lançado o fundamento econômico básico de apropriação da terra gaúcha: a preia do gado xucro.” (PESAVENTO, 1984, p.9)

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O Delta do Jacuí seria o que Christer Wasterdahl chama de zones of transport geography, pontos de trânsito,

onde a mudança do tipo de barco ou o processo de recarga tem lugar. (WERTERDAHL, 1992, p. 5-14). Maria Luísa Pinheiro Blot utiliza o termo terminus para identificar estes pontos de necessária mudança de embarcação. Segundo ela, o terminus é “ponto que oferecia condições de ancoradouro aos navios de maior calado, com a presença das embarcações menores que permitiam o transbordo e o transporte fluvial [...]. (BLOT, 2003, p.56).

156 Imagens obtidas nas respectivas páginas da web:

http://www.solariseditora.com.br/nau/nau_bras/pages/14nau.htm http://www.ancruzeiros.pt/ancv-bdescobertas.htm