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Capítulo 1. As raízes modernistas da arte em redes sociais e a desmaterialização do objeto artístico:

1.5 Navegando a galáxia da Web 2.0

Quando da divulgação de seu livro, Pós-produção, em 2004, o teórico e professor Nicolas Bourriaud já tinha ciência do papel da internet como território de explorações sociais e artísticas. Em vários trechos de sua escrita, alusões à figura do DJ e do internauta são feitas, personagens que transitam por territórios hibridizados e em constante transformação, gerando novas formas de percepção do espaço-mundo ao qual estamos submetidos através do próprio consumo dos meios tecnológicos. Além disso, seis artistas que atingiram a fama durante o rápido percurso de expansão da internet doméstica são citados na obra: Rirkrit Tiravanija, Pierre Huyghe, Pierre Joseph, Liam Gillick, Maurizio Cattelan e Dominique Gonzalez- Foerster. O ponto em comum entre eles é a pós-produção que praticam, o ato de utilizar “[...] a cultura mundial como uma caixa de ferramentas, como um espaço narrativo aberto, e não como um relato unívoco e uma gama de produtos acabados” (BOURRIAUD, 2009, p.110), “[...] interpretando, reproduzindo, reexpondo ou utilizando produtos culturais disponíveis ou obras realizadas por terceiros” (BOURRIAUD, 2009, p.7).

Pierre Joseph, por exemplo, promove performances em que personagens de histórias conhecidas são colocados em situações nada costumeiras: o Super-Homem de semblante abatido está incólume sobre uma pedra, contemplativo, como a figura d´O Pensador de Rodin; a Radicante, do filme Blade Runner, ouve músicas melancólicas de um rádio portátil, sentada ao lado de um amontoado de pontas de cigarro – ambos são heróis, mas descaracterizados do vigor físico e atitude pelas quais são conhecidos. Pierre Huyghe promove um mini- documentário chamado Blanche Neige Lucie (1997), no qual relata a luta de Lucie Dolène pelos direitos autorais de sua voz, incluída no filme Branca de Neve, da Disney, sem qualquer crédito à dubladora – a música de fundo é a canção principal do desenho animado, objeto da discussão judicial em que ela posteriormente obteve ganho de causa. Maurizio Cattelan faz cortes em telas que se assemelham ao símbolo do zorro. Segundo Bourriaud, esses artistas - um grupo seleto que também figurou em outras duas obras do autor, Estética Relacional (2009) e Radicante (2011) – são representativos do processo teórico que ele relata numa época em que a internet ainda não detinha o poder de fazer convergir num só ambiente online boa parte dos internautas para que as perspectivas de criação fossem potencializadas pelo

alcance e volume de dados disponíveis para manuseio. Isso só aconteceu com o desenvolvimento da Web 2.0 e, depois, das redes sociais.

Em 2004, a World Wide Web se tornou o verbo definitivo. Foi a partir daquela data que o teórico e empresário Tim O´Reilly publicou um interessante estudo explicitando o potencial do segundo estágio da internet, chamado de Web 2.014, que permitia aos seus usuários que publicassem e compartilhassem conteúdo a partir de aplicativos da internet onde era possível formar comunidades interligadas pelos usuários, algo que já existia de forma incipiente no primeiro estágio da internet doméstica dos anos noventa. Com a formação dessa rede de internautas conectados em um só local virtual, o tráfego de dados aumentou de forma significativa, num processo de sociabilidade que traz benefícios tanto para as interações humanas quanto para a arte. Facebook, Instagram, Tumblr, Snapchat, Vimeo, YouTube e o extinto Orkut são exemplos desses aplicativos que permitem aos usuários criarem um perfil e compartilhar informações com sua rede de contatos, além de propiciar um ambiente de inspiração, criação e diálogo.

Na internet dos anos noventa a criação de páginas pessoais nos fóruns do Geocities – do site Yahoo - e nos tão famosos blogs já era possível, mas o nível de interatividade era decerto limitado se comparado ao que é possível com a tecnologia atual das redes. É importante salientar que a classe artística frequentemente experimenta com o que há de mais atual, tanto no século XIX - com as tintas de nova formulação e técnicas de perspectiva e enquadramento – quanto no século passado - com a invenção da televisão, da câmera fotográfica portátil, do processo de silkscreen e, é claro, do computador. Além de movimentos como a Pop, que utilizou muito material advindo da publicidade e da moda da época, ou o grupo Fluxus com seus aparelhos musicais, a arte computacional brincou com os recursos nascentes dos primeiros softwares gráficos e depois, com o incremento da internet, ramificou-se na web art, cuja fonte de criação e propagação era o computador conectado ao servidor online. Embora alguns indivíduos dentro e fora do sistema da arte se opusessem ao uso do computador, sua validade enquanto ferramenta de produção cultural e artística continua sendo absolutamente válida.

De acordo com Arlindo Machado, “se toda a arte é feita com os meios do seu tempo, as artes eletrônicas representam a expressão mais avançada da criação artística atual e aquela que melhor exprime sensibilidades e saberes do homem do início do terceiro milênio”

(MACHADO, 2008, p. 10). Lúcia Santaella parte de semelhante pressuposto e seu livro A

Ecologia Pluralista da Comunicação, dizendo que “não há dúvida de que estamos vivendo

um novo ecossistema comunicacional e cultural, certamente enraizado nas forças produtivas que são próprias do capitalismo global” (SANTAELLA, 2010, p. 64). A metáfora do ecossistema inclui as diferentes manifestações da arte contemporânea e seus circuitos de interação que se cruzam e hibridizam em vários graus de aproximação, tanto nas mídias quanto nas artes. Numa economia globalizada e muito dependente da informática e tecnologia, os meios de produção e comunicação se fundem. No início, duras críticas foram feitas à arte computacional e à web art e só na primeira metade da década passada, com a ajuda de organizações online - como a Rhizome - é que sua legitimidade foi conquistada. No âmbito brasileiro, os pesquisadores Arlindo Machado, Lucia Santaella – citados acima -, Gisele Beiguelman e Diana Domingues, entre muitos ilustres acadêmicos, foram responsáveis por creditar o computador como ferramenta inevitável para a criação artística.

É necessário, agora, que entendamos outro paradigma da comunicação e da arte: as redes sociais têm sido o espaço privilegiado para produção e veiculação de obras midiáticas pertencentes ao âmbito da arte contemporânea e, portanto, os frutos de sua produtividade hão de ser considerados como tal. Num evento chamado The Social Graph15, organizado em Nova Iorque no ano de 2010, o termo social media art foi utilizado pela primeira vez - seria o equivalente à “arte em redes sociais” (tradução nossa) – e, desde então, seus desdobramentos têm sido debatidos pela comunidade artística e acadêmica. Prada (2007) enfatiza que as redes sociais de agora permitem processos de sociabilidades até então desconhecidos para a prática artística da contemporaneidade, que envolvem a troca de dados – sendo eles apenas numéricos ou em formatos prontos como imagem, vídeo e som – e, de forma mais importante, a interação entre os usuários-consumidores e os artistas-consumidores. Através das redes sociais, o artista publica seu trabalho à espera do usuário que terá acesso a ele. Caso essa interação não aconteça, a relação de consumo e sociabilidade se torna infrutífera, e talvez esse seja um dos motivos pelos quais os artistas costumam manter perfis em várias redes sociais distintas, de modo a melhor explorar os recursos disponíveis no aplicativo para sua rede de conexões.