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A propriedade, em sua mais remota origem como instituto – seio da sociedade greco- romana –, compunha íntima esfera da família, sob os auspícios da divindade domiciliar, sendo impensável – até mesmo absurdo – conceber deveres do cidadão, enquanto proprietário, para com a comunidade. Desta feita, era deveras restrito o imóvel consagrado a um lar, configu- rando grave impiedade o estranho que lhe invadisse sem ser autorizado pelo chefe da família (LOTUFO, 2008, p. 336).

Nesse sentido, possível referência à lição de Numa-Denis Fustel de Coulanges (2003, p. 60), dizendo que “há três coisas que, desde as mais antigas eras, encontram-se fundadas e solidamente estabelecidas pelas sociedades gregas e itálicas: a religião doméstica, a família, o direito de propriedade”.

Durante a Idade Média, em 1215, para se preservar das ingerências do Rei João – que posteriormente ficou conhecido como João-sem-Terra –, os barões ingleses impuseram ao monarca a assinatura da Magna Carta, que já consolidava, ainda que primitivamente, o direito de propriedade, senão vejamos:

39 - Nenhum homem livre será detido ou preso, aprisionado ou privado de uma pro- priedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento le- gal dos seus pares, ou pela lei da terra6.

Na sociedade burguesa, em continuidade à história, consoante Renan Lotufo (2008, p. 336-337), desvinculou-se a propriedade da feição religiosa, tomando sentido de mera utilidade econômica. O direito dito moderno, precursor do constitucionalismo liberal, escorando-se nas concepções de John Locke, trouxe a propriedade como uma exigência natural da subsistência do indivíduo, como também a destinação dada à coisa pelo seu labor, na medida em que é força emanada do corpo e é representante do que há de mais característico em cada sujeito. Assim, no século XVIII, tal justificativa de subsistência individual e familiar tornou-se garan- tia fundamental da liberdade do cidadão contra as imposições estatais.

Segundo o autor em comento, da compreensão de Jean-Jacques Rousseau, num pri- meiro momento, teve-se o direito de propriedade como o mais sagrado dos direitos, inclusive

6 “39 - Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo

destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre”.

acima da liberdade, na medida em que a premissa básica do pacto social é, justamente, a pro- priedade, e que a sua condição essencial é que cada um permaneça no gozo tranquilo daquilo que possui. Num segundo momento, fundando-se todos os direitos civis no de propriedade, abolido este, não persistiria qualquer outro. Assim, seria “a justiça mera quimera, o governo uma tirania, e deixando a autoridade pública de possuir um fundamento legítimo, ninguém seria obrigado a reconhecê-la, a não ser constrangido pela força”.

Sob esse prisma, em contexto positivo moderno, o direito de propriedade consolidou- se, em especial, pelas disposições da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que assim dispunha:

Artigo 2º - O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segu- rança e a resistência à opressão.

Descrevia, ainda, em seu artigo 17, a propriedade como instituto absoluto, exigindo justa e prévia indenização à sua tomada por necessidade pública lastreada na lei e com prova de sua configuração:

Artigo 17 - Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela po- de ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de justa e prévia indenização.

Posteriormente, em 1791, a Fifth Amendment da Bill of Rights, em sua parte final, trouxe ao seio da Constituição Americana, promulgada em 1789, além do direito à proprieda- de com uma acepção absoluta, também a garantia de uma justa indenização em caso de toma- da da propriedade privada por necessidade pública:

Emenda V - Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar. ou na milícia, durante serviço ativo; também ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo, nem ser privado da vida, da liber- dade, ou da propriedade, sem o devido processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização7.

A noção de propriedade trazida pelo Code Civil de Napoleão Bonaparte, em 1804, por sua vez, igualmente concebeu a propriedade como de beneficiamento exclusivo ao seu propri- etário, bem como uma entidade absoluta, o que persevera vigente na legislação francesa, se- não vejamos:

7 “Amendment V - No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a

presentment or indictment of a grand jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the militia, when in actual service in time of war or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation”.

Artigo 544 - A propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que não se faça um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos8.

Artigo 545 - Ninguém pode ser obrigado a ceder a sua propriedade, senão por moti- vo de utilidade pública, e mediante uma justa e prévia indenização9.

Artigo 546 - A propriedade de uma coisa, seja móvel, seja imóvel, dá direito a tudo o que ela produz, e sobre o que a ela se une acessoriamente, seja naturalmente, seja artificialmente. Esse direito chama-se “direito de acessão”10.

Também na Alemanha, o Bürgerliches Gesetzbuch (BGB), Código Civil alemão, em 1886, veio trazer a propriedade como absoluta, destacando-se sua feição de utilidade exclusi- va do titular, a saber:

§ 903 - Poderes do proprietário: O proprietário de uma coisa pode, na medida em que uma lei ou direitos de terceiros não entrem em conflito com isso, lidar com a coisa a seu critério e excluir outros de toda influência. O proprietário de um animal deve, no exercício das suas competências, considerar as disposições especiais para a proteção dos animais11.

A propriedade, portanto, segundo Renan Lotufo (2008, p. 337-338), no transcurso dos séculos XVIII e XIX, em termos constitucionais e legais, assentou-se como o instituto central do direito privado, nela gravitando todos os bens, em contraponto aos sujeitos. Era a proprie- dade a garantia da liberdade individual, sendo acatada tanto como direito subjetivo quanto como instituto jurídico.

Na segunda feição, consigna o autor, representou o elo de comunicação entre Estado e sociedade civil, em especial pelo sufrágio censitário, com dominação da classe proprietária na transição do absolutismo político para o governo representativo. Consoante lição de Benjamin Constant (1815 apud COMPARATO, 1997, p. 92),

[...] o nascimento no país e a idade madura não bastam para conferir aos homens as qualidades próprias ao exercício dos direitos de cidadania. [...]. É preciso uma outra condição, além do nascimento e da idade prescrita pela lei. Essa condição é o lazer indispensável à aquisição das luzes, à retidão do julgamento. Só a propriedade asse- gura esse lazer: só a propriedade torna os homens capazes de exercer os direitos po- líticos.

Ainda em tal compreensão, consolidou-se o direito à propriedade no seio do constitu- cionalismo liberal, um direito à aquisição dos bens indispensáveis à subsistência, conforme

8 “Article 544 - La propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu

qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements”.

9 “Article 545 - Nul ne peut être contraint de céder sa propriété, si ce n'est pour cause d'utilité publique, et

moyennant une juste et préalable indemnité”.

10 “Article 546 - La propriété d'une chose soit mobilière, soit immobilière, donne droit sur tout ce qu'elle produit,

et sur ce qui s'y unit accessoirement soit naturellement, soit artificiellement. Ce droit s'appelle ‘droit d'accession’”.

11 “§ 903 - Befugnisse des Eigentümers: Der Eigentümer einer Sache kann, soweit nicht das Gesetz oder Rechte

Dritter entgegenstehen, mit der Sache nach Belieben verfahren und andere von jeder Einwirkung ausschließen. Der Eigentümer eines Tieres hat bei der Ausübung seiner Befugnisse die besonderen Vorschriften zum Schutz der Tiere zu beachten”.

padrões de dignidade de cada época (LOTUFO, 2008, p. 338). Assim, como explicita Fábio Konder Comparato (1997, p. 92),

A lógica do raciocínio tornou incoercível o movimento político reivindicatório. Se a propriedade privada era reconhecida como garantia última da liberdade individual, tornava-se inevitável sustentar que a ordem jurídica deveria proteger não apenas os atuais, mas também os futuros e potenciais proprietários. O acesso à propriedade ad- quiria, pois, insofismavelmente, o caráter de direito fundamental da pessoa humana.

Não obstante tal compreensão absolutista da propriedade tenha por muito tempo do- minado na codificação, restringindo-se apenas às limitações legal ou constitucionalmente pos- tas, destaca José Isaac Pilati (2011, p. 67-68) que a filosofia política positivista, já no século XIX, passou a reconhecer a coexistência de uma função social da propriedade, em oposição à especulação egoística de seu titular. Preocupava-se não com a distribuição de riqueza em si, mas com o uso dos bens de modo produtivo, sob a gerência estatal, de forma a velar por resul- tados positivos em favor do bem-estar social, combatendo-se, então, os abusos do poder eco- nômico. Logo, deixava a propriedade de ser absoluta.

Consoante André Edmond Victor Giffard (1938 apud PILATI, 2011, p. 67, tradução livre), “foi o Code Civil que atribuiu à propriedade o seu caráter individualista. Mas a propri- edade se modificou no século XIX, pressionada pelos fatos econômicos e pela influência das novas doutrinas estatizantes e socialistas”12. Assim, na linha da compreensão de Leon Duguit (1923 apud PILATI, 2011, p. 67), deve o proprietário urbano “destinar os imóveis não à espe- culação estéril, mas utilizá-los de forma a contribuir para o desenvolvimento econômico e social. O proprietário deve exercer, a par de um poder, uma função voltada ao bem da coleti- vidade (despersonalizada)”.

Colhe-se das ensinanças de José Isaac Pilati (2011, p. 68-69), outrossim, que a matriz filosófica do aspecto funcional da propriedade encontra assento em Auguste Comte, porquan- to procurava este justificar uma conciliação entre o interesse individual – elemento central da ordem jurídica liberal – e o interesse social. A expressão social, aliás, destaca Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1994 apud PILATI, 2011, p. 69), surgiu com São Tomás de Aquino, quando relatou a passagem do ser político da polis, oriundo da cultura romana, para o animal social, da cultura medieval. Segundo a lição, distinguindo o cristianismo, fundamentalmente, a polí- tica da religião, a sociabilidade o faria com relação à gregariedade animal não pela política, e sim pela dignidade humana, na medida em que criado o ser humano à imagem e semelhança

12 “C’est le Code Civil qui a rendu à la proprieté son caractère individualiste. Mais la propriété s’est modifiée au

XIX siècle, sous la pression des faits économiques et sous l’influence nouvelle des doctrines étatistes et socialistes”.

de Deus, dotado de consciência e livre arbítrio. O público romano, assim, compreendia, in- trinsicamente, a religião, enquanto medieval e moderno não.

O interesse social, a seu turno, comenta José Isaac Pilati (2011, p. 69), ganha força e meios de subsistência com o Estado Social, quando positivados direitos como emprego, pre- vidência, habitação, saúde, educação, transporte e lazer, em concomitância com uma elevação da intervenção estatal na economia, de forma a incrementar a apropriação privada de recursos naturais, como também dos patrimônios social e cultural.

Assim, no século XX, começam os textos constitucionais a positivar as aspirações até então doutrinárias da função social. Nesse sentido, a Constituição Mexicana, de 1917, bem como a Constituição de Weimar, na Alemanha, em 1919, a qual, em seu artigo 153, alínea 3, ditava que: “a propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço ao bem comum”13. Em solo pátrio, vê-se que o papiro imperial, dito Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, primeiro texto constitucional da nação, acolhia a tese absolu- tista da propriedade, conforme se retira de seu artigo 179, caput e inciso XXII:

Art.179 - A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: [...].

XXII - É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem pu- blico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização. [...].

A compreensão foi reproduzida, de forma assemelhada, pela primeira Carta republica- na, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, em seu artigo 72, caput e § 17, primeira parte, conforme se vê:

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à pro- priedade, nos termos seguintes: [...].

§ 17 - O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapro- priação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. [...].

Em seguida, o Código Civil, de 1º de janeiro de 1916, sob os auspícios constitucionais e também da compreensão da doutrina majoritária, igualmente trouxe a propriedade de forma absoluta, como se verifica de leitura do caput de seu artigo 524:

Art. 524 - A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.

Segundo Cleyson de Moraes Mello (2013, p. 312-313),

O Código Civil de 1916, fruto das doutrinas individualistas e voluntaristas, tinha como seu valor fundamental o indivíduo (Código de Napoleão). Naquela época, as pessoas tinham por finalidade precípua desmantelar os privilégios feudais, ou seja,

queriam contratar, adquirir bens, circular as riquezas sem os óbices legais. Melhor dizendo: o Código Civil de 1916 tinha uma visão individualista do direito e era ba- seado nos dogmas do Estado Liberal clássico. O princípio da autonomia da vontade era o alicerce de sustentação do Estado Liberal.

A Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926, apesar de ter aportado ao seio da Carta de 1891 importantes mudanças, manteve a redação do artigo 72, caput e § 17, primeira parte, de modo a perseverar a compreensão até então vigente com relação à acepção absolutis- ta da propriedade.

Coube, então, à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de ju- lho de 1934, o pioneirismo em enunciar caráter social da propriedade, garantindo o direito de propriedade, mas desde que seu exercício não atentasse contra o interesse social ou coletivo, conforme artigo 113, caput e n. 17:

Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança in- dividual e à propriedade, nos termos seguintes: [...].

17 - É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o inte- resse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por neces- sidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa inde- nização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Em exame ao supratranscrito artigo 524 do Codex de 1916, considerando o citado per- gaminho republicano, afirmou Clóvis Beviláqua (1976 apud MELLO, 2013, p. 313) que “a Constituição de 1934, art. 113, n. 17, modificou o conceito de propriedade consignado no Código Civil, aproximando-o mais do exarado no Projeto primitivo”.

No prosseguir histórico-legislativo, teve-se o silêncio da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937, acerca da função social, retornando-se à exten- são absolutista anterior, conforme leitura do artigo 122, n. 14:

Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...].

14 - o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os de- finidos nas leis que lhe regularem o exercício.

A Carta seguinte, então, denominada Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, melhor tratou da temática, pois além de assegurar, mediante prévia in- denização, a desapropriação por utilidade publica ou interesse social, condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social, como se verifica de seus artigos 141, caput e § 16, e 147,

Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança in- dividual e à propriedade, nos termos seguintes: [...].

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por ne- cessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa inde- nização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intesti- na, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior. [...].

Art. 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da pro- priedade, com igual oportunidade para todos.

Houve, contudo, relevante mudança no cenário com a promulgação da Emenda Cons- titucional n. 10, de 9 de novembro de 1964, que alterou a redação do § 16 do artigo 141:

Art. 141 - [...].

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por ne- cessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa inde- nização em dinheiro, com a exceção prevista no § 1º do art. 147. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, as- segurado o direito a indenização ulterior.

A referida Emenda incluiu, também, parágrafos disciplinadores no artigo 147, inovan- do ao trazer o descumprimento do bem-estar no uso de propriedades rurais como hipótese em que restaria autorizada a expropriação, com prévia e justa indenização, mas paga em títulos da dívida pública, cabendo destacar os seguintes parágrafos:

Art. 147 - [...].

§ 1º - Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento da prévia e justa indenização em títulos especiais da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária, segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação a qualquer tempo, como meio de pagamento de até cinquenta por cento do Imposto Territorial Rural e como pagamento do preço de terras públicas. [...].

§ 3º - A desapropriação de que trata o § 1º é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do Poder Executivo, só recaindo sobre propriedades rurais cuja forma de exploração contrarie o disposto neste artigo, conforme for definido em lei.

Por conseguinte, no plano infraconstitucional, a década de 1960 ofereceu importante acervo legal, definindo a já prenunciada – ainda que por termos diversos: a Carta Federal de 1934 tratava de “direito de propriedade não exercido contra o interesse social ou coletivo” e a de 1946 de “uso da propriedade condicionado ao bem-estar social” – função social da propri- edade: (a) Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962; (b) Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964; e (c) Lei n. 4.947, de 6 de abril de 1966.

A primeira – Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962 – “define os casos de desapro- priação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação”, trazendo em seu artigo 1º que “a desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da pro-

priedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal”. Outrossim, em seu artigo 2º, comporta casos configuradores do interesse social que podem ensejar a desapropriação. Por sua vez, seu artigo 4º dispõe que “os bens desapropria- dos serão objeto de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista”.

O denominado Estatuto da Terra – Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 –, a seu