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Necessidade de pesquisas para comprovação dos efeitos anticancerígenos

4 FOSFOETANOLAMINA: CONTROLE JURISDICIONAL

4.3 Necessidade de pesquisas para comprovação dos efeitos anticancerígenos

Sobre a “pílula do câncer”, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão técnico do Ministério da Saúde, emitiu parecer técnico afirmando que decisões sobre o uso da substância sem os estudos necessários seriam precipitadas. Em reunião do Conselho Consultivo (CONSINCA) realizada em 16 de março de 2016, foi aprovada nota55oficial de apoio às pesquisas para desenvolvimento da fosfoetanolamina, estabelecendo a participação do INCA em fases avançadas dos estudos clínicos como estratégia de combate ao câncer.

Segundo a nota, o objetivo das pesquisas é reconhecer o real efeito terapêutico da substância, dosagem ideal, risco e modalidades de tratamento. Além disso, o INCA

55 BRASIL. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Nota aprovada em reunião Conselho

Consultivo do INCA (CONSINCA) de 16 de março de 2016. Assunto: Fosfoetanolamina. Disponível em: <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/038d4b004c791394ace9be5204641833/Nota+sobre+Fosfoetanolam ina+-+CONSINCA+de+16-03-

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reconheceu a necessidade de tempo nas pesquisas em virtude do risco de danos a pacientes já debilitados pelo câncer, reafirmando o posicionamento de outras entidades públicas no sentido de que a produção e uso de substâncias terapêuticas no Brasil devem ser orientadas pelas regras da Anvisa.

Do mesmo modo, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicou um manifesto56 sobre o uso da fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer. Esclarecendo a questão, o documento informa sobre o processo de aprovação de medicamentos que se iniciou com a primeira agência regulamentadora, a Food and Drug

Administration (FDA), órgão governamental dos Estados Unidos criado em 1906. Contudo, somente em 1938 Ceiling e Cannon57 estabeleceram princípios de conduta para realização de estudos clínicos posteriormente aprovados pelo Código de Nuremberg (1947)58.

Os critérios para testes em humanos estabelecem, desde então, que qualquer substância deve conter “composição química, método de preparação e o grau de pureza bem estabelecidos; testes de toxicidade aguda e prolongada avaliada por doses repetidas (segurança) em pelo menos duas espécies animais; realização de análise histopatológica completa em diversos órgãos animais, especialmente nos rins e fígado; conhecimento acerca da sua absorção, excreção, concentração nos tecidos, etc; possível interação com outras substâncias e alimentos”.

Segundo a Academia, o desenvolvimento de qualquer medicamento envolve altos custos, testes e na maioria das vezes as substâncias testadas não apresentam a eficácia esperada (prova de princípio). Além disso, todo o processo necessário pode levar até 12 anos para ser concluído. Além disso, o que se compreende por câncer é na verdade um conjunto abrangente de doenças que se caracterizam comumente pelo crescimento desordenado de células defeituosas, particularizando o tratamento de cada caso quanto à eficácia do medicamento para a doença e comparado à outros tipos de tratamentos existentes.

Para a fosfoetanolamina as etapas necessárias não foram cumpridas, constatando- se após pesquisas em bancos de dados científicos mundiais que não existe qualquer evidência científica aceitável quanto à segurança e eficácia. Ademais, por tratar-se de substância voltada

56 ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Manifestação da Academia Brasileira de Ciências sobre o uso da

fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer, 2015. Disponível em

<http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-6715.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2016.

57 CEILING, E.M.K.; CANNON, P.R. Pathologic effects of elixir sulphanilamide(diethylene

glycol) poisoning. JAMA, 1ll: 919, 1938.

58 Declaração contendo princípios éticos para experiências em humanos aprovada em decorrência dos excessos

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ao tratamento de doenças para as quais já existem tratamentos, não se justifica uma aceleração no tempo dispendido para as análises clínicas.

O Brasil adota as normas internacionais de segurança para utilização de medicamentos em humanos de modo que deve aguardar estudos precisos para a liberação da substância como medicamento. A recomendação da Academia orienta que não se utilize a fosfoetanolamina até que registrada pela Anvisa.

Finalmente, e muito em virtude da repercussão midiática da questão, o Ministério da Saúde em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação publicou a Portaria GM/MS nº 1.76759, em outubro de 2015 para instituir um grupo de trabalho de apoio às etapas necessárias ao desenvolvimento clínico da substância.

Dentre os objetivos estão a atuação junto a órgãos e entidades públicas que podem contribuir nas várias etapas de desenvolvimento clínico da fosfoetanolamina; e também junto a laboratórios públicos oficiais para o desenvolvimento da produção de lotes da substância de acordo com as Boas Práticas de Fabricação (BPF).

No artigo 2º, III a portaria determina a sequência de análises a serem realizadas: a) caracterização da molécula; b) realização de estudos não-clínicos para determinar a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção, o mecanismo de ação, a toxicologia completa e a toxicidade farmacológica; c) desenvolvimento da formulação; d) estudos de farmacocinética e farmacodinâmica em animais; e) produção de lotes de acordo com as BPF; f) realização de estudos pré-clínicos de caracterização de mecanismos de ação, alvos e potenciais biomarcadores; g) realização de ensaios clínicos, incluindo elaboração e submissão do Dossiê de Desenvolvimento Clínico de Medicamento (DDCM); e h) realização de estudos de farmacovigilância.

Já em dezembro de 2015 foi publicado o relatório inicial de atividades60 do grupo. Dentre os avanços, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (integrante do grupo de trabalho) disponibilizou para as pesquisas verba total no valor de 10 milhões de reais.

Inicialmente, os recursos serão destinados aos laboratórios envolvidos nos testes pré-clínicos e clínicos iniciais escolhidos com base nos avanços científicos e capacidade de atendimento quanto aos testes necessários.

59MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM/MS nº 1.767, de 29 de outubro de 2015. Institui Grupo de Trabalho

para apoiar as etapas necessárias ao desenvolvimento clínico da fosfoetanolamina. Disponível em: <http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=43&data=30/10/2015>. Acesso em 20 jun. 2016.

60MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório de Atividades do Grupo de Trabalho sobre a fosfoetanolamina. Brasília,

2015. Disponível em: <http://www.mcti.gov.br/documents/10179/1274125/22-12-2015+-

+Relat%C3%B3rio+de+Atividades+do+Grupo+de+Trabalho+sobre+a+Fosfoetanolamina/d73d9f0f-16e8-4983- bce9-b5e57dfa2164>. Acesso em: 20 jun. 2016.

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São eles o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos – CIENP, Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias - LASSBio/UFRJ e o Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos –NPDM/UFC.

Consta ainda no relatório de atividades um quadro-resumo sobre os trabalhos anteriormente publicados pelo grupo de cientistas do pesquisador Gilberto Chierice, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP).

Quadro 1 – Resultados apresentados pelo Grupo de Pesquisa da USP

Fonte: Ministério da Saúde (2015)

Os trabalhos realizados pelo grupo do Instituto de Química de São Carlos, apesar de animadores, não abordaram todos os procedimentos estabelecidos para análise de substância, mas se restringiram à ação direta da substância em células de câncer. Os estudos pré-clínicos, por exemplo, não foram realizados em nenhum estudo. Além disso, não se comparou a ação da substância com medicamentos já utilizados para a neoplasia específica.

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Em contraposição, o primeiro relatório do Ministério da Saúde apresentou os resultados iniciais obtidos pelo grupo de trabalho para o estudo da fosfoetanolamina:

Quadro 2 – Resultados apresentados pelo Grupo de trabalho do MCTI/MS

Fonte: Ministério da Saúde (2015)

O relatório concluiu a necessidade de acompanhamento de todo o processo de pesquisa desenvolvido simultaneamente nos laboratórios do grupo de trabalho. Enquanto isso, resultados provisórios liberados pelos laboratórios são inconclusivos quanto à eficácia e segurança da substância. Alguns apontaram a falta de toxicidade, outros apontaram para a ineficácia da substância quando administrada em ratos de laboratório. Os próximos passos envolvem testes em humanos. Com base nisso, somente ao final dos estudos será possível definir a utilidade da fosfoetanolamina à pacientes com câncer.