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3 EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA ATUALIDADE: ALGUNS PRINCÍPIOS

3.3 A necessidade de uma educação para todos

Como se pode observar na síntese histórica do capítulo inicial, na prática, a educação brasileira sempre foi privilégio de alguns. Todavia, sendo reconhecida enquanto direito fundamental e direito humano, tem-se o desafio de efetivá-lo e torná-lo acessível a todos, já que uma das características dos direitos fundamentais é a universalidade235.

Mais do que um direito do indivíduo humano, a educação é uma necessidade da sociedade como um todo e a garantia da subsistência da democracia236. A educação é “não somente a base da democracia, mas a própria IV - os recursos recebidos à conta dos Fundos instituídos nos termos do inciso I do caput deste artigo serão aplicados pelos Estados e Municípios exclusivamente nos respectivos âmbitos de atuação prioritária, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal;

V - a União complementará os recursos dos Fundos a que se refere o inciso II do caput deste artigo sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado, o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, fixado em observância ao disposto no inciso VII do caput deste artigo, vedada a utilização dos recursos a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal.

235 ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Verbatim, 2014, p. 164.

236Para Anísio Teixeira, “A sociedade democrática só subsistirá se produzir um tipo especial de educação escolar, a educação escolar democrática, capaz de inculcar atitudes muito especiais e particularmente difíceis, por isto que contrárias a velhas atitudes milenárias do homem. Terá de

justiça social”237. Não se pode esquecer que, então, a democracia tem um preço: o

preço da Educação para todos, educação que faz homens livres e virtuosos238.

Assim, qualquer ação ou omissão que venha a subtrair ‘alguém’ do ‘todos’ a quem o Constituinte Originário quis garantir o direito à educação (conforme o artigo 205 da Constituição Federal), é flagrantemente inconstitucional e deve ser rechaçada.

Nota-se que, em tempos hodiernos, muito dificilmente alguém negaria que o outro o direito à educação, porém, a questão que se coloca é: qual é a educação a que se tem direito?

A educação não é apenas uma formação, “mas uma condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento natural”239.

Na lição de Jean Piaget240:

Afirmar o direito da pessoa humana à educação é pois assumir uma responsabilidade muito mais pesada que a de assegurar a cada um a possibilidade da leitura, da escrita e do cálculo: significa, a rigor, garantir para toda criança o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual. É antes de mais nada, por conseguinte, assumir a obrigação – levando em conta a constituição e as aptidões que distinguem cada indivíduo – de nada destruir ou malbaratar das possibilidades que ele encerra e que cabe à sociedade ser a primeira a beneficiar, ao invés de deixar que se desperdicem importantes frações e se sufoquem outras. (grifos nossos).

Destarte, não há como negar a importância da educação no desenvolvimento da sociabilidade da pessoa humana, no seu reconhecimento como ser social e na percepção de seu “lugar no mundo”. Ninguém se basta em si mesmo e, como já fora dito, o homem é um ser eminentemente social.

inculcar o espírito de objetividade, o espírito de tolerância, o espírito de investigação, o espírito de ciência, o espírito de confiança e de amor ao homem e o da aceitação e utilização do nôvo – que a ciência a cada momento lhe traz – com um largo e generoso sentido humano. op. cit. (1968), p. 32. (grifos nossos).

237 TEIXEIRA, 1968, op. cit., p. 89. 238 Cf. TEIXEIRA, 1968, op. cit., p. 90.

239 PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988, p. 33. 240 Idem, p. 34.

“A escola é o começo de tudo. Se ela não alterar seus princípios, adeus sociedade inclusiva [...] Escola só é escola se for transformadora”241. Ao fazer tal

afirmação, Claudia Werneck ainda complementa sua ideia sobre a missão da escola dizendo que “os princípios da inclusão nada mais são do que os princípios da democracia”242. A Educação é, sem dúvida, o principal caminho para a construção

da almejada sociedade para todos, uma sociedade verdadeiramente democrática, em que todos são realmente iguais em direitos e deveres.

Paulo Freire, que vê o ser humano como um ser inacabado, afirma que nossa educabilidade decorre de nossa inconclusão243. Em suas palavras: ”Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”244 (grifo nosso).

É de se perceber que o ser humano, como ser social, também exercita sua dignidade humana através de seus relacionamentos com outros indivíduos. Roberto Francisco Daniel faz elucidativa afirmação245:

Na expressão pessoa encontram-se individualidade e sociabilidade em uma constante e dinâmica relação dialética. O ser humano é pessoa quando possui liberdade e autonomia. Ao mesmo tempo, ele alcança sua dignidade de pessoa quando se encontra em relacionamento com seus semelhantes.

[...]

Ele torna-se verdadeiramente pessoa a partir da construção de relações sociais.

[...]

Simplesmente pelo ser pessoa, todos os seres humanos pertencem à mesma natureza humana e por conseqüencia possuem a mesma dignidade com os mesmos direitos e deveres básicos.

Pietro de Jesus Lora Alarcón afirma, com propriedade, que “a sociedade se apresenta como um conjunto de relações entre indivíduos da espécie humana”246.

241 WERNECK, Claudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio de Janeiro: WVA, 2000, p. 61.

242 Idem, p. 61.

243 FREIRE, 1996, op. cit., p. 28.

244 FREIRE, Paulo. Política e educação. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 40.

245 DANIEL, Roberto Francisco. Ser pessoa: a base ontológica do direito. In: ARAUJO, Luiz Alberto David (Coord.). Efetivando direitos constitucionais. Bauru: EDITE, 2003, p. 554-555 e 560.

Nessa linha, também se destacam as palavras de Leonardo Boff247: “O

universo é constituído por uma imensa teia de relações de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outro e com o outro; o ser humano é um nó de relações voltado para todas as direções [...]”. Portanto, a escola tem de preparar o indivíduo para esses relacionamentos e para uma convivência harmoniosa diante da diversidade humana.

Além disso, no dever de preparar para o exercício da cidadania, a escola tem de mostrar que todo cidadão é sujeito de direitos e deveres, tendo de perceber o outro como alguém que tem igual valor, igual dignidade. A responsabilidade recíproca entre os cidadãos é imprescindível para a convivência em sociedade.

Nesse sentido, apoiado nos ensinamentos de Habermas, afirma Marcos César Botelho248:

Habermas lembra que a coesão política entre cidadãos assenta-se na responsabilidade de uns pelos outros, desenvolvendo-se em uma cultura política partilhada por todos eles249. Essa responsabilidade

recíproca entre os cidadãos assenta-se na necessidade de cuidado para com a coisa pública que se revele no respeito às diferenças e integração daqueles que estão à margem da vida política e social, sobretudo porque o republicanismo traz consigo a ideia de negociação intersubjetiva sobre assuntos públicos essenciais à vida de todos os cidadãos250. É a autocompreensão de uma cidadania

solidária, na expressão de Axel Honneth251, devendo levar a uma

cooperação social em que todos os cidadãos se enxerguem como pessoas portadoras de dignidade e respeito.

Freire ensina: “Este é também um direito e um dever dos cidadãos [...]: o de se baterem por uma escola mais democrática, menos elitista, menos discriminatória [...]. Uma escola aberta, que supere preconceitos, que se faça um

246 LORA ALARCÓN, Pietro de Jesus. Ciência política, Estado e direito público: uma introdução ao direito público na contemporaneidade. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 46.

247 BOFF, Leonardo. A força da ternura. Rio de Janeiro: Sextante, 2006, p. 47.

248 BOTELHO, Marcos César. Democracia, república e responsabilidade política: estudos em Teoria Discursiva. In: MIRANDO, Adriana Augusto Telles; SEGALLA, Juliana Izar Soares da Fonseca (Org.). Discussões no direito contemporâneo. 24. ed. Porto Alegre: Armazém Digital, 2012, p.11. 249 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002, p. 188.

250 HONNETH, Axel. Democracia como cooperação reflexiva: John Dewey e a teoria democrática hoje. In: SOUZA, Jesse (Org.). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília, DF: UnB, 2001, p. 64.

centro de alegria [...]”252 (grifos nossos). Em outras palavras: uma escola para todos,

que respeita a igualdade e valoriza a diversidade.

No próximo tópico, então, tratar-se-á do princípio da igualdade e suas implicações no que tange à inclusão social.