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Necessidades Básicas vs Qualidade de Vida

2. Os Direitos Fundamentais

2.5 Necessidades Básicas vs Qualidade de Vida

Tendo em vista as constantes repercussões sociais provocadas pela condição precária de nosso Sistema Único de Saúde143, optamos por trazer neste subcapítulo uma análise

harmônica com os temas já apresentados, tendo em vista a problemática da saúde e da qualidade de vida de crianças refugiadas em nosso país.

E como tratado inicialmente, faremos uma abordagem meramente empírica, moldada por construções acadêmicas referentes ao assunto, para que posteriormente façamos um melhor desfecho de nosso trabalho e uma consequente analogia com a realidade prática a ser relatada.

Preliminarmente, assim como qualquer outra área de atuação em nossa sociedade, a medicina possui termos e institutos provocadores de uma equivocada definição e particularidades, em virtude de sua ciência ter uma forte ligação com a história e cultura de uma região ou país.

Neste sentido, compreender o que é a saúde é fundamental para que consigamos defini- la e entender sua importância para o campo jurídico, assim como para o nosso tema, uma vez que esta é um direito fundamental, social e pertencente a todos de uma coletividade.

No nosso dia a dia, costumamos associar saúde a um estado/condição física antagônica ao estado de doença. Contudo, saúde, muito além do que um ponto antagônico, é também a compreensão de bem-estar físico, social, psicológico, e espiritual, aplicados a contextos como

143 Cf. “Em recente entrevista à Sputnik Brasil, a médica Karina Oliani, coordenadora de saúde do Instituto

Dharma, que estava na fronteira do Brasil com a Venezuela, afirmou que os venezuelanos chegam ao Brasil com a imunidade baixa devido principalmente à desnutrição.

Entre os aspectos das políticas públicas destinadas a essas pessoas, que chegam fragilizadas ao País e precisam ser integradas, está a assistência à saúde. Assim como todos os residentes no território nacional, os refugiados têm direito ao Sistema Único de Saúde (SUS), mas há dificuldades no acesso à saúde por parte dessa população, que tem vulnerabilidades específicas”.

SOCIEDADE Brasileira de Medicina Tropical. Refugiados: Brasil ainda precisa implementar apoio e políticas públicas para acolher essas pessoas. 14 de Agosto de 2018. Disponível

em:<https://www.sbmt.org.br/portal/refugees-brazil-still-needs-to-implement-and-support-public-policies-to- welcome-these-people/>. Acesso em: 01 Junho 2020.

o tempo e o espaço. Ou seja, ela é o equilíbrio entre todos os pontos citados e o mundo ao seu redor.144

As necessidades humanas, estão vinculadas a esta noção de equilíbrio do bem-estar na saúde, e se apresentam com algo básico, universal e necessário à manutenção da vida digna. Elas são entendidas como um estado de carências corporais, conscientes ou inconscientes, que provocam uma instabilidade das forças vitais de um ser.145

Por ser um conceito, como dito anteriormente, que envolve uma contextualização histórica e social, pode ser facilmente relativizado e constantemente moldado aos interesses e repercussões externas ao Estado.146 Associada diretamente a essa consideração temos uma

concepção humana de qualidade de vida, do qual inconscientemente ligamos ao estado de saúde e bem-estar.

Está qualidade é um termo criado entre indivíduos para designar um patamar de satisfação, ocasionado por influências dos meios pessoais, amorosos, familiares, sociais e ambientais durante toda nossa vida. É um termo, que por advir da racionalidade e do senso comum, possui equívocos e variações de perspectivas em sua caracterização.147

Para alguns, a qualidade de vida pode ser compreendida através do confronto entre expectativas individuais e realidades fáticas.148 Para o nosso trabalho, temos que o termo qualidade de vida possuiu três formas subjetivas de seu entendimento149:

1) Histórica: fundamentada em ambientes temporais com relativismos de desenvolvimento econômico, social e tecnológico no mundo;

144 RODRIGUES, A. L.; MARIA, V. L. R. Teoria das Necessidades Humanas Básicas: conceitos centrais descritos em um manual de enfermagem. Rev. Cog. Enfer., Ponta Grossa, 2009. Disponível em:

<https://www.revistas.usp.br/reeusp/article/download/135860/131676>. Acesso em: 19 Outubro 2019, pg. 4. 145 Ibid., loc. cit.

146 Ibid., pg. 5.

147 MINAYO, M. C. D. S.; HARTZ, Z. M. D. A.; BUSS, P. M. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Rev. Ciên. Saú. Col., p. 7-18, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- 81232000000100002&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 19 Outubro 2019, pg. 3.

148 MARTIN e STOCKLER apud MINAYANO, HARTZ e BUSS, 2000, loc. cit. 149 MINAYANO, HARTZ e BUSS, 2000, loc. cit.

2) Cultural: voltada para a valoração e a importância dada pelos povos;

3) E de castas sociais: ou seja, embasadas nas sociedades que possuem padrões de desigualdade.

Ao aplicarmos essas três formas podemos notar que as variações, do que é uma qualidade de vida, são frutos do meio ao qual estão inseridos os sujeitos.

Desde os séculos XVIII e XIX, a humanidade busca conceber estilos e situações de vida com qualidade para classes trabalhadoras negligenciadas durante a era industrial. E, em 1974, no Canadá, por meio do relatório Lalonde, tivemos uma inquietação humanitária relacionada aos pontos determinantes de uma concepção de qualidade de vida.150

Esses pontos foram articulados através do estilo de vida adotado por um indivíduo, dos avanços biológicos humanos, das influências do ambiente físico e coletivo, no qual somos expostos, e da disponibilização dos serviços de saúde.151

Com a chegada dos anos 90, o mundo passou a ter uma nova preocupação, voltada agora para as grandes necessidades de utilização de novos meios de desenvolvimento sustentável e ecológico.152

Nessas circunstâncias, e especialmente em se tratando de nosso tema referente a crianças refugiadas, devemos considerar também como questão influenciadora da noção de qualidade de vida e consequentemente de equilíbrio do bem-estar e saúde, os efeitos de valores sociais não materiais ligados a pessoa, como é o caso do amor, do afeto, da liberdade, da realização pessoal, da dignidade, da solidariedade e da felicidade.153

A qualidade de vida, que pretendíamos trazer nesse capítulo, tal como a satisfação das necessidades básicas de um indivíduo e a sua saúde, envolvem nitidamente elementos da

150 MINAYANO, HARTZ e BUSS, 2000, pg. 3. 151 Ibid., loc. cit.

152 Ibid., loc. cit. 153 Ibid., loc. cit.

natureza humana, ou seja, a alimentação, a moradia, o trabalho, a educação, o lazer, o próprio acesso a saúde, e muitos outros meios necessários a suprir nossas carências e déficits.154

Portanto, podemos ligar as apresentadas ideias com a condição de crianças refugiadas fazendo uma ressalta que, como iremos constatar mais adiante: esses menores possuem um status peculiar de vulnerabilidade e carência maiores que as demais crianças em um meio social saudável e protetor.