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Capítulo I Revisão da literatura

6. NECESSIDADES DAS FAMÍLIAS DE CRIANÇAS COM NEE

O nascimento de uma criança com NEE (ainda que anunciada durante a gravidez) é sempre um acontecimento inesperado no sentido em que nenhum pai e nenhuma mãe se sentem preparados para receber no seio da sua família uma criança com Necessidades Educativas Especiais. A educação de qualquer criança não é tarefa fácil e se se tratar de uma criança com NEE são muitas as exigências pelo que é fulcral que os pais se sintam apoiados por familiares, vizinhos, profissionais ou outros. Atualmente, existe “uma nova sensibilidade às questões relacionadas com as NEE, mas igualmente com as necessidades e dificuldades sentidas pelas famílias destas crianças e jovens.” (Almeida, 2012, p. 13)

O nascimento de uma criança é sempre uma fase marcante no ciclo vital de qualquer família. Segundo Relvas (citado por Almeida, 2012, p. 20), “tal como os indivíduos que constituem uma família também esta apresenta o seu ciclo vital, (…) constituído por diferentes estádios:”

Quando a criança apresenta NEE estamos perante um acontecimento que pode ter um impacto profundo na mesma (…) conduzindo ao reavaliar de expectativas e ajuste de papéis, de modo a reencontrar o equilíbrio, dando resposta às necessidades de todos os membros, incluindo às da nova criança. (Santos, 2010, citado por Almeida, 2012, p. 23)

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Após a confirmação do diagnóstico, os pais atravessam um período de luto pela perda do filho sonhado. Felizardo (2010, citado por Almeida, 2012, p. 24), que se apoiou nas investigações de Brazelton e Cramer (1992), refere que

o afeto ao recém-nascido desenvolve-se tendo por base os relacionamentos preliminares com a criança idealizada. Ocorre o risco da vinculação não se desenvolver, uma vez que a criança deixa de ser encarada como motivo de orgulho, transformando-se na prova de falhanço dos pais. As reações dos pais perante a informação de que o filho apresenta NEE têm sido comparadas às experiências de perda de alguém amado, por morte ou separação.

Segundo a Pirâmide das Necessidades Humanas, de Maslow, estas podem organizar-se de modo ascendente sendo que na base encontram-se as necessidades mais primárias, as fisiológicas e as de segurança, seguindo-se as necessidades secundárias, de pertença, de estima e de autorrealização. O ser humano só consegue satisfazer as necessidades secundárias depois de as primárias estarem concretizadas. Assim, alguém que não tem as suas necessidades básicas (de alimentação, por exemplo) satisfeitas não conseguirá satisfazer necessidades como autoestima, por exemplo (Pereira, 2013).

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As necessidades familiares podem afetar diretamente o desenvolvimento da criança com NEE: é “importante estudar não apenas as necessidades e características destas crianças, mas também as necessidades das suas famílias que têm influência direta e preponderante no seu desenvolvimento (…)” (Fernandes, 2008, citado por Passos, 2014, p. 30). Assim, torna-se imperativo para uma intervenção de sucesso, agir com e para a família no sentido de conhecer as suas necessidades e encontrar os recursos formais ou informais para lhes dar resposta e, assim, capacitar ou dotar os pais das competências necessárias ao bom e saudável desenvolvimento do seu filho. A identificação das necessidades das famílias é, portanto, primordial e torna-se objetivo desta revisão teórica.

Impõe-se, desta forma, clarificar o conceito de necessidades. Bastos & Rosa (2009, citados por Passos, 2014, p. 20) defendem que “ao falarmos de necessário e de necessidade, apenas podemos, honesta e rigorosamente, estar a falar do que é melhor ou mais possível num certo momento e circunstância.” Passos (2014, p. 20) acrescenta que:

(…) o conceito necessidade, palavra que deriva do latim necessitate, quer dizer no Dicionário de Língua Portuguesa: essência daquilo que realmente

se precisa; designação do que é imprescindível, imperioso ou essencial.

Convém salientar que o termo necessidades é inerente à condição humana, as pessoas sentem sempre falta daquilo que desejam satisfazer. Em alguns estudos encontramos a referência a dois tipos de necessidades: as mais básicas (de alimentação, habitação, liberdade…) e outras como literacia, possibilidade de integrar uma comunidade… Beckett, numa investigação que levou a cabo em 2010, chamou às primeiras de absolutas e às segundas de

relativas.

Para Simões (2010, citado por Passos, 2014, p. 22), a família é:

(…) uma unidade única com características próprias, em que também as suas necessidades são específicas. Não podemos generalizar as necessidades das famílias, deve-se ter em consideração que dependem de diversas variáveis, como a idade da criança, as características da

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mesma, a situação de risco social, as condições pessoais, económicas, sociais e culturais que afetam direta e indiretamente o contexto familiar. Segundo Passos (2014), as necessidades das famílias devem ser conhecidas em oito âmbitos diferentes: (i) suporte e segurança, (ii) ajuda prática, (iii) informação, (iv) ter alguém com quem conversar, (v) ser visto como uma pessoa e não como pai de uma criança com necessidades educativas especiais, (vi) ter tempo de descanso, (vii) ter tempo para si próprio e (viii) mostrar que pode fazer algo positivo pelo filho. Acrescenta, apoiando-se em investigações como as de Simeonsson, no ano de 2000, Cara-Linda, sete anos depois e Santos, em 2009, que “as famílias de crianças com NEE sentem necessidades complexas, momentâneas ou contínuas, em diferentes dimensões:

 necessidades de informações;  necessidade de suporte;

 necessidades de explicação aos outros;  necessidades de serviços da comunidade;  necessidades financeiras;

 e necessidades sobre o funcionamento da família.”

Passos (2014, p. 23) refere também o trabalho de Simões (2010), a este respeito, indicando que “as necessidades das famílias se incluem numa só ou mais das seguintes categorias:

 Informação – sobre a criança, os serviços disponíveis na comunidade ou sobre direitos e legislação específica;

 Educação / treino - como brincar, ensinar, interagir, ou resolver determinados problemas da criança;

 Apoio psicológico ou emocional – para os pais em níveis de stress muito elevados e prolongados e de dificuldades no funcionamento individual e familiar;

 Apoio social - conjunto de apoios e serviços de caráter formal e informal.” Em literatura recente sobre as necessidades das famílias podemos encontrar as seguintes: tomar conhecimento do diagnóstico da deficiência e dos resultados das avaliações de um modo sensível e construtivo; obter informações acerca da

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deficiência e dos serviços disponíveis; facilitar o desenvolvimento da pessoa com deficiência; receber suporte emocional e ajuda para compreender sentimentos e reações; e conhecer outros membros de famílias com um membro com deficiência, que estejam numa situação semelhante à deles.

Gronita, num estudo que desenvolveu em 2007, refere as necessidades das famílias como sendo de dois tipos: necessidades de natureza prática (questões funcionais como obtenção de informação) e necessidades psicológicas.

Silva (2004), baseando-se em Serrano e Correia (2002), aponta alguns fatores causadores de stress aos pais de crianças com NEE:

 despesas médicas em tratamentos, internamentos e a respetiva logística ou até procedimentos que podem pôr a criança em risco de vida;

 aumento das despesas familiares devido a equipamentos de adaptação e alimentação muitas vezes diferenciada;

 picos de tensão que podem surgir numa crise como não conseguir respirar ou ter uma convulsão;

 problemas de organização como ter alguém disponível para ficar com a criança, encontrar transporte adequado ou obter dispensa do emprego;  dificuldade em encontrar respostas socioeducativas adequadas às

necessidades do filho;

 rotinas diárias e noturnas muito exaustivas e a consequente fadiga constante e falta de tempo para o resto da família e para momentos de lazer;

 os ciúmes do(s) outro(s) irmão(s) que vêm a atenção esgotada na criança com NEE;

 problemas conjugais que podem resultar de um ou mais dos fatores acima enunciados.

Almeida (2012), apresenta um quadro adaptado de Brotherson, Summers e Turnbull (1986), que propõe um ciclo de vida familiar com crianças com NEE associados a sete estádios desenvolvimentais, que, por sua vez, acarretam áreas de stress, ou seja, preocupações relativas às características especiais da criança, aspetos escolares e relacionais, oportunidades de socialização,

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segurança e cuidados a longo prazo, conforme a tabela que se apresenta à frente.

Tabela 9 – Ciclo vital de uma família com uma criança com NEE (adaptado de Brotherson, Summers e Turnbull, 1986, citado por Correia & Serrano, 2013, p.160)

Podemos, assim, verificar que uma criança com NEE pode trazer à sua família necessidades de vários tipos: financeiras, psicológicas, emocionais, sociais… além de que a família sofre com as expectativas para o futuro da criança.

“Ao nível da economia familiar, prevalece a dificuldade na gestão dos rendimentos e de sentido de prioridade para os gastos” (Alarcão, 2006, citado por Gomes, 2014, p. 14).

As famílias raras vezes conseguem identificar as suas próprias necessidades ou quando conseguem por vezes não as indicam por constrangimento, embaraço ou até medo da reação dos outros, pelo que é necessária a ajuda do professor de educação especial na escuta ativa das preocupações das famílias para as

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reconhecer em necessidades e identificar os recursos necessários para as mesmas com o objetivo principal de melhorar as condições de vida das famílias. O modelo de intervenção centrado da família,

(…) exige dos profissionais competências de colaboração, apoio e cooperação. A capacidade de escuta com empatia e de compreender o ponto de vista da família é o ponto crítico da prática centrada na família. A capacidade de responder às prioridades, preocupações, e necessidades da família requer que os profissionais aprendam a identificar e respeitar as rotinas das famílias. (Carvalho, 2011, citado por Passos, 2014, p. 25)

Silva (2004) evidencia que a família ou a comunidade em que a criança se insere nem sempre consegue oferecer as condições necessárias para que a criança se possa desenvolver saudavelmente, daí o contributo vital que a escola pode oferecer às crianças, especialmente aquelas que apresentam NEE. Os serviços de apoio são vitais para famílias de crianças com Necessidades Educativas Especiais.

Parish e Whisnant (2006, citados por Nunes, 2013) enumeram as principais áreas de necessidade das crianças com deficiência e das respetivas famílias: rendimentos, educação, suporte familiar e serviços de apoio.

A Lei n.º 4/84, de 5 de abril (revogada pela alínea d) do n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto), referente à proteção da maternidade e da paternidade, apresenta os direitos e deveres dos pais e mães de crianças com e sem deficiência, sobretudo no que respeita à proteção da saúde, proteção ao trabalho e regimes da segurança social e ação social. (Nunes, 2013, p. 18)

Há autores, como Maria Albuquerque, que distinguem o apoio social informal, providenciado por indivíduos da família da criança com necessidades educativas especiais ou da família alargada, amigos, vizinhos e outros membros da comunidade; do apoio formal, que inclui os profissionais dos serviços como médicos, educadores, professores, assistentes sociais; e os próprios serviços (hospitais, programas de intervenção, departamentos de saúde…).

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Payne (2002) e Viscarret (2007), citados por Santos (2015, p. 26) apresentam- nos três sistemas distintos que correspondem aos enumerados acima: sistemas

informais ou naturais, sistemas formais e sistemas societais, respetivamente.