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CAPÍTULO 1 – LIBERALISMO E POLÍTICA EXTERIOR NO PRMEIRO

5. Os negócios estrangeiros e a imprensa: a política externa imperial brasileira e a visão dos

A maior parte das reformas efetivadas pela política exterior de D. Pedro I em relação à do período joanino tinha por fundamento principal a sustentação de um novo projeto imperial que agradasse aos grupos político-sociais que reivindicavam uma implementação mais efetiva dos princípios liberais na condução dos relacionamentos externos. A aproximação aos Estados Unidos era encarada por muitos deputados da Assembleia Geral como uma possibilidade de diminuir a predominância britânica no mercado brasileiro, o que reforçaria a implementação dos preceitos da economia política no Brasil157.

154 Notícias Estrangeiras. Diário Fluminense. p. 469, 28 mai. 1825. 155 Rio de Janeiro. Diário Fluminense. pp. 426-427, 5 nov. 1825.

156 CLAY, Henry. [Despacho] 29 mar. 1828, Washington [para] TUDOR, William; Rio de Janeiro. IN: SEAGER

II, Robert; 1982.

Essa era uma das maiores demandas dos setores liberais durante o reinado de D. João VI, sobretudo a revisão das relações político-mercantis com o Império britânico158. E para que o governo de D. Pedro I ampliasse sua aprovação no interior do Brasil159, conquistar a aprovação da elite mercantil, sobretudo a do Rio de Janeiro, que influenciava boa parte dos demais negociantes da região centro-sul160, e da nascente imprensa periódica era um requesito fundamental à estabilidade política do projeto imperial.

Ao longo da década de 1820, a imprensa periódica brasileira teve forte enganjamento ideológico. Por meio dela, diversos redatores – entre eles, Evaristo da Veiga (Aurora Fluminense), Luiz Augusto May (A Malagueta), Joaquim Gonçalves Ledo (Revérbero Constitucional Fluminense), José Antônio Miranda Falcão (Diário Fluminense), entre outros – emitiam suas opiniões acerca da condução da política interna/externa pelo governo imperial161.

A publicação desses jornais tomou fôlego no período da independência e ao longo do Primeiro Reinado, mormente após o ano de 1825, quando começaram as preparações para a abertura da Assembleia Geral no ano seguinte162. Luiz Augusto May, por exemplo, que

costumava atacar com frequência a administração bragantina em seu periódico, acreditava que o tratado de 1810 com o Império britânico fazia parte do antigo sistema de administração colonial. May parece valer-se da associação do tratado à ideia de colonização para destacar a importância da expansão do constitucionalismo e do liberalismo no Brasil. Em seu jornal ele dizia:

(...) passarão-se, he verdade, quatorze anos: as vantagens do Brasil não marchárão em igualdade de razões com os desenvolvimentos politicos, nem tão pouco com os sacrificios de capitáes, que o Brasil fez e dos quaes pudera esperar maior adiantamento; mas ninguem se engane com tal quadro, nem com taes effeitos, que só se devem atribuir ao infeliz Systema de administração antigo, combinado com o misero Tratado de 1810, e sua ainda mais misera execução: mas agora que a Constituição veio operar no Brasil o que lhe não podia trazer a Emigração de 1807; agora que as pertenções de todos aqui se achao em fermento; agora que o intercurso com Estrangeiros não admitte de interpretações compostas sobre interesses palpaveis, e arithmeticamente demonstrados; agora que o Abbade De Pradt, e outros do seu calibre são lidos com huma avidez que contrasta bellamente com a ignorancia em que aqui se estava ha annos, quer do Auctor quer da sua obra precitada; seria a mais funesta equivocação argumentar com a debilidade moral do Brasil (...)163

158 COSTA, Wilma; 2015.

159 MATTOS, Ilmar; 2005. 160 FRAGOSO, João; 1992. p. 210. 161 RIBEIRO, Ana; 2007.

162 RIBEIRO, Gladys; PEREIRA, Vantuil. IN: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo; 2010. pp. 154-157. 163 A Malagueta. A Malagueta. Rio de Janeiro, p. 7; s/d dez. 1821.

Entretanto, essa posição não fazia parte apenas de textos de periódicos de oposição ao governo como A Malagueta. Evaristo da Veiga, que simpatizava muito com as tendências liberais de Benjamin Constant, inclusive no tocante ao apoio à monarquia constitucional164, ainda em 1828 publicava em seu jornal muitas notícias relacionadas à continuidade da má recepção do tratado anglo-luso de 1810 em Portugal. Em um número de março de 1828, por exemplo, Veiga narrou as disputas que ocorriam no parlamento português acerca da negociação de um novo acordo com os britânios:

A Camara dos Pares occupava-se com o Projecto proposto pela dos Deputados para a Liberdade do Commercio das Praças de Lisboa e Porto, e o Conde da Ponte tinha alli sido o mais declarado campião da franqueza industrial, porem outros nobres pares lhe oppunhão todo o ranço da escola antiga; entre eles o Conde de Carvalhaes affirmou que consistindo a riqueza de huma Nação na agricultura, industria e dinheiro, não se devia approvar o Projecto; que as franquezas do Tratado de 1810 he, que tinhão destruido Portugal, e que era necessario formar o exclusivo para a felicidade da monarquia.165

Os jornais compartilhavam informações sobre elementos fundamentais da cultura política do liberalismo 166e do constitucionalismo167, participando fortemente da construção da “opinião pública”168. Seu custo moderado, cujos números variavam entre 40 e 80 reis, tinha grande aceitação entre as camadas sociais médias169, e eram responsáveis por aumentar significativamente o número de expectadores da condução da política exterior de D. Pedro I. Os jornais publicavam muitas correspondências de leitores, por meio das quais conseguiam expor suas ideias e posicionamentos acerca de assuntos relacionados à política externa. E como a maioria dos jornais compartilhavam as publicações uns dos outros, as principais informações sobre os relacionamentos externos do governo imperial chegavam logo aos principais centros urbanos do Brasil.

Em geral, na imprensa periódica do Primeiro Reinado, questões relativas ao comércio – entre elas as negociações de tratados de amizade, comércio e navegação –, a conflitos militares e ao reconhecimento da independência eram os principais assuntos abordados nas informações sobre política exterior. Dentre esses temas, os relacionados aos acordos comerciais, particularmente, provocavam um grande sentimento de desaprovação desde os anos 1809-1810, quando, como visto anteriormente, Hipólito José da Costa posicionou-se

164 VIEIRA, Lidiane; 2014.

165 Exterior: Portugal. Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, p. 76, 17 mar. 1828. 166 OLIVEIRA, Carlos; 2010. p. 3.

167 SILVA, Virgínia; 2009.

168 SCHIAVINATTO, Iara; 2010. pp. 83-84.

contrariamente à ratificação do tratado de 1810170. O tratado de amizade, comércio e navegação de 1810 era encarado como responsável por dificultar a expansão dos princípios da economia política no Brasil, principalmente por que feria o princípio do comércio livre e recíproco171. Hipólito Costa afirmava em seu jornal que o ministro D. Rodrigo e seu irmão, Domingos de Sousa Coutinho – então embaixador e ministro plenipotenciário de D. João VI em Londres172 – agiram com “ignorância” durante as negociações com o Foreign Office; acusando-os de serem traidores da Coroa portuguesa173. Assim, qualquer rumor sobre o empreendimento de novas negociações por tratados de comércio gerava grandes comoções na imprensa, principalmente entre leitores das camadas médias e das elites mercantis.

No começo de novembro de 1825, por exemplo, circularam na imprensa rumores acerca das negociações pela renovação do tratado anglo-luso de 1810. A validade do tratado estava prestes a expirar e o Foreign Office britânico argumentava que a renovação do acordo pelo governo brasileiro seria uma forma de agradecimento à mediação diplomática feita pelo Império britânico durante as negociações pelo reconhecimento da independência174.

Em 12 de novembro de 1825, o jornal Aurora Fluminense publicou a correspondência de um leitor de pseudônimo GB, que tornou público um esboço do tratado de comércio então em negociação entre o representante britânico, Charles Stuart, e o governo imperial. GB mostrou-se irritado com a falta de divulgação prévia das negociações pela imprensa, e justificou o envio de sua correspondência exaltando a enorme “incerteza” e “ansiedade pública” que as negociações de acordos comerciais geravam no Brasil desde 1810175.

Segundo o leitor:

Nem diga V. M. [Vossa Mercê] que a minha ansiedade era sem motivo, por quanto se a historia do passado deve servir de guia para prever o fucturo, quem confrontar as circunstancias do Governo do Brasil para com a Grã-Bretanha em 810, e 825, deve-se sem duvida estremecer pelo resultado das negociações actuaes. Em 810 havia S. M. F. [Sua Majestade Fidelíssima] aberto todos os portos do Brasil ao Commercio Inglez, e deixado, por assim dizer, á discrição, e vontade do Governo Britanico a Administração Civil, e Militar de Portugal, medidas ambas que naquella época forão do maior obsequio e proveito para Inglaterra.176

170 ALMEIDA, Paulo; 2002 (A). p. 15. 171 CHAVES, Cláudia; 2001.

172 CARVALHO, Debora; 2012. p. 11.

173COSTA, José Hipólito da. Correio Braziliense, v. 2, n. 9, fevereiro de 1809, pp. 130-131. 174 RANGEL, Alberto; 1972.

175 Correspondência. Diário Fluminense. Rio de Janeiro, p. 451, 12 nov. de 1825. 176 Ibidem.

Entre os receios do leitor – que provavelmente tinha relações com atividades mercantis ou manufatureiras no Rio de Janeiro177 – estava o de que a aliança política que ligou o governo imperial ao britânico durante o reconhecimento interferisse novamente nas taxas de importação dos produtos britânicos no Brasil. Para ele:

(...) fazendo a Inglaterra hum Tratado não se contentou com menos de nove por cento de preferencia sobre as outras Nações nos direitos de importação (...) gosava em sua pessoa, na de [ilegível: 4 caracteres] caixeiros, e propriedade mais direitos, privilegios, e segurança, que qualquer Portuguez, ou Brasileiro; quaes serão as pertenções em 825, quando o Fundador do Império não tem vantagens novas a offerecer, não tem obsequios a allegar, antes (si vera est fama) [se o que consta é verdade] muitos, e muitos que agradecer?178

Com a afirmação de que faltava ao Imperador vantagens novas a oferecer, o leitor, muito provavelmente, também se referia à mediação britânica durante as negociações pelo reconhecimento da independência do Brasil com Portugal, por ele também interpretada como um préstimo ao qual o Imperador estava obrigado a retribuir.

É possível que essa argumentação tenha sido adotada da visão que esses mesmos setores liberais construíram acerca da negociação diplomática entre Stuart e os ministros brasileiros, reformulada para se construir um sentido negativo sobre o “preço do reconhecimento”179. Isso por que a mediação por um terceiro Estado era comum durante negociações relativas a decisões a respeito de conflitos envolvendo território e soberania. Durante as recentes disputas territoriais entre os Estados Unidos e o Império britânico, por exemplo, o governo da Rússia foi convidado a mediar as negociações relativas à definição das fronteiras, que se concluíram em 1814 com a ratificação do tratado de Ghent. Apesar disso, o crescente sentimento anti-britânico no Brasil provocou entre setores liberais a percepção de que associar a formulação de um novo tratado comercial à ideia negativa do “preço da independência” podia contribuir às pressões políticas180 sobre a condução da política externa. De certo modo, os liberais obtiveram grande êxito nesse objetivo, pois tanto a posterior ratificação do tratado de 1827, quanto a das convenções que puseram fim ao tráfico de escravos, passaram a ser interpretadas, inclusive historiograficamente, como o amargo preço pago pelo Brasil para obter e manter sua independência181 – ver capítulo 3.

177 SOARES, Luiz. IN: SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José (orgs); 2002. p. 283. 178 Correspondência. Diário Fluminense; 12 nov. de 1825.

179 MANCHESTER, Alan. O preço do reconhecimento, 1822-1827. IN: MANCHESTER, Alan; 1973. pp. 165-

191.

180 MILZA, Pierre; 2003.

Para alguns setores da sociedade, a imprensa tornou-se um meio de propagar a ideologia liberal. A linguagem dos jornais, pelo menos nas colunas voltadas à exposição de opiniões, era, em geral, ácida, e tinha objetivos doutrinários182. Para muitos redatores e leitores de jornais liberais, a aproximação com o Império britânico era encarada como um atraso à efetivação dos princípios da economia política no Império brasileiro, e para fundamentarem seus argumentos, em não raras ocasiões, dirigiam-se de maneira hostil a opiniões contrárias. Vicente Joaquim de Andrade, por exemplo, autor de Memórias sobre a Companhia do Alto Douro183, acreditava que o aumento de impostos sobre a importação de produtos aumentava as rendas públicas, o que o fez ser bastante criticado pelos defensores do livre comércio entre os redatores liberais. Segundo artigo do jornal Padre Amaro:

O systema prohibitivo vai-se modificando, e os grandes direitos, que equivalem a huma prohibição, vão cedendo a huma diminuição gradual: porque todos estão hoje persuadidos que o augmentar os direitos na importação tem huma tendencia a diminuir o consumo, e como tal a diminuir tambem a receita das rendas publicas, verdade tão luminosa, que só o auctor da Memoria sobre a Companhia do Alto Douro se atreveu a negar, por cujo atrevimento V.m. [Vossa Mercê] no seu Nº de Janeiro lhe deu huma lição, por certo que ainda não proporcionada á caprichosa, quanto insensata ignorancia daquelle tão safado Economista.184

Publicado em Londres, O Padre Amaro era redigido pelo padre José Joaquim Ferreira de Freitas, e defendia a extinção de qualquer barreira ao livre comércio e navegação185. Freitas se correspondia frequentemente com jornais liberais no Brasil, principalmente com o Diário Fluminense, com o Aurora Fluminense e O Universal – redigido na província de Minas Gerais. E ainda que defendesse o fim do tráfico de escravos, questão bastante controversa entre os leitores da maior parte desses periódicos, tinha muitos de seus textos compartilhados por jornais de diversas províncias.

O trecho do Padre Amaro mostra que os receios relativos à renovação do tratado de 1810 não se davam em decorrência das baixas taxas de importação dos produtos britânicos. Taxas de importação baixas eram consideradas salutares à economia, e não só no Brasil. Nos Estados Unidos muitos produtos tinham taxas de importação inferiores aos 10%, como o açúcar; e muitos outros, como o café a partir de 1832, tinham entrada livre nos portos186.

Há, portanto, um aparente paradoxo entre o trecho do Padre Amaro e a correspondência do leitor do Diário Fluminense, afinal: se os acordos comerciais em si não configuravam a

182 RIBEIRO, Ana; 2007. p. 2. 183 ANDRADE, Vicente; 1814.

184 Noticías Estrangeiras: Padre Amaro. Commercio do Brasil. Diário Fluminense. p. 440, 19 mai. 1825. 185 JUNQUEIRA, Lucas; 2013.

base dos receios dos negociantes, o que gerava as desconfianças em torno das negociações por um tratado de amizade, comércio navegação e comércio com o Império britânico? Retorna-se à ideia de que o maior receio que esses grupos sociais tinham era o de que o governo britânico interferisse politicamente em “assuntos internos”, especialmente o tráfico de escravos187, cuja abolição era encarada muito negativamente por membros da elite mercantil do centro-sul, incluindo-se proprietários de terras do vale do Paraíba e de Campos dos Goitacazes188. O fim do tráfico de escravos era igualmente mal-visto por proprietários de terras de outras regiões, inclusive em Minas Gerais, onde o aumento da produção de alimentos e têxteis incentivava uma crescente importação de escravos do porto do Rio de Janeiro189. Mas a pressão era mais intensa no Rio de Janeiro justamente em função da proximidade que esses negociantes tinham à imprensa da capital, que concentrava a maior parte dos jornais publicados no Brasil nesse período.

A imprensa periódica do Primeiro Reinado, portanto, fez uma grande campanha favorável à implementação dos princípios da economia política pelo governo de D. Pedro I na condução dos assuntos externos. E teve apoio em conselheiros importantes de D. Pedro I, sendo José da Silva Lisboa, com certeza, o principal representante dessas demandas na cúpula do governo.

Silva Lisboa pertencia à administração do Brasil desde o período joanino, mas foi no governo de D. Pedro I que passou a ocupar cargos políticos de maior relevo – ver capítulo 2. Era senador do Império e, como mencionado anteriormente, gozava de um enorme prestígio entre os defensores do liberalismo no Brasil, especialmente entre os que eram membros da administração190 . Seguidor de David Ricardo e Adam Smith, suas contribuições ao pensamento econômico foram reconhecidas fora do espaço luso-brasileiro, sendo ele convidado a se tornar membro da Philosophical Society of Philadelphia em meados de 1825. Para se ter uma noção da importância do convite, ao longo de todo o século XIX apenas três

187 Manolo Florentino afirma que no fim da década de 1820, quando as pressões britânicas pelo fim do tráfico se

tornaram mais intensas no Brasil, cerca de 40 mil escravos eram desembarcados no Rio de Janeiro anualmente. Esse número é seis vezes maior do que a média de escravos desembarcados anualmente até 1807, que girava em torno de 5 a 7 mil pessoas. O autor não ignora as pressões britânicas, no entanto explica que a elevada porcentagem de homens entre os desembarcados indica que os compradores de escravos parecem não terem privilegiado o incentivo ao crescimento natural da população cativa no Brasil. A ideia de Florentino trás um elemento novo à discussão, uma vez que o autor não delega às pressões britânicas a causa do forte aumento das importações de escravos na década de 1820. Se o pensamento de Florentino estiver correto, é possível afirmar que os compradores de escravos não acreditavam, ou ao menos não estavam completamente convencidos, que as pressões pelo fim do tráfico surtiriam efeito no Brasil. Ver: FLORENTINO, Manolo; 2012. p. 143.

188 OLIVEIRA, Cecília; 1999. pp. 61-80.

189 LIBBY, Douglas. IN: SZMRECSÁNYI, Tamás; LAPA, José; 2002. 190 FARIA JÚNIOR, Carlos; 2008. p. 19.

brasileiros se tornaram membros da Sociedade: José Bonifácio de Andrada e Silva (1822), José da Silva Lisboa (1825) e o Imperador D. Pedro II (1876).

Após a entrada de Silva Lisboa na Sociedade estadunidense, um de seus membros enviou uma carta a um “cavalheiro no Rio”191, pela qual proferiu suas impressões acerca da obra literária do futuro Visconde de Cairú. Na carta, lê-se:

A respeito do estilo, edicção com que Mr. Lisboa executou a sua obra, não sou Juiz competente: certamente elle se exprime com vigor, e clareza logica. Mr. B., natural do Rio, e bem informado dos escriptos do Lisboa, disse-me que elle está na ordem dos Escriptores classicos da Lingua Portugueza. De certo tem direito no primeiro lugar entre os Literarios, pela extensão de sua erudição, entre os Philosophos, pela profundeza com que tem explorado a sciencia da Politica; e entre os bemfeitores e patriotas, pelo seu benevolo designio e fim dos respectivos Estudos – a felicidade e melhora do Genero Humano.192

Ao pensamento econômico a principal contribuição de Silva Lisboa foi o seu livro Princípios de Economia Política, publicado pela primeira vez em 1804193. Vista a pressão contrária à ratificação de acordos comerciais, que paradoxalmente crescia ao lado das demandas pela implementação dos princípios da economia política na administração, José da Silva Lisboa tornou-se um dos principais conselheiros do Imperador, sendo a ele delegada, inclusive, a missão de escrever uma História dos principais sucessos políticos do Império do Brasil em 1826194.

Os principais membros do projeto imperial perceberam que ter o apoio desses setores liberais contribuiria para a sua própria estabilidade política no Brasil e, então, orientou-se a diplomacia imperial a atender parte de suas demandas. E ter por conselheiro um dos principais estudiosos da economia política do mundo na época não parece ter sido o suficiente. A política exterior passou a ter dois grandes eixos de condução: 1) diminuir a preeminência britânica – políca e mercantil – sobre o Brasil e; 2) diminuir as interferências políticas sobre as dinâmicas do mercado.

A diplomacia imperial foi incentivada pelo governo central a negociar vários tratados de amizade, comércio e navegação depois do reconhecimento da independência. Afinal, se o principal temor dos negociantes era o de que o Império britânico reafirmasse sua posição política sobre o governo brasileiro, fazia-se, então, necessário aumentar o número de parceiros

191 Assim como os pseudônimos, o anonimato era comum nos jornais da imprensa periódica do Primeiro

Reinado.

192 Correspondência. Diário Fluminense. Rio de Janeiro, pp. 479-480, 19 nov. 1825. 193 LISBOA, José; 1956.

comerciais – e políticos – da Coroa brasileira195. Não foi por acaso que em apenas quatro anos, entre 1825 e 1829, o governo de D. Pedro I ratificasse nove tratados comerciais com Estados estrangeiros diferentes. Comparativamente, apesar de ao longo do Segundo Reinado (1840-1889) terem havido mais de vinte negociações de assuntos relativos ao comércio e à navegação, apenas nove se concluíram em tratados de comércio com governos estrangeiros, sendo quatro com Paraguai e duas com o Uruguai196. A busca pela diversificação dos parceiros político-comerciais, bem como pela ampliação do livre comércio e da livre navegação de estrangeiros no Brasil, portanto, foi muito mais intensa no governo de D. Pedro I que nas administrações das Regências e do próprio Segundo Reinado, o que indica a existência de uma política exterior bem mais liberal no Primeiro Reinado – ver capítulo 3.

Quadro 10 – Os tratados de amizade, comércio e navegação do Império brasileiro (1822-1889) Estado estrangeiro Ano da