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A negação do apoio político

No documento carloseduardopintoprocopio (páginas 71-76)

3 ORGANIZAÇÃO E SEGMENTAÇÃO DO CATOLICIMO CARISMÁTICO

3.4 O MINISTÉRIO FÉ E POLÍTICA EM AÇÃO

3.4.2 A negação do apoio político

João Mauro, filiado ao PT, ex-prefeito da cidade de Brazópolis (Sul de Minas), pretendia sair candidato a deputado estadual. João Mauro, que me recebeu em sua casa, disse que além de filiado ao Partido dos Trabalhadores, era membro da Pastoral da Juventude e coordenador de um grupo de fé e política na cidade de Pouso Alegre (grupo diferente daquele de Adonias e Joel, já que envolvia quadros ligados mais ao catolicismo de libertação). Ele me

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A noção de oração é pensada aqui em seus termos maussianos (Mauss, 2009; Salazar, 2008; Pina Cabral, 2009). Para tentativas de aplicação do conceito é sugestiva as abordagens de Reesink (2009), Pereira (2009) e Mapril (2009).

contou que começara sua trajetória de participação católica mais incisiva na RCC, em 1985, na qual permaneceu até 1992, quando começou a trabalhar na Pastoral da Juventude de sua cidade, participando ativamente, conforme seu relato, da Campanha da Fraternidade, que tinha por lema “juventude, caminho aberto”. Ao mesmo tempo em que trocou o catolicismo carismático pelo liberacionista, João Mauro se lançou na política, saindo candidato a vereador, ainda em 1992, obtendo, segundo ele, 80 votos, o que, entretanto, não lhe garantiu lugar entre os vereadores que comporiam a legislatura após o pleito, em Brazópolis. Desde essa época, havia escolhido o PT como partido político, escolha que se deveu, tal como me falou, há uma simetria de princípios deste partido com os que apontava serem os princípios da igreja da qual fazia parte, na medida em que ambas colocavam na dianteira de suas ações o compromisso com os desfavorecidos. Mesmo não tendo sido eleito naquele momento, disse não ter desistido, pois dessa primeira experiência, buscou amadurecer na fé e no aprendizado de que “a política é uma missão”. Saiu como prefeito na eleição seguinte (1996), perdeu. Continuou seu serviço articulando fé e política, argumentou. Nas eleições de 2000, se elege prefeito. Em 2004 é reeleito.

João Mauro, na conversa que estabeleceu comigo, marcou a ideia de que o cristão, bem (in)formado, deve “reinventar a política, fazer diferente”, colocando fé e política “juntas, a serviço da mudança e do povo”. Esta tônica é a que ele desejava levar para a campanha a deputado estadual, caso viesse a disputar uma vaga para a Assembleia Legislativa, esperando receber apoios de vários grupos da Igreja Católica, inclusive da RCC, com quem estava conversando sobre a possibilidade de apoio. O principal meio de divulgação de sua experiência e pensamento, num primeiro momento, era um livro que escrevera sobre fé e política, que era pré-requisito para a conclusão de uma Especialização em Políticas Públicas, que havia feito na PUC/RJ, sob orientação do teólogo e sociólogo Ivo Lesbaupin (ligado a Teologia da Libertação). Para tanto, João Mauro pretendia lançar o livro em paróquias e eventos da RCC nas cidades do Sul de Minas Gerais.

Com esse livro, João Mauro disse procurar quebrar uma caixa preta que existiria na política, o que ajudaria a romper e anular os medos e receios em relação à política, ampliando seu significado e a direcionando para um “serviço para o povo”. Seu mandato, caso fosse eleito, seria, segundo o candidato em potencial, de cunho participativo, “porque não há como fazer política sem o povo”. Ressaltou que, caso viesse a ter 50 mil votos, que inclusive era sua estimativa, manteria um conselho na proporção de um conselheiro para cada mil votos, com os quais teria reuniões trimestrais, e cujo intuito era ouvir as necessidades de cada comunidade. João Mauro achava que um mandato tem que vir de baixo para cima, no qual o

político faria o trabalho de mediação entre estado e comunidade, não podendo frustrar aqueles que o elegeram. Nesse sentido, se, por um lado, o político teria que explicar para o povo como a máquina pública funciona, por outro lado, o povo deveria questionar e colocar suas necessidades diante do político, pensava João Mauro. Salientou que esta fora a forma como administrou sua cidade, cujo modelo de gestão, que denominou participativa e que motivava “as pessoas de boa vontade para participarem da vida política”, gostaria de expandir para outras cidades, na condição de deputado. Esta seria para ele a contribuição que gostaria de deixar na política, na medida em que dizia estar comprometido com a fiscalização, a legislação, a mobilização e a formação em defesa do povo, ao mesmo tempo em que seria um intermediário daquele com o estado.

Em tom de pré-campanha, João Mauro salientou que já estava conseguindo alguns apoios, tanto na Igreja Católica quanto no PT, mas sinalizou sua vontade em receber um apoio mais leigo do que eclesial no meio católico, apesar de dizer não recusar apoios de padres e bispos, fato que tem ocorrido, como o de um padre, próximo da RCC, que, segundo ele, vinha declarando apoio antecipado à candidatura. Tal fato, em sua opinião, não só seria fundamental, mas também garantiria, para sua candidatura, um acréscimo de credibilidade. Essa aproximação, que ele procurava manter, entre RCC, de um lado, e um PT ligado ao catolicismo liberacionista, de outro, ficou evidente quando ele me mostrou alguns livros que estava lendo: o “Fé e Política”, publicado pela RCC, e “Cristãos em ação Política”, que era uma publicação de J. E. Pinheiro, das CEBs. No final de nossa conversa, relatou que imaginava uma “comunhão na campanha”, articulando, em torno de um mesmo princípio/ideal, pessoas oriundas de vários segmentos, uma vez que estava se colocando disposto para conversar com grupos e comunidades.

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Fora do universo de pertencimento da comunidade Javé Nissi, João Mauro procura estabelecer uma retórica que pudesse reaproximá-lo do catolicismo carismático no sentido de conseguir apoio deste para a eleição legislativa estadual. Ele procurava se mostrar enquanto um católico engajado e inclinado para os problemas sociais, por conta de sua experiência no universo das pastorais católicas, para as quais migrou depois de uma estadia dentro do universo religioso carismático. Visando retomar seu elo com o catolicismo carismático, tenta se apresentar como um conhecedor dos debates políticos que se dão no interior da Igreja Católica, mostrando saber dos livros de grupos como o carismático e o de libertação.

Articulando fé e política, João Mauro coloca seu livro como uma tentativa de se transformar em alguém reconhecível na Igreja Católica em geral, mas também na RCC em particular, sobretudo porque essa era uma meta do então pré-candidato. Contudo, a fé aqui é uma questão motivacional, que seria responsável pela ação mais voltada para o social que ele dizia ter desenvolvido enquanto prefeito, justificando que seu serviço era um serviço voltado para o povo. Paralelo a isso, uma questão ligada à democracia participativa também ganha evidência, na medida em que coloca sua proposta como calcada em grupos, que serão mediadores da sua ação política, caso eleito.

A posição de João Mauro como alguém passível de saber conectar fé e política, expressa em seu livro, e também ciente da necessidade de diálogo com as bases que lhe depositam confiança, poderiam aproximar o pré-candidato daquilo que o Ministério Fé e Política ponderava como exigência na hora de decidir sobre o apoio ou não a uma candidatura. Se João Mauro tivesse tido chance de se mostrar, ele sinalizaria pelo menos esses dois aspectos de seu pensamento político. Entretanto, mesmo que seu nome fosse cogitado para receber um apoio formal do Ministério Fé e Política e da comunidade Javé Nissi, sua participação no evento dessa comunidade (supracitado) colocou uma incógnita sobre esse apoio em potencial. Por um lado, seu nome foi lembrado, seu livro foi mencionado e distribuído estrategicamente pelo próprio João Mauro, bem como foi visualizado pelos presentes quando subiu no palco/púlpito para receber uma oração junto com outros políticos que ali se faziam presentes. Por outro lado, a limitação de sua participação no encontro da Javé Nissi, se comparada com a participação do deputado federal Odair Cunha, coloca em evidência uma situação de cautela por parte do catolicismo carismático, que talvez duvidasse da capacidade de João Mauro em defender os princípios do movimento, sobretudo porque ele não era parte daquela comunidade com a qual procurava estabelecer contato. Nesse sentido, a distinção, que foi vista na entrevista com Joel, entre católicos políticos e políticos católicos talvez tenha servido como elemento cerceador da projeção do pré-candidato nessa comunidade carismática, já que João Mauro estaria, no ponto de vista do catolicismo carismático, mais para a segunda dimensão do que para a primeira.

A posição de Joel sinaliza para uma cautela diante do apoio a candidatos a cargos políticos, cautela que também pode ser vista na posição de Adonias. Este coloca a caminhada na comunidade um elemento essencial para conseguir apoio, o que dificulta a penetração de João Mauro junto à comunidade carismática e a conquista do apoio desta. Mesmo que João Mauro tentasse criar um lastro com a sua presença junto a um evento como aquele, realizado na Javé Nissi, sua intenção oscila entre o reconhecimento e a desconsideração. Os apoios que

Adonias enfatiza serem certos são para aqueles que são parte do catolicismo carismático. Odair Cunha era membro da comunidade Javé Nissi e já vinha de longa participação em outras comunidades carismáticas. Isso igualmente se aplica para Biondini, Maria Laura e Martini, todos com histórico dentro da RCC. Mesmo que outros nomes pudessem surgir, Adonias ressalta que o apoio dependeria do respaldo da comunidade. Nesse sentido, o que parece realmente contar para o apoio político na RCC é a pertença junto a ela. Na medida em que se apoia alguém da comunidade, o catolicismo carismático inviabiliza com que suas comunidades sejam contaminadas por aspectos puramente políticos, que poderiam ver aquelas como contingente eleitoral a ser conquistado diante de acordos e concessões.

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A PRODUÇÃO SOCIAL DA PERSONALIDADE POLÍTICA: A

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