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O MINISTÉRIO FÉ E POLÍTICA COMO ORGANIZAÇÃO

No documento carloseduardopintoprocopio (páginas 47-50)

3 ORGANIZAÇÃO E SEGMENTAÇÃO DO CATOLICIMO CARISMÁTICO

3.2 O MINISTÉRIO FÉ E POLÍTICA COMO ORGANIZAÇÃO

A literatura corrente nas ciências sociais sobre catolicismo carismático no Brasil enfatiza que ele é fortemente organizado (Carranza, 2000; Mariz, 2003). Essa organização possibilitaria que esse segmento religioso tivesse sua experiência mantida e disseminada, levando a religião para além dos muros da Igreja Católica, já que procurava atingir outros setores do mundo da vida. A organização que desenvolveu permitiu, de certa maneira, planificar a sua ação religiosa, uma vez que tornou possível pensar inserções pontuais dentro de cada setor que esse segmento religioso julgava como importante para ser trabalhado. A meta, nessa expansão, seria a de levar o “batismo do Espírito Santo” para todos os cantos da vida, convertendo o mundo profano em um mundo arrebatado para Deus e para a Igreja Católica. O significado desse processo de organização, entretanto, toma direções distintas.

Carranza (2000: 59) sinaliza que “todos os programas e atividades da RCC são articulados por um projeto mais amplo”. Por conta disso, existiria uma consequência certa na ação dos carismáticos em procurarem atingir “todas as dimensões sociais, litúrgicas, eclesiásticas, familiares, espirituais, lúdicas, políticas e informativas” (Carranza, 2000: 61). Para a autora, tal abrangência organizativa seria característica de um projeto de “sociedade inclusiva”, cuja meta é se colocar como “a totalidade referencial de seus seguidores”, aproximando o catolicismo carismático de uma postura de neocristandade, voltada para a retomada da hegemonia da Igreja Católica, que outrora ela possuía no cenário brasileiro (Carranza, 2000: 61). Para tanto, sugere Carranza (2000: 61), o catolicismo carismático estabelece “uma atitude apologética na oferta da experiência religiosa, dentro e fora do universo católico”.

Por sua vez, Mariz (2003) enfatiza que, se, por um lado, a organização da RCC anda

pari passu com sua expansão e sobrevivência, por outro, a sua própria atividade organizativa

seria a responsável pela limitação e contenção de propostas estabelecidas em seu desenvolvimento inicial. A autora parte do princípio de que o desejo de ser “Igreja”, gestada nos primórdios do catolicismo carismático, foi paulatinamente sendo relativizado dentro da estrutura da Igreja Católica. A organização desta pressupõe “dispositivos que permitem uma diversidade controlada”, atitude esta voltada para “manter um diálogo e evitar rupturas” (Mariz, 2003: 173). Na medida em que segue a perspectiva da Igreja Católica, que incorpora e controla a diversidade interna, a RCC não apenas se adéqua ao modelo organizacional daquela igreja, mas passa a adotar esse modelo em sua própria organização. Desse modo, conforme Mariz (2003: 173), o catolicismo carismático passa a ser “capaz de incorporar dentro de sua própria organização grupos de oração e comunidades de aliança e vida que conservam uma grande diversidade de estilos, discursos, e relativa autonomia”.

De um lado, o que se coloca diante da situação dos carismáticos é a demarcação de eixos que servem como norteadores para sua organização, quando voltados sobre as diversas ordens da vida. De outro lado, esse norteamento das práticas não parece ocorrer de modo uniforme e passivo, sem resistências daqueles que são inseridos na organização ou mesmo que se conformam como desdobramento dela. No primeiro caso, o catolicismo carismático

tende para a verticalização, na medida em que organizações como o Ministério Fé e Política

levam seus argumentos a cabo, procurando convencer aqueles com quem interage o tempo todo. No segundo caso, entretanto, a verticalização é sempre refratada por aqueles que transportam os argumentos ou simplesmente os recepcionam, dificultando uma conduta homogênea das organizações sobre a vida social.

Dentro dessa ótica, focar na noção de “modos de organizar” (Law, 1992) poderia ser uma alternativa para pensar a organização que o catolicismo carismático faz. Essa ideia enfatiza a materialidade das relações sociais (Law, 1992), ou seja, tudo aquilo que os atores envolvidos em uma trama disponibilizam para ser acionado dentro de uma determinada ação (verbal ou corporal), cuja disposição é atravessada por redes heterogêneas que dificultam a padronização e a conformação permanente das condutas. O que se coloca em jogo, nessa perspectiva, pode ser considerado da seguinte forma: 1) “preocupação relativa a ‘como’ atores e organizações mobilizam, sobrepõem e dão coesão à infinidade de pequenas peças que os compõem” (Cavalcanti & Alcadipani, 2013: 563); 2) “como estes arranjos formados por pequenas partes conseguem mantê-las unidas e coesas de tal forma que conseguem fazer as vezes de ‘um’ ator pontual (e não meramente um conjunto de peças)” (Cavalcanti & Alcadipani, 2013: 564).

Ao observarmos a organização do catolicismo carismático dessa maneira, sua mecânica do poder é passível de uma melhor compreensão. Nessa mecânica, “atores e coletividades tentam constantemente dominar agentes e objetos que podem resistir à investida” (Cavalcanti & Alcadipani, 2013: 564). Ao fazerem isso, as organizações tornam visíveis suas artimanhas e estratégias voltadas para a consecução de suas metas. Mas essa empreitada ocorre dentro de um cenário em que as redes a serem conectadas são heterogêneas. Diante disso, no processo de ordenação que fazem, “os atores modificam, deslocam e transladam seus variados e contraditórios interesses na tentativa de torná-los comuns” (Alcadipani & Tureta, 2009: 409). Ao proceder desse modo, a organização vai ganhar uma aparência multiposicional, recolocando a análise da organização do catolicismo carismático dentro de uma toada mais horizontal.

A perspectiva até agora apresentada coloca a formação do Ministério Fé e Política enquanto organização que se dá dentro de uma situação multiposicional, que soma perspectivas distintas, que vão se amalgamando paulatinamente. Não só o interesse da hierarquia da RCC bastaria para definir o Ministério Fé e Política como o básico para lhe configurar uma identidade. À esse interesse, juntam-se as demandas locais e os dilemas com que todos os setores do catolicismo carismático têm que conviver no seu cotidiano, e que são vividos não só no seio da Igreja Católica, mas também na sociedade civil. Diante disso, a preocupação com a formação e autonomia do voto de cada membro passa a conviver com o apoio e o incentivo desses em participarem da vida política. Além do mais, a dimensão teleológica da “civilização do amor”, enquanto razão de ser da organização de um Ministério Fé e Política, vê-se obrigada a coexistir com a definição de horizontes normativos e delimitações de participação na esfera política, que vão ser delimitadas no âmbito da Lei do Estado. Isso é visível tanto nas posições grafadas no site do movimento, quanto naquilo que seu material de formação e seus eventos colocam à disposição de seus membros. Tal situação multiposicional é uma realidade presente no universo do catolicismo carismático, observada desde as práticas desenvolvidas em torno da fabricação do Ministério Fé e Política.

Nesse sentido, é correta a assertiva de que as organizações são fabricadas como territórios abertos e descentralizados, já que o que a perfaz é fruto de um conjunto de elementos que vão sendo partilhados e divididos em seu interior. Por conta disso, o que ela é e como ela deve se desenvolver vai ganhando contornos provisórios, pois sua existência vai se tornando mais uma referência do que algo fundado em um tempo específico e com atividades particulares. Destarte, o modo como ela vai se operacionalizando acaba dependendo das forças em jogo e da maneira como elas dão conta de se manterem afinadas com uma proposta reconhecida como comum. Esse complexo jogo só é possível dentro de um terreno de relações marcadas pelo heterogêneo. Todos os atos de formação do Ministério Fé e Política comungam das dinâmicas desse jogo, sobretudo por conta da inexorável capacidade dessa organização, bem como das demais organizações humanas, em se manter em movimento, o que só é possível pela igualmente inexorável condição de movimento que tem as coisas que compõe a organização.

3.3 AS REDES DA FABRICAÇÃO DO MINISTÉRIO FÉ E POLÍTICA NAS

No documento carloseduardopintoprocopio (páginas 47-50)