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Negociação e programação na gestão urbanística

Fernanda Paula Oliveira

5. Negociação e programação na gestão urbanística

Como se viu nos pontos anteriores, a realidade atual apela para uma gestão urbanística municipal distinta da tradicional. Enquanto esta se carateriza por uma gestão em que a Administração municipal se limita a aguardar as iniciativas privadas, apreciando os respetivos projetos e “licenciando-os” desde que não contrariem os planos, o novo modelo de gestão urbanística apela para uma distinta atitude dos municípios, mais proativa, em que a Administração municipal faz acontecer o que verdadeiramente lhe convém que aconteça, da perspetiva do interesse público, não se limitando apenas a admitir o que os privados (da perspetiva dos seus interesses) pretendem concretizar no território.

A legislação tem vindo, como vimos, a fornecer enquadramento jurídico para esta nova forma de gestão urbanística, mas tal exige uma nova capacitação dos técnicos e decisores, que

23 De acordo com este artigo os proprietários, para adquirirem direitos urbanísticos e, assim,

valorizarem as suas propriedades, devem (i) utilizar, conservar e reabilitar o edificado existente; (ii) ceder áreas legalmente exigíveis para infraestruturas, equipamentos, espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva, ou, na ausência ou insuficiência da cedência destas áreas, compensar o município; (iii) realizar infraestruturas, espaços verdes e outros espaços de utilização coletiva; (iv) comparticipar nos custos de construção, manutenção, reforço ou renovação das infraestruturas, equipamentos, espaços públicos de âmbito geral e (v) minimizar o nível de exposição a riscos coletivos.

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terão de “deixar os seus gabinetes” ⎯ onde avaliam a conformidade dos projetos apresentados pelos privados com os instrumentos de planeamento urbanístico em vigor (posicionando-se, deste modo, como meros apreciadores ⎯ “controladores” e fiscalizadores” ⎯ das pretensões privadas) ⎯ para passarem a ter de ir ao encontro dos proprietários e investidores, não para os obrigar a intervir nos termos pretendidos pelo município (obrigado ninguém avança, em especial numa altura de crise do imobiliário), mas para os “convencer” a intervir com (isto é, com eles negociar) atuações que sirvam simultaneamente o interesse público e os seus interesses privados.

Nesta nova forma de agir, para que terão de se capacitar os técnicos municipais, encontram-se instrumentos distintos dos tradicionais (que eram essencialmente de cariz autoritário), instrumentos que apelam para modelos de atuação administrativa de governação

partilhada e para fenómenos de concertação com vista a encontrar soluções consistentes,

capazes de se assumirem como plataformas para dirimir conflitos, consensualizar soluções e operacionalizar ações, de modo a responder cabalmente aos desafios colocados pela convergência de interesses que ocorre nestes domínios e que exige mecanismos de envolvimento dos principais intervenientes ao longo de todo o processo.

Em causa estão novas exigências que decorrerem do progressivo reconhecimento de que Estado e os municípios não dispõem de recursos, nomeadamente financeiros, que lhes permitam resolver, só por si ou primordialmente através da sua iniciativa unilateral, os novos problemas que hoje se levantam ao desenvolvimento equilibrado das cidades, num contexto económico incerto e num quadro de competitividade global.

Tudo a significar que a gestão urbanística terá de se tornar mais flexível, participada e aberta à expressão e à procura da convergência e da compatibilização dos vários interesses públicos e privados que se exprimem no território e nas cidades, sem perder de vista o papel regulador (programador e coordenador) da Administração. O que exige dos intervenientes públicos um conjunto de novos saberes, em especial, o saber de estimular e gerir as

oportunidades de desenvolvimento.

As dificuldades associadas à condução e concretização de processos de desenvolvimento urbano assentes em bases negociais e na governação multi-níveis, mesmo nos casos que reconhecidamente devem ser assumidos como boas-práticas, são evidência bastante da necessidade de haver uma preparação técnica para gerir este tipo de atuações, única via que permitirá evitar o abandono dos processos (ainda que mais morosos e de resultados menos imediatas) de negociação urbanística.

A intenção última é a de permitir desenvolver processos formais e estruturados de

concertação de posições, através dos quais a Administração municipal e outra ou outras

entidades interessadas na transformação urbanística do território possam influenciar as mútuas decisões e coordenar as respetivas atuações no sentido de otimizar os resultados dessa

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transformação do ponto de vista dos interesses próprios bem como de otimizar os meios e recursos disponíveis.

Tudo a apontar no sentido de se redirecionar os recursos da Administração para a

produção de soluções desejadas através da adoção de metodologias e técnicas de negociação na

gestão territorial que potenciam:

• o aumento do nível de compreensão das motivações e das expectativas que orientam a atuação de cada participante no processo negocial e dos conteúdos das soluções propostas por cada parte;

• a maior eficácia do diálogo, resultante da focagem sobre factos em vez de juízos de valor; • o maior respeito pelas posições alheias e a maior abertura a considerá-las ativamente na

solução final;

• a maior partilha de informação substantiva e a maior identificação de todos com as soluções finais acordadas.

Em suma, a introdução das metodologias e técnicas de programação e de negociação na gestão territorial coloca exigências que não podem ser descuradas (exigências que também se fazem sentir na reabilitação urbana, enquanto política pública). Referimo-nos concretamente à exigência de uma Administração municipal:

• pro-activa (e não meramente reativa), capaz de formular antecipada e explicitamente (para aqueles que os devem conhecer) os objetivos de interesse público que leva para a negociação e de definir o limites de elasticidade, isto é, os limites abaixo dos quais não está disposta a recuar, por risco de penalizar o interesse público;

• competente, isto é, politicamente esclarecida quanto aos objetivos de política pública que persegue, tecnicamente suportada para poder reagir às propostas surgidas no decurso da negociação e que saiba avaliar oportunidades, selecionar parceiros, estabelecer objetivos, conduzir processos negociais e formalizar acordos.