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Neoconfucionismo e novo confucionismo

Capítulo II – Democracia e confucionismo

2.5. Neoconfucionismo e novo confucionismo

Apesar de o seu nome ser bastante semelhante, neoconfucionismo e novo confucionismo são conceitos diferentes. O neoconfucionismo (宋明理学sòng míng lǐxué) surgiu cerca de um milénio

após o tempo de Confúcio e refere-se à interpretação do confucionismo desde a dinastia Tang (唐 朝 táng cháo, 618-907) até ao início do século XX, atingindo o seu auge durante as dinastias Song (宋朝 sòng cháo, 960-1279) e Ming (明朝míng cháo, 1368-1662), especialmente a partir do

século XI. A época do neoconfucionismo durante a dinastia Song é muitas vezes referida como sendo a época renascentista do confucionismo, uma vez que foi um período de grande criatividade e dinamismo.80

A dinastia Tang é até hoje vista como tendo sido uma das épocas mais gloriosas da China Imperial81 e é considerada a “Era Dourada” do budismo chinês. Foi em grande parte a cultura da

dinastia Tang que foi transmitida para outros países asiáticos, nomeadamente a Coreia e o Japão82.

Devido à popularidade do budismo, alguns filósofos confucionistas decidiram competir com a religião pela supremacia intelectual e filosófica da China.

Entre estes filósofos, os mais proeminentes são Han Yu (韩愈 Hán Yù, 768-824), Li Ao (李翱

Áo, cerca de 772-836) e Liu Zongyuan (柳宗元Liǔ Zōngyuán, 773-819), que não só tentaram

revitalizar o confucionismo, como também atacaram a ideologia budista. A sua missão era interpretar o confucionismo de forma racional, de maneira a ser integrado na área política e na área social. Apesar dos seus ataques às outras ideologias do seu tempo, estes filósofos chegaram a utilizar termos encontrados originalmente no budismo e no taoísmo. Algum tempo após a morte

80Littlejohn, Ronnie L. (2011), Confucianism: An Introduction. London: I.B.Tauris & Co Ltd., pág. 115. 81Foi uma das épocas mais ricas nas áreas política, militar, artística, filosófica e religiosa.

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destes três intelectuais, um imperador encetou uma perseguição ao budismo, e esta época foi marcada por grandes alterações religiosas e filosóficas na História da China.

Apesar do neoconfucionismo ter florescido durante centenas de anos, enfrentou graves dificuldades a partir do século XIX devido à crescente influência do Ocidente, que colocou os valores tradicionais confucionistas em perigo de extinção. Assim, os confucionistas modernos encontraram-se com uma nova missão: reinterpretar o confucionismo de forma a ser compatível com certos valores ocidentais, nomeadamente a democracia, acrescentando-lhe também elementos do taoísmo e do budismo. Assim surgiu o movimento designado de novo confucionismo (新儒家xīn rújiā). Se bem que as suas fundações são provenientes do confucionismo tradicional

e do neoconfucionismo, o novo confucionismo fez algo sem precedentes ao tentar complementar a sua ideologia original com valores ocidentais sem perder a sua identidade. O novo confucionismo foi a primeira forma de confucionismo a reinterpretar-se à luz da cultura ocidental: está a colocar um pouco da cultura ocidental em si, e a colocar um pouco de si na cultura ocidental. O seu maior desafio foi responder a três perguntas: “O confucionismo é compatível com a democracia? Quais são os obstáculos a uma China confucionista se tornar uma democracia? Que partes do confucionismo deviam ser reformuladas de forma a sustentar a democracia?”83

Apesar da feroz propaganda anti-confucionista por parte de Mao Zedong (毛泽东Máo Zédōng,

1893-1976) e do Partido Comunista Chinês, que responsabilizavam o confucionismo pela incapacidade que a sociedade chinesa demonstrava em entrar na era moderna, a nova corrente confucionista não só sobreviveu até nossos dias como se encontra em expansão, não só na China e no Este asiático mas também em vários países ocidentais. O novo confucionista mais notável do século XX foi sem dúvida Mou Zongsan (牟宗三Móu Zōngsān, 1909–1995).

48 Figura 7 – Mou Zongsan

Mou é hoje conhecido por ter sido um tradicionalista cultural e pela sua defesa da democracia como um valor tradicional chinês. Juntamente com outros importantes intelectuais confucionistas da sua época, publicou em 1958 uma obra chamada “A Manifesto for a Reappraisal of Sinology and Reconstruction of Chinese Culture” (为中国文化敬告世界人士宣言 Wéi zhōngguó

wénhuà jìnggào shìjiè rénshì xuānyán)84. Este manifesto “examinava criticamente o confucionismo

e o desenvolvimento da civilização humana predominante. Insistia nos valores fundamentais da democracia liberal e propunha rever o confucionismo de forma a sustentar tais valores.”85 Além

de promover o confucionismo como um veículo de propagação da democracia e da modernização tecnológica para a China, o manifesto evidenciava os problemas do Ocidente e esclarecia como esses problemas podiam ser resolvidos através de uma abordagem confucionista.

Mou Zongsan também defendia que para o bom funcionamento da democracia, todos os indivíduos devem ser cultos e procurarem sempre o auto-aperfeiçoamento, pois devem ser capazes de pensar por si próprios e não conformarem-se quando julgam que algo está errado. O confucionismo preocupa-se com o cultivo moral e ético de cada pessoa, a liberdade de se ser moralmente independente, enquanto que a democracia ocidental se foca principalmente na liberdade económica, política e intelectual de cada pessoa. Da mesma maneira, enquanto que para os confucionistas a obtenção dos direitos de cada um deve partir do indivíduo, no Ocidente temos instituições dedicadas a assegurar os nossos direitos individuais.

84 Não existe uma tradução portuguesa oficial.

85Bell, Daniel A.; Chaibong, Hahm (2003), Confucianism for the Modern World. Cambridge: Cambridge University Press, pág.

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Alguns confucionistas argumentam que a preocupação com o auto-cultivo, que deve ser uma reflexão individual, levou a que não houvesse tanta ponderação em relação ao estabelecimento de instituições semelhantes às do Ocidente que também assegurassem os seus direitos e evitassem o abuso de poder por parte do governo e das elites. Talvez por esta razão, Mou considerava ser mais importante dar atenção a questões epistemológicas do que a questões de moralidade e auto- cultivo, apesar de estas também terem prioridade no seu pensamento.

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