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Obtenção de lucro e consumismo

Capítulo III – Capitalismo, economia e confucionismo

3.3. Obtenção de lucro e consumismo

A maior parte dos intelectuais que estuda o confucionismo concorda que esta filosofia é antagónica ao capitalismo e que não podem coexistir, pois possuem elementos incompatíveis impossíveis de conciliar. Por um lado, o capitalismo é apenas sobre a obtenção de lucro, não importa através de que meios. Valoriza o sucesso de uma minoria em detrimento de uma maioria. É sobre cada um seguir o seu próprio caminho para o sucesso individual. Por outro lado, o confucionismo é acreditado por muitos ser uma ideologia que coloca um obstáculo na obtenção de lucro, pois coloca os outros acima do indivíduo, o grupo como um todo vem antes dos interesses individuais de cada um.

Se compararmos o confucionismo com o cristianismo percebemos que, enquanto que no Ocidente temos uma religião que nada tem contra o direito individual de obter riquezas e a sociedade é guiada por uma lógica racional no que toca à economia, o confucionismo enfatiza a importância da família e de toda a sociedade de tal maneira que parece ser impossível criar relações impessoais e objetivas, e ser-se puramente lógico no que concerne a qualquer aspeto da vida, neste caso o aspeto económico. Por vezes, na missão de obtenção de lucro, é necessário fazer escolhas que podem trazer prejuízos para outros. Na ética confucionista isto seria inadmissível, pois um dos núcleos da filosofia é, citando uma expressão portuguesa, “não faças aos outros o que não gostas que façam a ti.” Este conceito, normalmente negligenciado no Ocidente, é fundamental no confucionismo:

Zi Gong perguntou: “Existe uma única palavra que um homem possa seguir como guia para a vida?” Confúcio disse: “Sim. É, talvez, a palavra ‘consideração’. Não imponhas aos outros aquilo que não desejas para ti mesmo.” 96

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Confúcio disse: “Shen! Há uma ideia consistente que impregna a minha doutrina!” Zeng Zi respondeu: “Sim.” Após Confúcio sair, os outros discípulos perguntaram a Zeng: “A que é que ele se referia?” Zeng respondeu: “ Referia-se simplesmente a Zhong Shu.” 97

Zhong (忠 zhōng) significa literalmente “lealdade”, e Shu (恕 shù) significa perdão, indulgência. Este conceito implica que façamos aos outros aquilo que fazemos a nós mesmos, e não façamos aos outros o que não fazemos a nós próprios. Assim, é compreensível que o capitalismo como o conhecemos no Ocidente e o confucionismo possam ser noções contrárias, e que tenha sido apenas nas últimas décadas que a China experienciou um boom económico, à medida que os valores confucionistas são reinterpretados de forma a não criarem um obstáculo à modernização, e a manter-se até um certo grau a tradição confucionista.

Apesar de ser geralmente aceite que realmente o confucionismo levanta algumas barreiras ao desenvolvimento económico, alguns autores defendem que a ideologia confucionista possui também valores que superam vastamente os seus obstáculos, e que daí se pode explicar o sucesso económico da República Popular da China. Alguns destes valores são o respeito pela hierarquia, e a importância da perseverança, da frugalidade e da unidade da sociedade. Este conjunto de valores pode ser denominado “Dinamismo Confuciano”. Um dos autores que defende a ideia que o “Dinamismo Confuciano” é a causa do sucesso chinês é Geert Hofstede98. Segundo Hofstede,

a cultura é o principal fator determinante no que se refere ao sucesso económico de um país. Um indivíduo vai levar para a sua empresa a visão que possui do mundo e de como as coisas devem ser realizadas, pois é algo que é inerente a si e à sua cultura. Enquanto que os países capitalistas do Ocidente tendem a pensar a curto-prazo, ou seja, no presente e no futuro próximo, a China pensa sempre a longo-prazo, e a sua maior preocupação é o futuro que vai deixar às gerações seguintes.

A rápida modernização dos últimos anos provocou uma forte alteração nos hábitos dos consumidores chineses. Houve uma clara transição de hábitos mais frugais e de poupança, que estão de acordo com a doutrina confucionista, para um consumismo em muito semelhante ao dos países ocidentais. Até recentemente, a classe média era praticamente inexistente na China. O consumo de produtos que não os de necessidade básica estava reservado para a classe mais abastada. Ao contrário do que está a acontecer em muitos países ocidentais, nos quais a classe

974.15: 子曰: “参乎!吾道一以贯之。”曾子曰: “唯。”子出。门人问曰: “何谓也?”曾子曰:

“夫子之道,忠恕而已矣。”

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média se encontra em vias de extinção e as disparidades entre as classes alta e baixa são cada vez maiores, com o sucesso económico dos últimos anos deu-se uma emergência da classe média na China. É natural que, confrontada com o novo poder de compra, a sociedade chinesa esteja a consumir mais bens de luxo do que em qualquer outra altura da sua longa História.

Uma das grandes diferenças entre o consumismo ocidental e o consumismo chinês é que, como já vimos, as sociedades ocidentais são geralmente orientadas para curto-prazo e a sociedade chinesa orientada para longo-prazo. Isto influencia todos os aspetos da vida social e pessoal, incluindo o consumo. Nas sociedades ocidentais, tendo elas uma orientação a curto-prazo, as pessoas tendem a pensar principalmente no presente. São capazes de gastar quase todo o seu dinheiro para viajar ou comprar artigos de luxo. Apesar de nos últimos anos ter vindo a haver um claro aumento da quantidade de turistas chineses e do consumismo, a orientação a longo-prazo da sociedade chinesa leva as pessoas a terem o seu futuro em grande consideração, pelo que se preocupam muito mais em poupar dinheiro para viverem confortavelmente após a reforma.

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Capítulo IV

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