• Nenhum resultado encontrado

É da fraqueza e das falhas das formas de se gerir o capitalismo que o mesmo busca por outras formas de se manter e de gerir o capital. Desta forma, diante das novas necessidades do mercado surgem o neoliberalismo e a Terceira Via, com propostas de mudanças, com princípios de “liberdade”. Para Frigotto (2010, p. 68),

Trata-se de uma ilusória liberdade, na medida em que as relações de força e poder entre capital e trabalho são estruturalmente desiguais. É sob esta ilusão e violência que a ideologia burguesa opera eficazmente na reprodução de seus interesses de classe.

É clara a função ideológica de gerar aceitação da população para consensuar os projetos de sociedade da burguesia. Para os neoliberais, o mercado deve ser superior a qualquer tipo de regulação, seja ela econômica, política ou mesmo por parte das instituições sociais. A premissa parte do princípio de que nada deve interferir no “livre andamento do mercado”, na “liberdade de escolha” e “livre concorrência”.

O Estado de Bem Estar Social foi visto pelos neoliberais como um dos principais motivos para a crise fiscal, pois, neste modelo, como já foi visto, propunham a intervenção do Estado nas políticas sociais. De acordo com Peroni (2006, p. 13), as políticas sociais, para a

teoria liberal, “são um verdadeiro saque à propriedade privada, pois são formas de distribuição de renda, além de também ser um obstáculo ao livre andamento do mercado, visto que os impostos oneram a produção”. Desta forma, o neoliberalismo, estrategicamente apresentado ao mundo como a “salvação” para esta crise busca afastar o Estado do seu papel de executor das políticas sociais.

Na década de 1980, diversos movimentos em prol da democracia18, já impregnados de alguns discursos políticos/ideológicos, só afastavam cada vez mais o Estado de suas funções. O Brasil apontava novos direcionamentos em diversos setores da sociedade. O fim do Regime Militar apresentava-se como um período de grandes mudanças para o país e a sociedade se mobilizava em prol de um novo regime político por meio das Diretas Já. O Estado centralizador do Regime Militar ganhou a oposição de diversos movimentos sociais e sindicais que, entre outras questões defendiam a descentralização político-administrativa e a autonomia na gestão.

A Constituição de 1988 se apresenta neste mesmo período em meio a correlações de forças na luta entre as classes. Por um lado, “a Nova República foi um momento de diversas forças da sociedade se unirem na luta pela democracia” (2003, p. 74); por outro lado, nascia uma Nova República impregnada de boas intenções que, segundo Florestan Fernandes, “deu- se pelo alto” (FERNANDES, 1976 apud PERONI, 2006, p. 74) apresentando-se, assim, apenas como uma continuidade e direcionando a mesma classe para dirigir o país.

Este cenário de democratização, segundo os neoliberais, provocaria crise do capitalismo, não só por questões de “ameaça” à propriedade privada, como também porque, em tal contexto, os políticos precisam atender às demandas dos eleitores por meio do sufrágio, provocando crises fiscais; além da regulação do Estado que prejudicaria o livre andamento do mercado. Uma questão importante sobre o neoliberalismo e a Terceira Via é quanto à questão da democracia. De acordo com Peroni (2009), enquanto para o neoliberalismo a democracia atrapalha o livre andamento do mercado, pois deve atender a demanda dos eleitores para se legitimar o que provoca o déficit fiscal, para a Terceira Via a democracia deve ser fortalecida.

18 No século XX, sobretudo a partir dos anos 1930, o liberalismo assume a democracia e passa a defendê-la, mas

reduzindo-a e minimizando-a, empobrecendo as suas determinações, concebendo-a de modo claramente redutivo. (COUTINHO, 1999, p. 11). Por estas questões, segundo Coutinho (1999, p.12), “é necessário cautela quando usamos a palavra ‘democracia’”, visto que a palavra é, mormente utilizada no contexto neoliberal para consolidar o seu discurso, pois se apropria do seu significado para ganhar espaço, o que se constitui em usar a mesma para o enfraquecimento do seu próprio significado, ao mesmo tempo que fortalece o seu significado para se utilizar do mesmo.

A conquista do sufrágio não era viável ao cenário que se pretendia montar, pois acabaria por “decidir sobre bens que não são seus, gerando conflito com os proprietários, pois este sistema consiste em uma forma de distribuição de renda” (PERONI, 2006, p. 13). De acordo com Hayek (1983 apud PERONI, 2006, p. 13), como não se pode suprimir o voto, esforça-se em esvaziar o seu poder, de modo que busca-se o enfraquecimento da democracia19 através das privatizações, enfraquecendo o Estado ou, como enfatiza Peroni (2006), provocando o desmantelamento do Estado. Neste sentido, o Estado seria mínimo.

Mas é importante frisar que o Estado mínimo proposto é mínimo apenas para as políticas sociais. Na realidade é o Estado máximo para o capital, pois, de um lado, ele é chamado para regular as necessidades do capital corporativo no interior da nação, mas, de outro, tem que criar um bom clima de negócios para atrair o capital financeiro transnacional e global e conter (por meios distintos de controle de câmbio) a fuga de capital para pastagens mais verdes e lucrativas (HARVEY, 1989, p. 160).

Ainda sobre isso, Frigotto (2010, p. 85) parece comungar da mesma ideia quando nos fala que “na realidade não é uma alternativa para a crise, mas a busca da recomposição dos mecanismos de reprodução do capital para exacerbação da exclusão social”. Logo, a questão não é se o Estado é máximo ou mínimo, mas sim é uma questão de estreitamento da sua face pública.

As privatizações passam a ser fundamentais para os governos neoliberais em todo mundo através de formulações dos aparelhos de Estado, atribui-se a este um novo papel “fiscalizar e conceder contratos de exploração, sem maiores restrições, aos interesses privados ao invés de atuar diretamente na produção e controle de mercadorias, de serviços e de transações financeiras” (MARTINS, 2009, p. 49).

A defesa de liberdade do indivíduo e do mercado foi decisiva para a construção do novo padrão de sociabilidade, ao ponto de direitos que antes eram assegurados por políticas públicas se tornarem, no seio das políticas neoliberais, mercadorias. Para Martins (2009), saímos da esfera dos direitos sociais para os “serviços” sociais. Os instrumentos de legitimação das novas sociabilidades, para os quais o Estado não perdeu seu caráter pedagógico, continuam sobre novas bases e novas formas, em que, partindo da premissa da liberdade do indivíduo, desenvolve estratégias de conformação que são acionadas como referências educativas.

19 Para Hayek “a democracia é, em essência, um meio, um instrumento utilitário, para salvaguardar a paz interna

O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial contribuem de forma significativa para o consenso neoliberal, pois estendem as suas premissas para as periferias. De acordo com Martins (2009), estes organismos têm a missão de mundializar a financeirização. O golpe de 1979, por exemplo, com o contexto agravado de endividamento externo, leva os organismos a introduzirem seus empréstimos e junto deles um pacote de reformas e orientações a serem seguidas. O chamado Consenso de Washington20 lança diretrizes e metas para a reafirmação do neoliberalismo como direção política. Porém, as ideias de Hayek ainda são preservadas no neoliberalismo, ou seja, sua base continua sendo o individualismo, a liberdade e o Estado, pelo menos até meados de 1990.

O fato é que o projeto ortodoxo neoliberal não conseguiu recuperar as taxas de crescimento do conjunto da economia e não foi capaz de gerar os determinantes objetivos e subjetivos necessários à consolidação de uma base de apoio político dentro e fora da classe dominante (MARTINS, 2009, p. 59).

Novamente o quadro não apontou para bases estáveis da economia mundial, levando os detentores do capital a buscar outras saídas, redefinindo o modelo social que alguns idealizadores passaram a chamar de centro radical, centro-esquerda, nova-esquerda, nova social-democracia, social-democracia modernizadora, governança progressista e Terceira Via (nomenclatura utilizada neste trabalho). Além de o neoliberalismo ter se apresentado insuficiente, a ampla organização que se dava entre a sociedade civil e o aparelho estatal faz com que, de acordo com Martins (2009, p. 60), as forças neoliberais reconheçam que a participação popular pode ser articuladora da sociabilidade, e neste caso, “a noção de democracia emprestada como ‘instrumento’, também emprestada da teorização Keynesiana, foi retomada com extremo vigor, mas sob uma outra roupagem [...]”.

O que se apresentava aqui era na verdade um movimento21 de neoliberais, revisionando as suas ideias e propondo soluções para as falhas apresentadas pelo modelo neoliberal, através de uma reforma de Estado, que aprimoraria a sociabilidade neoliberal, consolidando o modelo capitalista. O movimento de ir e vir, de formular e reformular, de

20“Em 1989, todo trabalho desenvolvido por estas agencias foi submetido a uma avaliação com o intuito de

tornar os procedimentos mais abrangentes, sistemáticos e precisos para as regiões da periferia do sistema. Dessa iniciativa foi pactuado um conjunto de diretrizes, metas e procedimentos mais orgânicos que ficou conhecido como Consenso de Washington” (MARTINS, 2009, p. 56, grifo do autor).

21Podem ser apontados como expressões de maior visibilidade deste movimento os “Novos democratas”, nos

Estados unidos, e o “ Novo Trabalhismo”, na Inglaterra. Responsáveis pelas reformulações internas dos seus respectivos partidos, esse movimentos foram responsáveis pelas definições programáticas e articulações políticas que possibilitaram a eleição de Bill Clinton, em 1992, e Tony Blair, na Inglaterra em 1997. O surgimento deste movimento revisionista foi também registrado em outros países europeus e, na periferia do sistema, em Estados de elevado grau de industrialização e de ocidentalização, como foi o caso do Brasil, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994 (MARTINS, 2009, p. 61)

estruturar e reestruturar perpassa as várias maneiras que o capital encontra para se manter e continuar dominando os diversos setores da sociedade (MARTINS, 2009).

Para Giddens (2001, p. 36 apud PERONI, 2006, p. 15),

[...] Terceira Via se refere a uma estrutura de pensamento e de prática política que visa a adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente ao longo das últimas duas ou três décadas. É uma Terceira Via no sentido de que é uma tentativa de transcender tanto a social democracia do velho estilo quanto o neoliberalismo.

A Terceira Via surge com uma alternativa ao neoliberalismo, desta forma, a nova roupagem democrática se dá pelas diversas maneiras consensuais de afirmação de que a participação do povo na execução das políticas sociais é fundamental, acarretando descentralização, discursos de autonomia e um chamado à sociedade para participar das ações deste novo modelo de se gerir o capital. Neste sentido, o terceiro setor passa a ser uma estratégia da Terceira Via com o objetivo de consolidar a si mesma através do espaço público não-estatal, que “são esferas da sociedade que não se encontram nem no mercado e tampouco no Estado” (ADRIÃO et al 2005, p. 142).

Nesta lógica da Terceira Via, as políticas públicas sociais não seriam mais de exclusividade do Estado, mas seriam repassadas para a sociedade civil organizada – o Terceiro Setor ou o chamado público não-estatal. O Instituto Ayrton Senna faz parte da materialização das políticas de Terceira Via e do conjunto das instituições que formam o Terceiro Setor no Brasil por meio de reformas que aparecem de maneira mais clara no Plano de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) em 1995 documentos que “define objetivos e estabelece diretrizes para a reforma da administração pública brasileira” (BRASIL, 2005, p. 9), direcionando, em nosso caso, os problemas da educação para a ineficiência da gestão pública, ou “a má gestão do ensino público” (MENEZES, 2001, apud LUMERTZ, 2007, p. 25). Neste sentido,

A reforma do Estado e do governo deveria ser um princípio orientador básico da política da Terceira Via – um processo de aprofundamento e ampliação da democracia. O governo pode agir em parceria com instituições da sociedade civil para fomentar a renovação e o desenvolvimento da comunidade (GIDDENS, 2001, p. 79 apud PERONI, 2006, p. 16).

A seguir, faremos uma discussão mais aprofundada sobre a Reforma do Estado, através do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) que, como orientador

básico das políticas da Terceira Via, propõe o estabelecimento de parcerias entre o poder público e a iniciativa privada (Terceiro Setor), integrando o Estado e a sociedade civil, sendo a parceria entre o Estado de Pernambuco e o Instituto Ayrton Senna baseada neste pressuposto.