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Com o tempo, uma nova palavra foi acrescentada ao vocabulário da sociedade para descrever indivíduos semelhantes ao nerd: geek. A associação da palavra ao universo nerd não é recente e é mais ligada à tecnologia. Geek, então, passa a se referir a uma subcategoria de nerd, os aficionados por informática. É interessante notar, no entanto, que um site criado na década de 1990 foi um esforço para explorar ainda mais subcategorias de geeks. O site GeekCode (http://www.geekcode.com/geek.html), criado por Robert A. Hayden, fornecia um questionário para que as pessoas preenchessem e descobrissem qual era o seu código geek. Era, ao mesmo tempo, tanto uma realização coletiva para o encontro de pessoas com gostos semelhantes quanto uma tentativa de mostrar que há um pouco de geek em cada um de nós (Figura 5).

Para alguns autores, os dois termos são utilizados indistintamente para representar o mesmo indivíduo. De acordo com Fernandes e Rios (2011), a palavra “geek”, originada do vocábulo “geck” (que significa tolo), também pode ser considerada um sinônimo de nerd. O dicionário Cambridge corrobora com esta definição, classificando-o como alguém sem habilidades sociais e aficionado por tecnologia.

Figura 5 – Tipos de Geeks

De acordo com outras obras, no entanto, há diferenças entre os termos nerd e geek: “o termo ‘geek’ aparece como sinônimo de nerd, mas sem a conotação pejorativa, e também como uma espécie de subgrupo. É usado mais frequentemente para designar jovens avidamente interessados em tecnologia, computadores, gadgets, etc.” (MATOS, 2011, p. 4). Lori Kendall (1999, apud TOCCI) afirma que a preferência entre a utilização de “nerd” ou “geek” varia de acordo com a região onde se encontram os indivíduos. Tocci (2007) vai um pouco além ao apontar a existência de uma hierarquia entre geeks e nerds, e que pessoas de grupos diferentes, mesmo em uma só cidade, podem entender estes termos de maneiras distintas. Para os fins deste trabalho, utilizaremos os dois termos como sinônimos, a não ser quando a diferença for explicitada no texto.

Independente da maneira como é chamado, o nerd atual aparentemente perdeu um pouco do seu caráter estereotipado; pelo menos no dia a dia, mas nas mídias a figura clássica ainda é bastante comum. Nugent (2008) cita como traços modernos o uso de camisas de heavy metal em tamanhos grandes, cabelos curtos e sem corte definido e um olhar distante. O que se observa, na realidade, é uma mudança da percepção sobre o nerd, tanto pela sociedade quanto por eles próprios. Esta transformação é semelhante à que Goffman (1988) discorre sobre estigmatizados desacreditados, ou seja, aqueles que possuem características distintivas visíveis, que se tornam estigmatizados desacreditáveis, cujas características não são evidentes. Um fator em especial pode ser apontado como um dos responsáveis pela mudança de perspectiva em relação a este grupo: o processo de ascensão da tecnologia e sua importância no desenvolvimento das atividades do ser humano. Na Sociedade da Informação, onde o conhecimento é uma mercadoria de alto valor, os nerds passaram a ser um grupo com elevado acúmulo de informações. Fernandes e Rios (2011) explicam esta transformação:

Crianças e jovens que mostravam interesses diversificados por várias áreas da ciência, cujas notas no colégio eram acima da média, e cuja inteligência e ironia peculiares os faziam vítimas de truculentos valentões, provaram que tinham o que era necessário para obter sucesso profissional no mundo capitalista. Na vida adulta ganharam o respeito de uma sociedade que, se reluta em aceitar a inteligência, aplaude o êxito financeiro e releva quaisquer excentricidades de nerds que deram certo na vida (FERNANDES; RIOS, 2011, p. 3).

Com isso, não só o grupo passou a ser mais aceito pela sociedade, como os próprios nerds começaram a assumir cada vez mais sua identidade, posicionando-se contra os preconceitos e, nesta trajetória, trazendo mais pessoas para o grupo. A autoconfiança gerada provocou uma evolução do conceito de nerd concebido anteriormente. O sujeito esquisito e

antissocial transforma-se em uma pessoa “descolada” e mais sociável, mantendo seu caráter aficionado por tecnologia e cultura pop. Alguns nerds tornam-se ídolos até para o grande público, como Steve Jobs e Steve Wozniak, fundadores da Apple, e Bill Gates, fundador da Microsoft.

Para Galvão, a utilização da palavra geek em contextos mais atuais reflete esta nova versão do nerd, bem menos carregada de negativismo que o termo anterior: “segundo esta nova definição, o nerd não necessariamente é antissocial e não possui a chamada aparência clássica; alguns podem ter um visual mais moderno, retrô ou até mesmo uma aparência desleixada” (GALVÃO, 2009, p. 2).

Esta mudança é perceptível inclusive em nosso país, como nos mostra Luiz (2011). Em sua análise sobre tiras cômicas brasileiras publicadas na internet, o autor observou que seu conteúdo tenta desconstruir o estereótipo negativo associado ao nerd nos últimos anos, além de também ter constatado que houve uma evolução no “conceito nacional do que é ser nerd e como esse público sabe se comunicar muito bem tanto dentro de seu próprio nicho quanto com as pessoas que não fazem parte desse contexto cultural, mas que cada vez mais deixam de lado a rejeição que marcou o início dessa ‘classificação social’” (LUIZ, 2011, p. 13).

Um exemplo da autoestima e autoafirmação restaurada é a criação do Dia do Orgulho Nerd, comemorado anualmente no dia 25 de maio. A data, também conhecida como Dia do Orgulho Geek, teve origem no ano de 2006, na Espanha, e é uma iniciativa que advoga o direito de toda pessoa ser um nerd ou um geek. O dia de sua celebração foi escolhido em homenagem à estreia do primeiro filme da série “Star Wars”, em 1977, uma das obras mais reverenciadas dentro do universo nerd. Além disso, na mesma data também é comemorado o Dia da Toalha7, homenagem à obra “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, escrita por Douglas

Adams, outra referência cultural importante para o grupo.

Ao analisarmos um pouco melhor a questão da autoafirmação do geek como tal, observamos que esta atitude iniciou o crescimento da cultura nerd. A partir do momento em que os membros deste grupo decidiram assumir-se como nerds, deram-se a possibilidade de escolher alguns estereótipos positivos para manter, como a falta de conformismo, a competitividade e a busca por novidades, e abandonaram os traços negativos atribuídos aos nerds, como as personalidades introvertidas e antissociais (TOCCI, 2007).

7 Na obra, a toalha é o item mais essencial para o mochileiro das galáxias, pois apresenta inúmeras utilidades,

Este clima mais favorável de aceitação dos nerds fez com que muitos quisessem se declarar como tais, mesmo sem sê-los. Nugent (2008) explica o apelo que os nerds têm como um grupo a ser copiado devido à sua naturalidade. “Rótulos” como “hippie” ou “punk” soam muito mais fabricados do que “geek”, e já foram tão mercantilizados que perderam sua atratividade. Segundo o autor, dizer, atualmente, que se é hippie não tem a mesma credibilidade de se dizer que é nerd, visão que nos parece um pouco radical, uma vez os movimentos hippie e punk surgiram através de manifestações sociais naturais que, em seguida, foram apropriadas pela mídia e só então passaram a ter este ar fabricado.

O autor acrescenta que a adoção da personalidade nerd é uma estratégia de defesa em uma situação de ameaça. Para as pessoas que são privilegiadas e estão em situações de poder, um dos piores cenários imagináveis é um onde não se esteja mais nesta posição. Quando há a possibilidade de isso acontecer, estas pessoas procuram ganhar empatia ao tentar se identificar e se relacionar com os oprimidos, no caso, os nerds, em uma manobra de renúncia da sua autoridade em benefício de trazer aos olhos de todos a minoria, os excluídos socialmente, pessoas que merecem mais atenção. Assim, os estigmas tornam-se instrumentos de normalização (GOFFMAN, 1988).

Afirmar-se como nerd, hoje em dia, também é uma maneira de dizer que o indivíduo é descolado sem fazer esforço, pois se preocupa mais com seu conteúdo do que com sua aparência (NUGENT, 2008). O raciocínio inconsciente por trás desta associação é mostrar que o indivíduo está tão distante do perfil real dos nerds que pode se vestir e falar como eles e, mesmo assim, não pertencer ao grupo.

Os clichês semiverdadeiros sobre o que os hipsters gostam brincam com a ideia de tradicionalismo. Eles conotam sofisticação e cosmopolitismo ao gritaram “Não somos cosmopolitas! Não somos culturalmente sofisticados!”. Esta é uma tendência, e um de seus aspectos é o florescer da “nerdice” como uma estética.8. (NUGENT,

2008, p. 120, tradução nossa)

Com a mudança da sociedade sobre os nerds e a acolhida de seu perfil pelas pessoas não-nerd, novos olhares foram atraídos para este universo. Aos poucos, os geeks foram deixando de ser personagens secundários em grandes produtos culturais massificados e passaram a ser protagonistas de suas próprias narrativas. Grandes veículos de comunicação publicam cada vez mais matérias sobre os nerds, não só explicando suas características para o

8 Texto original: The sort-of-true clichés about what hipsters like […] play with the idea of old school. They

connote sophistication and cosmopolitanism by screaming, “We are not cosmopolitan! We are not culturally sophisticated!” This is an […] trend, and one aspect of it is the flowering of nerdiness as an aesthetic.

público, mas também divulgando o estilo geek como uma nova moda. No próximo tópico, veremos um pouco mais da representação dos nerds na mídia.