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Regard de l’Onction Terrible e o contexto dos Vingt Regards sur l'Enfant-Jésus

3.3 Neumes rythmiques à luz da teoria dos conjuntos

Em relação à segmentação das alturas do Refrão 1, os conjuntos são formados principalmente por hexacordes, tetracordes e tricordes e a coleção de referência é o total cromático. A textura em duas camadas, superior e inferior, desempenhou um papel importante na segmentação das ideias musicais, que em nossa análise foi sempre guiada pela audição e execução do trecho musical. Na Fig. 114, quatro conjuntos principais são destacados nas cores roxo, amarelo, verde e rosa. Esses conjuntos representam as principais ideias musicais do Refrão 1, nas quais ressalta-se a recorrência da classe de intervalos 1 e 6.

Fig. 114: Exemplo da segmentação das alturas do Refrão 1 em quatro conjuntos. Em roxo, conjunto 6-Z10

(013457); em amarelo 4-8 (0156); em verde, o total cromático; em rosa, o tricorde 3-3 (014). Dentro do superconjunto verde, têm-se as apojaturas (circuladas em vermelho), que formam tetracordes 4-9 (0167), e os retângulos que formam os tricordes: azul, 3-4 (015), laranja, 3-5 (016) e marrom, 3-11 (037). Destaque para os

tricordes dos conjuntos verde e rosa por sua proximidade no mapa de encadeamento de tricordes Neumes

O conjunto amarelo é formado pela classe de conjuntos 4-8 (0156) e apresenta uma simetria inversiva, em que o Sib mapeia em Ré e o Lá mapeia em Mib (Fig. 115). Essa simetria fica bem clara na sensação físico-motora do pianista ao executar essa ideia musical.

Fig. 115: Exemplo da simetria inversiva do conjunto 4-8 (0156).

Dentro do conjunto marcado em verde têm-se as apojaturas circuladas de vermelho que são membros de uma mesma classe de conjuntos, 4-9 (0167), relacionadas por transposição a T4, T3 e T11, e também os tricordes marcados pelos retêngulos azul, laranja e

marrom que, juntamente com o tricorde do conjunto rosa, têm uma relação de proximidade no espaço de encadeamento de tricordes. De acordo com Straus, quanto menor a distância em semitons entre um tricorde e outro, mais próximos eles se encontram no mapa de encadeamento de tricordes (STRAUS, 2013: 119-120).

Essa proximidade analisada na partitura, também é perceptível auditivamente pela condução melódica e tem ligação com a ―cor‖ sugerida por Messiaen para esse trecho, indicada pelo irisé, que pode ser traduzido por ―furta-cor‖ ou por ―iridescente‖ (característico do que reflete ou mostra as cores do arco-íris), palavra que também descreve mudanças de cores. Em nossa interpretação da peça, procuramos destacar os três tricordes (azul, laranja e marrom) através de um toque enérgico e brilhante, realizado por dedos mais firmes e angulosos que procuram ―cantar‖ especialmente as notas mais agudas de cada tricorde dentro da sonoridade pianíssimo.

Outra segmentação possível nesse trecho, enfoca a ―macroestrutura‖ do Refrão 1 e é definida, especialmente, a partir da textura em camadas, do timbre e da dinâmica, consistindo em dois conjuntos, o roxo formado pela classe de conjuntos 6-Z10 (013457), já comentado anteriormente; e o amarelo, formado pelas alturas do total cromático (Fig. 116).

Fig. 116: Exemplo de segmentação de alturas no Refrão 1, priorizando a textura em camadas.

Essa segmentação também alude ao conceito de Messiaen de efeitos de ressonância, nesse caso, a parte superior como ressonâncias da parte inferior (MESSIAEN, 1944a: 44).

Estrofe 1 (c. 3-11). Logo após a apresentação do Refrão 1, segue-se a Estrofe 1.

Nessa primeira estrofe, com indicação de andamento Bien modéré, encontra-se a utilização dos neumas com ressonâncias e intensidades fixas, assim como indica sua designação, ―neumes rythmiques, avec résonances, et intensités fixes‖. De acordo com Messiaen, o uso de ressonâncias superiores e inferiores, é uma influência de suas aulas com Paul Dukas, o qual falava frequentemente sobre os ―efeitos de ressonância‖.

A Figura 117 traz a partitura da Estrofe 1 com a designação dos neumas rítmicos com intensidades fixas e as ressonâncias superiores e inferiores empregadas por Messiaen.

No Traitè de rythme, de couleur, et d'ornithologie, Messiaen descreve o emprego das ressonâncias da seguinte forma:

No 3º compasso: scandicus rítmico, com ressonância inferior e superior simultaneamente. No 7º compasso: torculus rítmico, com ressonância inferior nos 2 primeiros sons e ressonância inferior e superior no 3º som. No 8º compasso:

porrectus rítmico, com ressonância superior. No 9º compasso: pénultième com

ressonância inferior e finale com ressonância superior (MESSIAEN, 1996: 156, tradução nossa)121.

121 À la 3e mesure: scandicus rythmique, avec résonances inférieure et supérieure simultanément. À la 7e mesure: torculus rythmique avec résonanves inférieure pour les 2 premiers sons, puis résonances inférieure et supérieure pour le 3e son. À la 8e mesure: porrectus rythmique, avec résonance supérieure. 9e et denière mesure: pénultième avec résonance inférieure – finale avec résonance supérieure (MESSIAEN, 1996: 156).

Fig. 117: Primeira estrofe, com utilização de neumas rítmicos com resssonâncias e intensidades fixas. Messiaen, Neumes rythmiques (c. 3-11).

A partitura com três sistemas (Fig. 117) é uma característica das estrofes e funciona tanto como uma forma didática, própria das partituras de Messiaen, para esclarecer o efeito das ressonâncias fixas quanto para facilitar a leitura do pianista.

A segmentação das alturas em conjuntos mostrada a seguir influencia diretamente na concepção da forma dessa estrofe, uma vez que concebe os três primeiros compassos como geradores dos seis demais, resultando em uma forma de 3+4+2 compassos.

Na figura 118, uma divisão com cores demonstra a relação das alturas entre os três compassos iniciais (c. 3-5) e os demais (c. 6-11), em que os retângulos sólidos indicam compassos idênticos e os retângulos pontilhados os compassos com relações menos evidentes. Esse pensamento auxilia na compreensão formal do trecho e, consequentemente, facilita o processo de memorização do mesmo pelo intérprete. Ressalta-se que é no compasso 5 que ocorre a intergralização do material cromático, o que contribui para a definição desses três compassos (c. 3-5) como fonte geradora da peça.

Fig. 118: Três primeiros compassos da estrofe 1 como geradores dos seis demais. Os retângulos sólidos indicam

compassos idênticos e os retângulos pontilhados os compassos com relações. Messiaen, Neumes rythmiques (c. 3-11).

Na Figura 118, as relações entre os conjuntos marcados pelo retângulo verde referem-se à utilização de conjuntos Z-relacionados (STRAUS, 2013: 98-100), conjuntos relacionados por transposição (STRAUS, 2013: 86-88) e conjuntos com relações de subconjunto e superconjunto (STRAUS, 2013: 103-106).

Na Figura 119, os conjuntos marcados em amarelo são exemplos de conjuntos Z- relacionados, 7-Z36 (0123568) no compasso 5 e 5-Z36 (01247) no compasso 9; os conjuntos marcados em vermelho são membros da mesma classe de conjuntos 6-Z19 (013478) e se relacionam por transposição (T9) com 3 notas em comum Sol, Fá e Ré (Mi); os conjuntos

marcados em verde apresentam uma relação de subconjunto e superconjunto na qual a classe de notas em comum [Sol-La-Re] forma o conjunto 3-5 (016), muito recorrente em toda a obra; os conjuntos marcados em azul são idênticos nos compassos 3 e 11, formando o conjunto 4-6 (0127) e transposto a T10 sem um som no compasso 9, formando o conjunto 3-

Fig. 119: Relações entre os conjuntos dos compassos 5 e 9 (trecho da estrofe 1). Messiaen, Neumes rythmiques

(c. 3-11).

Relações de superconjunto e subconjunto também podem ser encontradas entre os compassos 4 e 11 (Fig. 120) e compassos 3 e 10 (Fig.121).

Fig. 120: Relações entre os conjuntos dos compassos 4 e 11 (trecho da estrofe 1). Messiaen, Neumes rythmiques

(c. 3-11). .

Fig. 121: Relações entre os conjuntos dos compassos 3 e 10 (trecho da estrofe 1). Messiaen, Neumes rythmiques

(c. 3-11).

Na Fig. 121, além da relação de subconjunto e superconjuntos encontrada na coleção de alturas dos dois compassos, percebe-se a recorrência da classe de intervalos 1 na melodia principal de ambos os compassos (marcado pela cor vermelha). Apontamos também a relação de proximidade e de transposição entre os tricordes que realizam o efeito de ressonância superior no compasso 10 (3-1 (012), circulados em roxo e 3-2 (013), circulado em verde).

Auditivamente, esses três momentos que pontuam o início de cada seção constituinte da microforma em 3+4+2 compassos da estrofe 1 se relacionam em seus conjuntos (marcado em vermelho na Fig. 118) e são percebidos também pela escuta do intervalo descendente de classe 1 em três momentos diferentes: no compasso 3 pela classe de notas Ré#5- Mi4, no compasso 6 pela mesma classe de notas e no compasso 10 pela classe de notas Solb5-Fá4.