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A transmissão de informação no sistema nervoso central (SNC) ocorre em regiões anatômicas denominadas sinapses que apresentam como principal característica a condução unidirecional dos sinais. As sinapses conduzem os sinais através de substâncias químicas, denominadas neurotransmissores. No neurônio pré-sináptico o neurotransmissor transmite o sinal ao neurônio pós-sináptico atuando em proteínas receptoras presentes em sua membrana. Dentre os neurotransmissores, a dopamina (DA), a serotonina (5-HT), a adrenalina e a noradrenalina, são classificadas como aminas biogênicas (GUYTON; HALL, 1998).

A DA, também denominada 3-dihidroxitiramina ou 3,4-dihidroxifenetilamina, é uma catecolamina metabolizada pelas enzimas monoaminooxidase e catecol-o- metiltransferase, resultando em ácido 3,4-dihidroxifenilacético (DOPAC) e ácido homovanílico (HVA). Enquanto a 5-HT, também denominada 5-hidroxitriptamina, é uma indolamina metabolizada pela ação das enzimas monoaminooxidase e aldeído desidrogenase, formando o ácido 5-hidroxiindolacético (5-HIAA) (RANG; DALE; RITTER, 2001).

As estruturas químicas da DA, 5-HT e respectivos metabólitos são apresentas da Figura 4.

Figura 4 - Estruturas químicas da dopamina, serotonina e respectivos metabólitos

O interesse na interpretação das concentrações pós-mortais de catecolaminas vem aumentando pelo fato destes neurotransmissores comporem o principal fator humoral relacionado às repostas ao stress. No entanto, a interpretação dos achados constitui verdadeiro desafio devido à variabilidade observada em relação à maneira de morte, às alterações pós-mortais e aos procedimentos médico-hospitalares. Apesar da variabilidade teórica relacionada às concentrações de catecolaminas, é necessário um estudo sistemático para estabelecer a aplicabilidade destes marcadores nas investigações pós-mortais.

Na tentativa de estabelecer alguma associação dos neurotransmissores, Zhu et al. (2007) realizaram estudo em 542 amostras de sangue cadavérico central e periférico proveniente de diferentes compartimentos e observaram níveis séricos de catecolaminas muito mais altos em amostras cadavéricas em comparação com os valores de referência clínica (adrenalina: < 0,1 ng/mL; noradrenalina: 0,1-0,45 ng/mL; dopamina: < 0,02 ng/mL), sendo que as concentrações foram acentuadamente mais altas no sangue da câmara cardíaca esquerda. Adicionalmente, foi observada pobre correlação entre as concentrações de adrenalina quando comparados os compartimentos câmara cardíaca esquerda, direita e sangue proveniente da veia subclávia; sangue proveniente da subclávia e veia ilíaca externa e câmara cardíaca esquerda e direita; câmara cardíaca esquerda,

DOPAMINA

ÁCIDO 3,4-DIHIDROXIFENILACÉTICO ÁCIDO HOMOVANÍLICO

direita e sangue proveniente da veia ilíaca externa, ou seja, quando comparados diferentes compartimentos de coleta do sangue central e periférico. Diferentemente da adrenalina e noradrenalina, as concentrações de dopamina apresentaram boa correlação entre sangue cardíaco e sangue proveniente da veia subclávia. Considerando o procedimento médico-hospitalar as concentrações de dopamina foram acentuadamente mais altas com diferença na média de valores maior que 100 ng/mL, p<0,001). No entanto, foi observada apenas uma leve tendência ao aumento das concentrações em relação ao aumento do intervalo de morte e foi observado decréscimo de adrenalina e dopamina, conforme o aumento da idade em indivíduos que não receberam procedimento médico-hospitalar. Não houve diferença nas concentrações de catecolaminas em relação ao sexo. O fato de as concentrações de catecolaminas em sangue cadavérico se apresentarem acentuadamente mais altas que os valores de referência clínica sugerem um enorme estresse ou avançada desordem neuronal relacionada à morte com processo de agonia (ZHU et al., 2007). Além de sangue, também é mencionada a utilização de humor vítreo para quantificação de catecolaminas, em estudo recente foi demonstrado que as concentrações de noradrenalina e dopamina foram significativamente diferentes em casos de ressuscitação cardiopulmonar, longo e curto período de agonia, sendo as concentrações decrescentes e proporcionais às três situações (WILKE et al., 2007).

A avaliação do perfil de catecolaminas também pode ser empregada no estudo de um fenômeno que vem sendo referido como excited delirium, excited delirium syndrome ou em português, síndrome do delírio excitado, termo este que vem sendo empregado para descrever uma síndrome caracterizada por delírio, agitação, hipertermia e um comportamento violento que geralmente culmina em uma morte súbita inexplicável. Apesar de não haver causa anatômica de morte em caso de síndrome do delírio excitado, foram mencionadas arritmias cardíacas induzidas por catecolaminas, asfixia por força ou posicional ou outros efeitos adversos cardiorrespiratórios causados por uso de armas de choque. Foi demonstrado que as vítimas da síndrome do delírio excitado apresentaram estado clínico instável com imediata piora e alto risco de óbito, mesmo em casos de intervenção médica ou quando a coerção física não foi utilizada na abordagem do indivíduo. O termo delírio pode ser definido como uma síndrome, ou grupo de sintomas causados por um

distúrbio de consciência durante o funcionamento normal do cérebro. No delírio hiperativo, ocorre uma mudança de consciência e resposta ao ambiente, que se manifestam como agitação, alucinações, desilusões e psicoses (MASH et al., 2009). A relação entre a síndrome do delírio excitado e mortes súbitas envolvidas com cocaína (COC) está baseada na capacidade do fármaco em causar descargas de dopamina no SNC. Como abordado, dentre as monoaminas cerebrais, a dopamina apresenta um papel importante nas propriedades de reforço dos fármacos de abuso e em particular da COC e da anfetamina, estes psicoestimulantes aumentam a concentração extracelular de dopamina por bloquear o transportador de dopamina nos neurônios terminais de dopamina (cocaína) e promovendo a liberação de dopamina intracelular (anfetamina). Em estudo realizado em camundongos geneticamente desprovidos de transportadores de dopamina (DAT-KO) e camundongos geneticamente normais (DAT++) foi demonstrado que a COC e a anfetamina aumentaram a concentração de dopamina no núcleo accumbens das duas formas genéticas de camundongos. Em contraste com estes psicoestimulantes, GBR 12909, um bloqueador específico do transportador de dopamina, falhou em aumentar as concentrações de dopamina no núcleo accumbens em camundongos DAT-KO em doses que foram efetivas em camundongos DAT++. O melhor candidato como substrato para os psicoestimulantes

que aumentam a dopamina no núcleo accumbens de camundongos DAT-KO seria o transportador de noradrenalina, sendo mais eficiente que o transportador de dopamina em aumentar a concentrações de desta catecolamina. De fato, no córtex pré-frontal de ratos, no qual há mais inervações de noradrenalina, a dopamina é depurada do espaço extracelular mais por transportador de noradrenalina do que por transportador de dopamina. Sustentando esta hipótese, foi verificado, no mesmo estudo, que a reboxetina, bloqueador específico de transportador de noradrenalina, aumentou as concentrações de dopamina no núcleo accumbens de camundongos DAT-KO, mas não em camundongos DAT++, sugerindo que camundongos DAT-KO apresentam uma expressão gênica maior de transportador de noradrenalina como alternativa pela ausência de transportador de dopamina. Adicionalmente, foi verificado que as concentrações de dopamina decorrente da administração de reboxetina não foram estatisticamente diferentes das concentrações decorrentes da

administração de COC (CARBONI et al., 2001). O que foi verificado em camundongos pode indicar uma direção numa possível comparação em humanos, nesta linha de raciocínio, seria possível haver indivíduos com menor expressão gênica de transportador de dopamina e maior expressão de transportador de noradrenalina, sendo este também um local alvo de ação da COC. Ainda em usuários crônicos poderia haver uma alteração em relação à expressão gênica sendo que a COC passaria a liberar mais dopamina por atuar tanto em transportador de dopamina como em transportador de noradrenalina, neste sentido pode existir a possibilidade de que no usuário crônico há maiores concentrações tanto de dopamina como de noradrenalina, assim a morte relacionada com a exposição à cocaína poderia ser causada por uma síndrome catecolaminérgica com concentrações variadas do fármaco dependendo da expressão gênica do indivíduo.