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2.2 Aspectos toxicológicos da cocaína

2.2.3 Toxicodinâmica e efeitos tóxicos

A cocaína (COC) é um potente estimulante do sistema nervoso central (SNC) que se liga aos transportadores de dopamina (DA), noradrenalina e serotonina (5- HT). O comportamento característico observado nos usuários, promovido por sensações de estímulo e euforia, em geral é atribuído ao bloqueio dos transportadores de dopamina (TDA) que resulta na elevação da concentração extracelular de DA na região do nucleus accumbens no núcleo da base, estando este mecanismo relacionado ao potencial de abuso deste fármaco (CARBONI et al., 2001; HOWS et al., 2004; RITZ et al., 1987). Foi verificado em estudo realizado in vivo, pela introdução de eletrodos em cérebro de ratos, o aumento da concentração de DA extracelular no nucleus accumbens 20 segundos após a infusão de COC com dose de 0,3 mg/kg, resultante da inibição dos TDA. Adicionalmente, a COC promoveu a acidez do tecido decorrente de sua propriedade vasoconstrictora que diminuiu o fluxo sanguíneo e, conseqüentemente a remoção de CO2 (HEIEN et al.,

2005).

Aproximadamente 75% da DA no encéfalo encontra-se na via nigroestriatal, cujos corpos celulares se situam na substância negra e cujos axônios terminam no corpo estriado. A segunda via importante é a via mesolímbica/mesocortical (corpos celulares do mesencéfalo), cujos feixes se projetam para o sistema límbico (Figura 3). A terceira via é a do sistema túbero-hipofisário, um grupo de neurônios que seguem seu trajeto do núcleo arqueado do hipotálamo para a eminência mediana e a hipófise, cujas secreções são por ele controladas. Há também vários neurônios dopaminérgicos locais no córtex olfatório e bulbo, bem como na retina (CHASIN; SILVA; CARVALHO, 2008).

O acúmulo de DA nos receptores pós-sinápticos D1 e D2 parece ser o mecanismo farmacológico pelo qual ocorre a euforia. A conseqüência do acúmulo do neurotransmissor é a indução dos receptores pré-sinápticos decorrentes do mecanismo de auto-regulação e subseqüente depleção do neurotransmissor. Da mesma forma, a estimulação adrenérgica parece ocorrer pelo mesmo mecanismo, sendo que no uso crônico, tanto noradrenalina quanto DA se tornam

significativamente reduzidas no cérebro. A diminuição da DA cerebral pode resultar em anormalidade das vias dopaminérgicas, levando a complicações psiquiátricas (CHASIN; SILVA; CARVALHO, 2008).

Várias regiões encefálicas apresentam sítios de ligação de cocaína (COC), mas quando classificado em termos de densidade de sítios de ligação o grupo formado por putamen, núcleo accumbens e caudato, apresenta maior densidade, seguido pelo grupo formado por tálamo, precuneus, giro cingulado posterior, amígdala, hipocampo e lobo temporal, com densidade moderada, sendo o terceiro grupo representado por córtex orbital, giro pré-central e cerebelo, com baixa densidade (FOWLER et al., 2001).

Figura 3 - Ilustração das vias dopaminérgicas no encéfalo Fonte: CNSfórum.com. Nota: figura modificada

A rápida distribuição da COC para o tecido cardíaco parece estar relacionada com o efeito cardiotóxico (FOWLER et al., 2001). Infere-se que há um sinergismo da ação simpatomimética (inibição da recaptação de catecolaminas) e anestésica (bloqueio dos canais de sódio). A inibição do influxo de sódio nas células cardíacas prejudica a condução do impulso nervoso, criando substrato ideal para a ação da noradrenalina de gerar taquicardia e eventualmente fibrilação ventricular. Essa ação adrenérgica é corroborada pela estimulação central do hipotálamo e medula que, além da taquicardia, originam constrição vascular periférica e subseqüente elevação da pressão arterial e velocidade do pulso verificado na intoxicação por COC (CHASIN; SILVA; CARVALHO, 2008). Adicionalmente, estudos demonstram que a COC inibe competitivamente os receptores muscarínicos M2 no tecido cardíaco e

cerebral, indicando que esta ação anticolinérgica tenha importante papel na cardiotoxicidade (FLYNN; VAISHNAV; MASH, 1992; MIAO; QUI; MORGAN, 1996; SHARKEY et al., 1988; SHANNON et al., 1993).

Além da ação adrenérgica, é referida a diminuição da produção de óxido nítrico (substância envolvida na vasodilatação) nas células endoteliais da artéria coronária, este mecanismo está envolvido com a mobilização de cálcio e com os níveis da proteína óxido nitrito sintetase (eNOS), sendo que cronicamente a cocaína foi capaz de diminuir a expressão desta proteína. Este efeito toxicodinâmico está relacionado com o vasoespasmo coronário de forma aguda e a diminuição dos níveis de eNOS (down-regulation), com a progressão das patologias da artéria coronária (HE; YANG; ZHANG, 2005).

Os efeitos da cocaína no SNC são dose-dependentes, baixas doses aumentam a estimulação e a atividade motora, doses moderadas causam o aumento do débito cardíaco; a hipertensão é resultado do aumento da resistência periférica (devido à vasoconstricção) e do aumento do débito cardíaco; ocorre também hipertermia. O efeito cardiovascular da COC baseia-se na ação simpatomimética, a artéria coronária torna-se mais sensível às substâncias vasoativas, com isto ocorre vasoconstricção e diminui o fluxo sangüíneo na coronária, podendo ocorrer arritmia ventricular, isquemia e infarto agudo do miocárdio (HE; YANG; ZHANG, 2005; KIYATKIN; BROWN, 2005; VONGPATANASIN et al., 1999).

Quando se aborda a via de administração respiratória da COC (fumada), é necessário considerar seu produto de queima, o éster metilanidroecgonina. Ainda pouco se conhece em relação à sua toxicodinâmica, mas foi proposto que apresenta efeito colinérgico no sistema nervoso periférico (SCHEIDWEILER et al., 2000), sendo observados hipotensão e efeito inotrópico negativo em miocárdio ventricular, decorrente da estimulação dos receptores muscarínicos ocorrendo, neste caso, a inibição da disponibilidade de cálcio durante o processo de excitação-contração, sugerindo que os efeitos cardiotóxicos da COC combinados com os efeitos do éster metilanidroecgonina, no caso da cocaína fumada, levam à complicação cardiopulmonar aguda mais intensa do que outras vias de administração (ERZOUKI et al., 1995).

Em indivíduos com polimorfismo genético, sensíveis à succinilcolina, a atividade da butirilcolinesterase plasmática é muito menor, o mesmo ocorrendo em fetos, crianças, idosos, gestantes e pessoas com doenças hepáticas ou que sofreram infarto do miocárdio. Potencialmente o efeito do fármaco poderá estar aumentado nessas populações (CARMONA et al., 1996; HOFFMAN et al.,1992). Adicionalmente a atividade enzimática vem sendo estudada como uma alternativa no tratamento da intoxicação da COC (CARMONA, 1999).