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CAPÍTULO 2 DESENVOLVIMENTO E POBREZA: DISTANCIAMENTOS E

2.2. NOÇÕES DE DESENVOLVIMENTO: BASE PARA ANÁLISE

As discussões anteriores sobre desenvolvimento evidenciaram que concepções, modelos, instrumentos e classificações, a despeito de muitas vezes textualmente ressaltarem a importância ou como objetivo último as pessoas - os seres humanos, deixam escapar que as propostas carregam determinadas visões que ou tipificam seres humanos, buscando diferenciá-los ou categorizá-los.

O entendimento consolidado a partir das leituras é que, ainda que ocultas e envoltas em construções teóricas e discursivas sofisticadas, as noções de desenvolvimento estão associadas a conceitos importantes que revelam relações de assimetria e exclusão.

Pela abordagem adotada neste trabalho, as discussões em torno do desenvolvimento, suas adjetivações e caracterizações, evidenciam uma preocupação maior em construir e justificar os próprios argumentos das distintas correntes e uma ênfase menor no questionamento sobre a quem ou a que se destinam os diferentes conceitos e esforços para o desenvolvimento.

Assim, para a análise de conteúdo que será feita sobre os ODM, o que se propõe neste momento é um modelo rudimentar de classificações sobre categorias de desenvolvimento que tem dois objetivos: i) apresentar uma referência que permita identificar quem ou o que é ou não desenvolvido; ii) submeter tal classificação aos documentos selecionados para a análise e que tratam de dois conceitos que parecem estreitamente associados: desenvolvimento e pobreza.

Além das leituras anteriores sobre desenvolvimento, a referência de análise foi concebida a partir da leitura e seleção dos seguintes verbetes do Dicionário de Política de Bobbio, Mateucci e Pasquino (2009), associados aos dois conceitos centrais deste trabalho

desenvolvimento e pobreza: i) Direitos Humanos; ii) Estratificação Social; iii) Ideologia; iv)

Igualdade; v) Justiça; vi) Manipulação; vii) Mito Político; viii) Organização Internacional; ix) Poder; x) Progresso; xi) Racismo e xii) Relações Internacionais.

Complementaram as noções que deram origem ao modelo proposto os verbetes do Dicionário de Desenvolvimento de Wolfgang Sachs (1992): i) Ciência; ii) Desenvolvimento; iii) Progresso; iv) Tecnologia.

A discussão pormenorizada de cada um dos conceitos requereria um trabalho à parte, o que ultrapassa as possibilidades de realização da presente pesquisa. Assim, para aprofundamentos sobre o tema, deve-se recorrer aos autores originais mencionados em cada um dos verbetes referidos.

Em cada uma das noções de desenvolvimento está associada a uma origem causal que, a depender dos argumentos, sinaliza determinadas concepções de mundo e apresenta determinados termos e adjetivos. Tais termos foram utilizados na análise preliminar dos textos

selecionados referentes ao ODM 1 e serão explicitados nas seções referentes a metodologia, análise e discussão dos dados.

Noções biológicas de desenvolvimento: procuram identificar características associadas a componentes biológicos de pessoas ou grupos. Os resultados ou constatações de ‘graus’ de desenvolvimento são atribuídos a componentes biológicos. Em geral, apresentam termos relativos a Sexo, idade, características físicas, condição de saúde.

Noções geográficas de desenvolvimento: vinculam nascimento, residência ou permanência em determinados locais c relacionados ao (não/sub) desenvolvimento. Apresentam termos relativos a continente, clima, país, região, estado, rural, urbano, centro, periferia, estrangeiro, nativo, migrante, imigrante, refugiado.

Noções raciais/ étnicas de desenvolvimento: identificam grupos ou indivíduos associados a determinados contextos de desenvolvimento que, em geral, apresentados de modo passivo em relação a suas características pessoais. Termos como preto, branco, indígena, pardo, mulato surgem associados aos argumentos e explicações.

Noções religiosas de desenvolvimento: presentes em análises comparadas, a associação entre matrizes religiosas e desempenho econômico, em geral, procuram comparar resultados e associá-los a determinadas lógicas, a arranjos característicos ou localidades de predominâncias religiosas específicas. Apresentam temos como Protestante, católico, cristão, muçulmano, hindu, budista nas contraposições e comparações de contextos e sociedades.

Noções econômicas de desenvolvimento: considerada a predominância do vetor econômico e das relações de mercado tipicamente capitalista, as abordagens econômicas consideram as assimetrias como consequências esperadas ou inevitáveis do processo de desenvolvimento. Nas construções argumentativas surgem termos relativos a posição social, situação de trabalho, emprego, setor formal e informal, autônomo, industrial, serviços, renda, riqueza, escravidão

Noções institucionais de desenvolvimento: chamadas genericamente de “boa governança” são identificadas como causa de desenvolvimento e seu oposto como origem de baixos desempenho, em geral, econômicos. Termos como Qualidade das instituições, bom governo, Estado forte são apresentados entre os argumentos.

Noções culturais de desenvolvimento: atribuem determinados resultados em termos de desenvolvimento a traços culturais de determinados indivíduos ou grupos. Surgem termos como cooperativo, competitivo, empreendedor, índole, caráter, alegre, triste, deprimido, engajado.

Uma das reflexões possíveis a partir desses conteúdos é que desenvolvimento e pobreza são muitas vezes encarados como fato dado, como uma situação determinística e não um processo sociohistoricamente determinado, produzido ou reproduzido por relações iteradas que reforçam determinados parâmetros e tendem a manter relações de exclusão.

Em outro sentido, determinadas características de cunho mais individual ou subjetivo – como religiosas ou culturais – podem servir de justificativa para a não adaptação de indivíduos ou coletividades a determinados modos de relação que tem sua forma de organização voltada a produzir resultados econômicos. Assim, indivíduos são classificados como indolentes ou incapazes por não produzir em determinado ritmo ou não atender a certos padrões de comportamento.

Essa é apenas uma das possibilidades de análise das muitas que, potencialmente, podem ser adotadas no trabalho de reflexão sobre as causas ou os determinantes do desenvolvimento. Ao que interessa a este trabalho, essas reflexões complementam-se com algumas considerações sobre pobreza e servirão, em conjunto, para identificar o modo como os discursos a respeito desses dois conceitos estão expressos no caso a ser apresentado.