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1. As Garantias de Defesa dos Militares

1.1. Noções Gerais

A interposição de recurso gracioso ou jurisdicional de atos administrativos que se traduzam na aplicação de sanções disciplinares no âmbito da instituição militar, advém da inclusão das Forças Armadas na Administração Pública, conforme decorre do preceituado no n.º 2 do artigo 1.º da LOBOFA180.

180O recurso contencioso de atos decorrentes do direito disciplinar militar, insere-se no regime geral de impugnação de atos administrativos, previsto no artigo 2.º do CPTA, panorama que contrasta com o sucedido noutros ordenamentos jurídicos, como no espanhol, que procede à separação do recurso contencioso disciplinar militar do contencioso administrativo, cfr. F. LÓPEZ RAMON Reflexiones sobre

A inconstitucionalidade do Recurso Hierárquico Necessário. Em especial, as sanções aplicadas no âmbito do Regulamento de Disciplina Militar

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A consagração das garantias administrativas em obséquio dos militares resulta ainda da previsão no n.º 4 do artigo 268.º, da CRP, que confere aos administrados a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e em razão da garantia específica que é dada ao arguido em processo disciplinar nos termos do no n.º 3 do artigo 269.º do texto constitucional. Recorde-se que o exercício do recurso contencioso surge como o último baluarte de defesa em matéria disciplinar, e é válido para todas as decisões disciplinares181.

Examinando o teor dos artigos 121.º a 125.º do RDM, rapidamente se conclui que os meios de impugnação de atos administrativos sancionatórios em matéria de disciplina militar não se distinguem grandemente das garantias que são dadas aos particulares, em geral182. Essa conclusão extrai-se em função da análise de todo o capítulo IV do RDM dedicado aos meios de impugnação, e que correspondem aos meios impugnatórios mais usuais no direito administrativo em geral, ou seja, a reclamação e o recurso hierárquico183.

A estas garantias administrativas soma-se o recurso de revisão, que apresenta bastantes similitudes com a figura do recurso extraordinário de revisão consagrado no CPP, e que permite que o militar possa mediante a observância de determinados pressupostos obter por parte da instituição militar a anulação do ato administrativo lesivo184.

el contencioso disciplinario militar», in Jornadas de estúdio sobre el Título Preliminar de la Constitución, vol. IV, Ministerio de Justicia, Secretaria General Técnica, Servicio de Publicaciones, Madrid, 1988 e ainda, no mesmo sentido, PEDRO T. NEVADO MORENO, «La función pública militar. Régimen jurídico del personal militar profisional» Marcial Pons, Ediciones Jurídicas Y Sociales, S.A, Madrid, 1997, pág. 461.

181Cf. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 947

182De acordo com a previsão do artigo 5.º da Lei n.º 11/89, de 1 de julho, diploma que fixa as Bases gerais do Estatuto da Condição Militar, em processo disciplinar são garantidos aos militares os direitos de audiência, de defesa que se desdobra em reclamação, recurso hierárquico e recurso contencioso. Sobre este assunto vide PAULO OTERO, As garantias impugnatórias dos Particulares no Código do Procedimento Administrativo, Scientia Ivridica, col. CLI, n.º 235-237.

183Para outras considerações acerca das garantias administrativas cfr. ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/ PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Comentado, vol. I e II, 1993.

184Cremos que a única grande diferença face ao regime geral é a ausência de recurso perante decisões de mero expediente, cfr. n.º 2 do artigo 121.º do RDM, em prol dos princípios da celeridade e simplicidade procedimental que presidem na instrução do processo disciplinar.

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No concernente aos trâmites gerais da reclamação e do recurso hierárquico, previstos nos artigos 121.º ao artigo 125.º do RDM, aparentemente não se vislumbram diferenças de maior comparativamente com o regime jurídico consagrado no CPA, conclusão veiculada em função da remissão expressa pelo legislador para a tramitação presente no procedimento administrativo em geral185.

Todavia, além das especificidades que iremos expor a respeito do regime jurídico desses meios de impugnação administrativa, existem todavia algumas dissemelhanças como a impossibilidade de se interpor recurso sobre as decisões de mero expediente186 em benefício da celeridade processual, condição que distingue a fase de instrução em processo disciplinar militar.

Sobre a proeminência dos princípios da celeridade e simplicidade processual, é ainda exemplo ilustrativo o facto de apenas ser admitida a passagem de certidões de peças do processo disciplinar em fase prévia à prática do ato administrativo sancionatório, unicamente tendo por base a tutela de interesses legítimos, conforme prevê o n.º 3 do artigo 76.º do RDM.

Somos da opinião que esse preceito legal apresenta uma constitucionalidade duvidosa, na medida em que não se considera razoável apostar um entrave ao direito de defesa do arguido, ficando este à mercê de uma apreciação hierárquica do que constitui ou não a defesa de interesses legítimos. Ademais, se tal pressuposto já se contesta no âmbito do acesso a qualquer ato ou documento administrativo decorrente da subordinação à previsão no n.º 1 e 2 do artigo 268.º da CRP, de forma ainda mais veemente se impõe o acesso aos autos no âmbito de um processo sancionatório como o procedimento disciplinar militar187.

185Para outras considerações acerca do regime das garantias administrativas, vide ESTEVES DE OLIVEIRA / PEDRO GONÇALVES / PACHECO AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, VOL. I e II, Almedina, 1993.

186Cfr. n.º 2 do artigo 121.º do RDM.

187Recorde-se que o TC, por intermédio do Acórdão n.º 80/95, veio já a considerar inconstitucional a recusa de passagem de certidões no âmbito de um processo de avaliação do foro militar, precisamente por violar o direito de acesso aos documentos administrativos, previsto no n.º 1 e 2 do artigo 268.º da CRP.

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