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Noções gerais sobre o acesso à justiça: assistência judiciária, assistência

CAPÍTULO I FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ACESSO À JUSTIÇA NO

1.2 Aspectos conceituais sobre o acesso à justiça

1.2.2 Noções gerais sobre o acesso à justiça: assistência judiciária, assistência

Conforme se observa através da análise doutrinária, a busca pela justiça é fato constante em nossa sociedade e desde os tempos mais remotos em que o ser humano passou a viver em sociedade, havendo a necessidade e preocupação de encontrá-la através de muitas tentativas.

Assim sendo, nos tempos mais primitivos não havia preocupação com a justiça, nem mesmo com o seu acesso, o termo aplicado era o da chamada vingança que foi historicamente dividida em: a) vingança divina, b) vingança privada e, c) vingança pública51. Nessas fases denominadas de vingança havia apenas a

preocupação com a reparação do mal praticado por membro da comunidade, não havendo defesa, e conseqüentemente, muitos respondiam e eram sacrificados com penas cruéis, mesmo inocentes.52

49CAPPELLETTI, Mauro, 1988, pág. 08. 50CAPPELLETTI, Mauro, 1988, p. 12.

51NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Ed. Atualizada por Adalberto José Q. T. de Camargo

Aranha. v.1. Introdução e parte geral. 31ª ed. Nos termos da Lei n. 7.209/84 e da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1995, p. 20-21.

Quanto à fase da vingança pública, esta era praticada por apenas um representante do povo, rei ou imperador, que mesmo na ausência de provas determinava penas cruéis a pessoas acusadas de cometer fatos considerados crimes para a época. 53

Posteriormente, quando o Estado proíbe as práticas das vinganças e se responsabiliza pela aplicação das penas é que então surge a função de fazer a justiça em seu aspecto estatal, criando-se assim também a necessidade de seu acesso de forma a conter o cometimento de injustiças ao criar mecanismos de defesa para todos aqueles considerados pobres, na forma de assistência jurídica gratuita.

Nesse sentido Cinthia Robert e Elida Séguin dizem que também “a origem da assistência jurídica gratuita perde-se na poeira dos tempos, pois é remoto o cuidado do Homem com o direito de defesa, para impedir que, em função da distinção de fortuna, sejam cometidas injustiças”. 54

Entretanto, antes de efetivamente falar-se em assistência jurídica gratuita é necessário destacar a diferença existente entre os termos acesso à justiça e acesso ao Judiciário. Assim, em grossas linhas, pode-se afirmar que o acesso à justiça é algo muito mais amplo e complexo do que o acesso ao Judiciário, visto que esse por sua vez é reflexo do acesso à justiça.

A estes efeitos, Ricardo Castilho ressalta que no “entendimento de Watanabe, para quem o acesso à Justiça é, mais que acesso à tutela do Poder Judiciário, acesso a uma ordem jurídica justa”. (KAZUO WATANABE, apud Ricardo Castilho, 2006, p. 14).

Por outro lado, é justo asseverar de modo complementar que, embora o acesso à justiça tenha carregado a visão aquém de sua real função, como por exemplo, ao isentar custas, taxas e emolumentos a todos que comprovarem miserabilidade, ainda assim, não é suficiente para diminuir as desigualdades, pois essas isenções refletem apenas um dos meios de acesso à justiça, ao facilitar ao cidadão também o acesso ao Judiciário.

O acesso ao Judiciário, como direito fundamental positivo, segundo Heliana Coutinho Hess, ocorre através da:

53Id., ibid., p. 20-21.

54ROBERT, Cinthia. Direitos humanos, acesso à justiça: um olhar da defensoria pública/Cinthia

“interpretação, por um órgão de poder judicante, de valores e interesses, que num dado momento histórico, preenchem as lacunas deixadas pelo conceito aberto e impreciso do termo jurídico acesso (alcance, entrada, trânsito) e à justiça (valor abstrato do justo, do bem, da virtude, do direito e da eqüidade).”55

Conforme já explicitado acima, o acesso à justiça não se restringe simplesmente à possibilidade de impetração de ações nos tribunais, o oferecimento ainda que precário, da sua gratuidade. O acesso à justiça, é muito mais que isso, pois esse acesso pode ser efetivado por tantos outros meios também informais e extrajudiciais, que resultem na resolução de conflitos. Neste mesmo sentido Horácio Wanderlei Rodrigues entende que:

[...] o termo acesso à justiça deve ser interpretado em dois sentidos, o primeiro, atribuindo ao significante justiça no mesmo sentido e conteúdo que o Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Esse último, por ser mais amplo, engloba no seu significado o primeiro. Ambos os conceitos são válidos [...] No segundo sentido, anteriormente expresso, o acesso à justiça não se esgota no acesso ao Judiciário e nem no próprio universo do direito estatal. É necessário, portanto, ter o cuidado de não reduzi-lo à criação de mecanismos processuais efetivos e seus problemas à solução desses. 56

Sendo assim, o mais importante não é tão somente ter o direito e mecanismos para ingressar com uma ação junto ao Poder Judiciário, mas implica também que o cidadão tenha real direito a uma justa justiça que, conforme Dinamarco, isso significa que:

O acesso à justiça representa mais do que o ingresso no processo e o acesso aos meios que ele oferece. Ou nas palavras de Kazuo Watanabe: ‘A problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. (DINAMARCO, 1994, apud Maria Aparecida Lucca Caovilla, 2005, p. 53).

Porém, quando o acesso à justiça é ao mesmo tempo o acesso ao Judiciário, Ada Pelegrini Grinover, que igualmente faz a referida distinção, entende que diante do processo deve haver garantias que são imprescindíveis, pois “na

55HESS, Heliana Maria Coutinho, 2004, p. 11.

56 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. – São Paulo:

exigência de o Estado garantir a todos igual acesso à Justiça”, coloca que a expressão acesso à Justiça não significa tão-somente o acesso ao Poder Judiciário, mas, mais que isso, também contempla “o acesso a um processo justo, o acesso ao devido processo legal”. (ADA PELLEGRINI GRINOVER, apud Ricardo Castilho, 2006, p. 14).

Neste sentido, no reconhecimento de idéias modernas, a cerca do acesso à justiça, Ricardo Castilho faz um breve paralelo ao também dizer que:

...a idéia de acesso à Justiça, hoje, significa não mais simplesmente o acesso à tutela jurisdicional do Estado. Mais que isso, traduz a exigência de que a ordem jurídica seja justa (como dissera Watanabe), e que o acesso seja generalizado, efetivo e igualitário (como dissera Cappelletti).57

A autora Silvana Cristina Bonifácio Souza em sua obra Assistência Jurídica Integral e Gratuita, se dedica a diferenciar as expressões “assistência judiciária”, “justiça gratuita” e “assistência jurídica”. Para ela, através de José Roberto de Castro, a:

“...assistência judiciária é, num primeiro plano, a faculdade legal que se assegura ao necessitado de ver o seu direito individual lesado apreciado pelo poder jurisdicional, para fins de reparação, sem que para tanto tenha que custear as despesas processuais”. (JOSÉ ROBERTO DE CASTRO, apud Silvana Cristina Bonifácio Souza, 2003, p. 55).

Esse mesmo autor citado por Silvana Souza considera ainda que: “num plano segundo, assistência judiciária é o órgão estatal encarregado de oferecer advogado ao necessitado, para o mesmo postular em juízo o seu direito”58. E

conforme Silvana Souza a expressa assistência jurídica representa assim:

“...todo e qualquer auxílio jurídico voltado para o necessitado, principalmente no que diz respeito ao aconselhamento preventivo, procurando eliminar o germe do conflito de interesses que, se não resolvido, chegará aos Tribunais. É, acima de tudo, um serviço jurídico consultivo ao hipossuficiente, com ampla orientação, assegurando a cidadania, a dignidade, o respeito à pessoa humana, bem como garantindo que a desigualdade social não seja fator de opressão”.59

57CASTILHO, Ricardo, 2006, p.14.

58SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Editora

Método, 2003, p. 55.

Silvana Souza conclui em breves palavras que a assistência judiciária “trata- se da concessão de advogado ao hipossuficiente, que também fica dispensado do pagamento antecipado de custas ou emolumentos” 60. Por outro lado, é importante

assinalar que a citada autora considera a justiça gratuita como:

“a isenção de todas as despesas processuais, como conseqüência da assistência judiciária. Compreende a isenção das taxas judiciárias e selos, emolumentos e custas, devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça, despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, indenizações devidas a testemunhas e honorários de advogado e perito, e, muito recentemente, despesas com a realização do exame de código genético – DNA, requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade e maternidade (art. 3° da Lei 1.060, de 05 de fevereiro de 1950, com o acréscimo do inciso VI feito pela Lei 10.137 de 06 de Dezembro de 2001).61

Assim sendo, percebe-se que a assistência jurídica é considerada como todo o benefício jurídico dispensado ao necessitado, incluindo prioritariamente, a orientação extrajudicial de forma inclusive de resolver o conflito, evitando sequer a apreciação do Judiciário.