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1.3 Glossário analítico

2.1.2 O processo de iniciação do médium espírita

2.1.2.2 No Hospital Espiritual Mª Claudia Martins

Os hospitais espirituais nesse quesito se distinguem fortemente da Fraternidade Peixotinho. A começar pelo motivo que leva à procura por esse tipo específico de recinto: a cura. Aqueles que optam por frequentar esses lugares são indivíduos que passam por processos de desordem que pode ser tano físicos quanto emocionais, psicológicos e espirituais. Tendem a tomar conhecimento da existência desses locais via conhecidos, familiares, amigos que são normalmente ex-pacientes ou até mesmo

trabalhadores-voluntários. Logo, o momento de iniciação em um hospital espiritual

está estreitamente relacionado ao tratamento espiritual pelo qual os indivíduos passam, pois nele todos os incômodos do recém-chegado são preenchidos com novos sentidos e significados a partir do instante em que ao receber o ‘diagnóstico’ dos doutores

espirituais106 são informados que possuem sensibilidade mediúnica107. Como aponta Prandi (2012) “ao longo dos períodos de consulta e tratamento, o paciente não espírita vai aprendendo uma nova maneira de explicar a dor, a doença, o sentido da morte e da vida, vai assimilando uma nova visão de mundo.” (P.82).

Aqueles que escutam dos doutores espirituais essas duas palavras possuem de antemão uma série de recomendações que já fazem parte do seu processo de iniciação. A primeira consta em fazer o tratamento geral comum a todos os pacientes, médiuns ou não, que consiste em assistir palestras públicas, receber passes específicos108, passar por cirurgias espirituais109 e ingerir água fluidificada, além das revisões a cada quatro sessões de tratamento consecutivas.

106

Espíritos desencarnados que são responsáveis pelos diagnósticos e tratamentos nos hospitais espirituais. Em geral possuíram a profissão de médico em alguma de suas reencarnações passadas.

107

Termo usado pelos membros do MCM para indicar que o individuo possui mediunidade ostensiva.

108

Para cada caso medicam uma compilação de diversos passes psicografados pelo médium receitista na ficha do paciente.

109

Quando necessário.

80 Dado certo momento110 começa o diferencial, a pessoa que possui sensibilidade

mediúnica recebe a liberação – durante uma revisão feita com o médico espiritual que é

responsável pelo seu tratamento – para frequentar111 o curso de medicina espiritual onde ocorre o segundo momento da iniciação. Nas palavras do dirigente:

“O Curso de Medicina Espiritual, que não ensina apenas as técnicas

fluídicas, mas todo um conjunto de informações técnicas de funcionamento dos plexos, inclusive conhecimento de manipulação fluídica de auto-defesa, é obrigatório para todo e qualquer trabalhador-voluntário - médium passista, médium de psicografia,

médium de psicofonia, médium doutrinador e médium receitista.”

O curso tem duração média de um ano e consiste em dois momentos:

1º - parte teórica: composta por aulas proferidas pelo médium-fundador do MCM na qual ele faz a leitura de um trecho da apostila112 e explicado através de exemplos que observou ao longo da sua experiência como trabalhador em centro espírita e nos hospitais espirituais. Os áudios das aulas são gravados e disponibilizados na homepage do hospital espiritual.

2º - parte prática: nesse momento os iniciados aprendem a aplicar os diversos estilos de passes, como fluidificar água, o uso dos eletrodos113 e algodão nos tratamentos, enfim; todas as técnicas necessárias para atuarem como médiuns dentro do contexto hospitalar. São orientados pela equipe formada por médiuns que já são trabalhadores do local e realizam as práticas entre si por meio de revezamentos – um representa o paciente e o outro o médium que realiza o atendimento.

110

Não possui uma periodicidade prescrita variando de acordo com cada paciente, pode ser poucos meses após o início do tratamento, ou até mesmo um ano depois.

111

Em boa parte dos casos observados os pacientes participam do curso sem ter recebido alta do seu tratamento, este passa a ocorrer no momento do passe antes das palestras educativas. São divididos dois grupos nesse momento: um que recebe um passe mais abrangente em um ambiente por trás de onde ocorrem as aulas do curso; e outro que é encaminhado para uma sala no primeiro andar onde são chamados pelo nome das suas fichas de receituário e lhes são aplicados os passes ali prescritos.

112

Recomenda-se que todos os participantes do curso adquiram o material na cantina do MCM ou tirem cópias. Pedem também que cada um leve uma mídia – CD, DVD, pen-drive, mp3 ou mp4 player – para que sejam passados os áudios das sessões. Incentivam os iniciados a lerem a apostila e a escutarem os áudios ao longo da semana – dentro do carro, com fones de ouvido no ônibus, nas suas residências.

113

Pilhas descarregadas.

81 Ao final do curso os iniciados são encaixados na escala de horários e funções114 do MCM, de acordo com uma das entrevistadas a escolha ocorre por determinação da equipe espiritual:

Todo trabalhador que passam aqui, ele tem curso de medicina espiritual que fez a revisão com a doutora e comprovada que tá apto a

trabalhar em qualquer setor. Porque aqui a gente não tem posto fixo

em setor nenhum. A médica não permite isso porque você ficar só naquele setor, vai se sentir já dona do pedaço. Por isso a gente tem que fazer de tudo, aprender de tudo. Depois dessa escala... Quem tá no passe vai para coordenação, quem tá na coordenação vai para o passe... Então, quem faz essa escala é a médica espiritual Dra. Cristina. Mas de acordo também com a nossa mediunidade, porque tem pessoas também que tem uma mediunidade que não é para aquele setor, aí também não é escalado para aquele setor. Porque isso nós somos muito avaliados pelo médico espiritual. Trabalhador nenhum faz trabalho sem a médica avaliar e dar o aval de que está em condições de participar daquele trabalho. Porque é um trabalho que tá em risco a nossa saúde e ela não quer ajudar e prejudicar os trabalhadores. (M.A., 53 anos).

Assim como na Fraternidade, não existe uma separação entre as tarefas executadas pelos iniciados, o desenvolvimento mediúnico ocorre concomitantemente ao trabalho voluntário dos médiuns nos atendimentos aos pacientes onde horários e momentos são diferentes e se encaixam na escala de atividades dos trabalhadores. Contudo, ao contrário da Fraternidade onde todos os médiuns passam pelo desenvolvimento em um mesmo ambiente e ali esperasse que suas aptidões se manifestem espontânea e livremente, no HESMCM existem horários e salas distintas para que ele ocorra e o foco são dois tipos de mediunidade: a psicografia e a psicofonia. De acordo com o dirigente N.C. e o médium fundador W. do MCM a separação ocorre para evitar mistificação e animismo, além de ser uma forma de garantir que as sessões transcorram da forma mais ordenada possível.

No contexto do Espiritismo essas duas preocupações se referem a falseamentos da comunicação mediúnica, sendo a primeira por parte do espírito comunicante – “tentativa de Espíritos inferiores de se fazerem passar por superiores.” (CAVALCANTI, 2008, P. 106) – e a segunda pelo médium. Podem acontecer tanto pela ação dos próprios indivíduos – encarnados e desencarnados – quanto pela ingenuidade e falta de experiência do médium em ter senso crítico quanto às comunicações que transmite:

114

Variam a cada três meses.

82 a interferência do Espírito do médium na comunicação espírita é antes que um empecilho, um dado, parte do desenvolvimento da mediunidade. O "será que é", "será que não é?" é, segundo os espíritas, uma dúvida que persegue o médium a vida inteira. Com o passar do tempo, o médium aprende a distinguir, mas o grau de "pureza" na transmissão de uma comunicação espiritual permanece sempre em alguma medida problemático. (CAVALCANTI, 2008, P. 108)

Apesar de existir a preocupação e o alerta constante quanto a essas questões em ambos os contextos pesquisados, somente no MCM foi criada uma metodologia específica para evitar que isso aconteça. Nesse local todas as psicografias são revisadas pelo dirigente do hospital espiritual e/ou pela pessoa responsável por coordenar a sessão em que são realizadas em busca de pequenos erros e falhas – na linguagem, na mensagem, nos termos usado, o nível de conhecimento sobre os assuntos abordados – que possam denotar a influência da personalidade do médium no que foi escrito.

Cabe aqui pontuar outros dois diferenciais do hospital espiritual, o primeiro se trata do fato de todos os médiuns dos hospitais espirituais serem considerados como portadores de mediunidade de cura e a colocarem em prática sempre que realizam as atividades nos tratamentos. O segundo ponto versa sobre a luminosidade das sessões, nenhuma ocorre na penumbra nem com luzes de cores diferentes da branca. O dirigente N.C. e o médium-fundador W. sempre reforçaram essa noção explicando que o médium comum – salvo o sonambúlico – precisa da luz para exercer as suas funções sem ter a sua visão prejudicada, e no caso dos iniciantes a pouca iluminação gera insegurança que pode levar a um bloqueio psicológico e eventualmente interferir no seu trabalho.

Neste processo de transição a passagem do iniciado do desenvolvimento

mediúnico115 para as reuniões mediúnicas116 ocorre novamente a partir de uma avaliação com a Dra. Cristina Santos e de acordo com o médium-fundador não existe uma periodicidade definida para esse momento:

115

As entidades que o médium incorpora são os pacientes desencarnados que já se encontram em tratamento no hospital espiritual. Os iniciados psicografam mensagens de despedidas desses internados, pois esses pacientes possuem a liberação para proferir uma comunicação aos seus parentes no momento em que recebem alta do seu tratamento.

116

Nas reuniões mediúnicas os trabalhadores-voluntários do MCM dizem lidar com todo tipo de entidade por meio de evocações. Logo, o grau de evolução e provável perturbação desses espíritos são considerados bastante variados, por essa razão somente aqueles médiuns que já possuem bastante treinamento e experiência podem participar dessas sessões.

83 De três em três meses todos eles são avaliados de novo pela médica espiritual. Aí, nessa avaliação ela vai perguntar a ele se ele tem facilidade de comunicação; se ele tem dificuldade na comunicação; o que é preciso para ele melhorar as comunicações dele. então, ele relata individualmente para médica espiritual, qual a dificuldade que ele está tendo na mesa. Então, essa dificuldade vai ser levada ao doutrinador para que venha a trabalhar ele para que o desenvolvimento dela seja tranquilo. Aí, o médium tendo passado pela reunião, como de tratamento de apoio espiritual que ela falou né? No mínimo ele tem que ter prática. Não é anos meses, entendeu? Ele tem que ter prática no que ele faz. Então, quem está numa mediúnica, mesmo que ele receba uma orientação, mas ele não domina a prática da comunicação ainda, ele não passa a comunicação sem falha... Ele pode estar ali há cinco, seis anos, para os médicos espirituais é desenvolvimento também. Ele não tem capacidade de sair dali ainda. Já existem outros que já traz isso na questão inata. Com três meses, ele sai dali com a reunião mais grave. Mas é dele próprio.

Porém, apesar da defesa da autonomia do médium sobre o seu próprio desenvolvimento, são os médiuns mais antigos e os doutores espirituais que avaliam e separam as comunicações entre perfeitas ou imperfeitas.

A dicotomia perfeição-imperfeição é muito cara ao Espiritismo, principalmente no que tange o processo evolutivo dos espíritos. Para os adeptos dessa doutrina existe um

ponto inicial, um ‘ponto zero’ no qual há uma igualdade inicial na imperfeição e no caminho que deverão percorrer; e um ponto final, ‘infinito + relativo’ (‘porque infinito absoluto só Deus’), que todos um dia, não importa quando, alcançarão, e que representa a possibilidade de uma igualdade na perfeição. (CAVALCANTI, 2008, P. 29).