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/ NO MAN IS AN ISLAND OU ILHA SABRINA

No documento Alimento Quase (páginas 85-90)

INHAME AU DIABLE + PÉROLA DE AZEITE DE AZEITONA GALEGA DA HERDADE DO FREIXO DO MEIO + CAVIAR DE PIMENTA DA TERRA + BANANA PÃO DESIDRATADA COM QUEIJO DA GRACIOSA RALADO + SMEN DE CHÁ VERDE E ORANGE PEKOE DA GORREANA + PIPOCA COM VINAGRE EM PÓ [FREI GIGANTE, BRANCO, PICO WINES] Dos Açores, trouxe o inhame que tanto pela amanteigada textura, quando cozido, como pelo sabor que nos transporta às terras ricas de enxofre, vale por si só.

No entanto, como sublinha John Dome, No man is an island entire of itself [128] e ao tubérculo juntaram-se sabores que partilham a mesma origem, a manteiga fermentada com chá da Gorre- ana, a banana e o queijo da Graciosa, o milho ou a pimenta da terra dentro de uma lapa e tudo sobre uma pedra, o basalto, característica das ilhas (Figura 36).

MOTIVAÇÃO E PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

No decorrer deste ano voltei aos Açores. Vivi dois anos em S. Miguel, entre 2003 e 2005 e foi o período, da minha vida, em que menos cozinhei. Ninguém me conhecia e, como todos cozinha- vam, pouco me aproximei da cozinha. Foi um presente. E o maior, foi provar aquele peixe que, para mim, continua a ser o melhor que comi.

Este ano, quando voltei, tentei conhecer mais de perto alguns produtos, o inhame, os minhotos (inhame pequeno), os bolos lêvedos, o queijo fresco em folha de conteira das Sete Cidades, as estufas de vidro do ananás e alguns dos restaurantes de que tinha memória. Começámos pelo Manel Cigano e os chicharros fritos imbatíveis. A farinha de milho bem frita e o peixe tão cro- cante. Da visita ao mercado da Graça, em Ponta Delgada, trouxe minhotos, queijo da Graciosa, bolos lêvedos, limão galego, pimenta da terra e pickles. Fui à lota de Rabo de Peixe e ao sr. Jorge do Porto Formoso que me deu um limão a que chamou de sírio e do qual, junto ao galego, fiz conserva.

Procurei, neste prato, reunir uma colecção de sabores que, juntos, se complementavam. Cozinhei os minhotos au diable [129], usando uma panela de pedra do Brasil. Os minhotos são lavados e colocados na panela com sal e açafroa e cozem sem água, com a tampa na panela. Esta cozedura permite que a humidade do próprio alimento o cozinhe. A textura do minhoto é muito próxima à de uma batata amanteigada e tem um sabor ligeiro, mas muito particular e característico. Para reunir os sabores da ilha, juntei um caviar de pimenta da terra, as pipocas lembrando o milho dos Açores e o vinagre em pó remetendo aos pickles, o azeite encapsulado para dar untuosi- dade, a crocância doce da banana desidratada com o picante do queijo da Graciosa e a manteiga em duas versões (Figura 37b).

Para a manteiga, fui buscar inspiração a Marrocos, onde reza a história que diz que quando uma filha nasce é enterrado um pedaço de manteiga que só se desenterra quando esta casar e, a esta fermentação, dão o nome de smen [130]. A manteiga é fermentada, à temperatura ambiente, com uma infusão de ervas e, quando atinge o sabor desejado, guarda-se no frio para parar a fermentação. Neste caso, usei chá verde e orange pekoe da Gorreana.

A proposta, era de temperar o minhoto com os vários sabores colocados na pedra negra, o ba- salto, onde foi servido este prato. A pedra negra a evocar os Açores (Figura 38). As pedras, foram, na maioria, recolhidas da praia do Abano, no Guincho, onde há predominância de basalto.

A história da ilha Sabrina [131] serviu de mote pela sua existência tão efémera e peculiar. Os ingleses, ao avistar a ilha, em Junho de 1811, colocaram nela uma bandeira, mas tratando-se esta de uma ilha efémera, extinguiu-se poucos meses depois, pondo fim à contenda de domínio com Portugal.

Primeiro chegou o menu. O menu era um origami, que ficava que nem uma ilha quando pousado sobre a mesa. Tinha impresso uma imagem da ilha Sabrina, impressão feita na Tipografia Mica- elense, por Júlia Garcia (Figura 37a).

O azeite foi oferecido pela Herdade do Freixo do Meio, azeite de azeitona galega, extra virgem biológico. Sabor suave, macio e com um frutado toque a maçã.

CRÍTICA

A combinação funcionou e, como proposta de futuro, gostava de repetir este prato para um maior número de pessoas. A ideia, depois deste trabalho, é que num espaço mais amplo, pode- ria ter uma mesa com a "ilha" de pedras, colocar ao lado as lapas com a pimenta da terra e, suspenso, um "candelabro" com o azeite encapsulado e todos os restantes ingredientes que o compõem. Assim, cada pessoa faria o seu prato que no final pousaria como uma ilha efémera (Figura 39).

TÉCNICAS USADAS

ESFERIFICAÇÃO DIRECTA (gelificação por difusão com alginato) [caviar de pimenta da terra] FERMENTAÇÃO de manteiga [smen]

ENCAPSULAMENTO DE AZEITE COM ISOMALTE [pérolas de azeite] DESIDRATAÇÃO [banana da terra]

Figura 39. Início da criação de Ilha Sabrina, colagem.

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MOMENTO 5

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COMER O CORAÇÃO + PAISAGEM HABITADA

[CAMARATE, BRANCO, JMF]

Podemos comer o som de uma paisagem? Este momento foi servido em dois registos diferentes. Um prato com o som do Poial (Comer o Coração), que continha uma "passa" de beterraba, o elemento principal,

acompanhada de um mosaico de texturas e contrastes. Um terrário de vidro (Paisagem Habitada) com terra comestível,

queijo de Azeitão e amores perfeitos. Uma pequena sinfonia que se fez em cânone, pelo som que cada prato emitia quando pousado. A mensagem, aqui, falava de autenticidade e de quanto a vida reverbera quando em harmonia.

O menu chegou em forma de coração, que escondia, no interior, a composição de cada um destes registos (Figura 40).

Figura 40. Menu (papel vermelho) e Comer o coração + Paisagem Habitada, CG.

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COMER O CORAÇÃO

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PASSA DE BETERRABA + MELAÇO DE ROMÃ + CONSERVA DE LIMÃO SÍRIO E GALEGO + PURÉ DE COUVE FLOR DEFUMADO COM CASCA DE COCO + ENDRO + PISTACHIO + FRAMBOESA LIOFILIZADA + MORANGO MARAS DES BOIS + MINI VAGEM DE ERVILHA DE CAVACA + CAMARINHAS

Comer o coração centrava-se na beterraba, o "coração" do prato. Foi cozinhada a vapor e pas- sou por um processo de desidratação e re-hidratação, com melaço de romã, ganhando uma textura semelhante a uma passa de ameixa. O exterior brilhante e com a acidez da romã e, o interior, macio e húmido. Foi servido acompanhado de todos os componentes, acima, nomeados e o prato, quando pousado, emitia o som do Poial que estava gravado em pequenos dispositivos de som, escondidos por baixo (Figura 41).

No documento Alimento Quase (páginas 85-90)

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