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Capítulo I – O Ensino da Música

1.2. Os primeiros Conservatórios

1.2.1. No Mundo Ocidental

Tendo em conta os textos de Plutarco, é possível que, em geral, durante o período greco-romano, o ensino da Música ocupasse uma parte menor do currículo escolar, uma vez que esta arte era ensinada no ginásio Ateniense. De facto, não é possível falar de uma formação de profissionais.

Contudo, no sistema de formação idealizado em Atenas verificámos um tratamento fundamentalmente indiferenciado entre o Ensino da Música e a Formação Literária, como se pode encontrar na “República” de Platão e que terá sido um dos elementos inspiradores do movimento da educação pela arte em Portugal (C. Gomes, 2002).

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Sobre as escolas romanas fundadas entre os séculos III e II a.C. pouco se sabe. Crê-se que existiram com base nos modelos adotados pelas suas congéneres gregas. As poucas referências existentes levam-nos a concluir que o Canto, a Dança e a Execução de Instrumentos Musicais fariam parte do curriculum, apesar de o legado da teoria educacional romana não ter sido minimamente importante ao nível da Música quando comparado com o legado deixado ao nível do ensino da Literatura e da Retórica. Tal leva-nos a afirmar que “Roma teve o mérito incontestável de reconhecer o valor da civilização e da educação gregas e transmiti-las. Mas, por sua culpa, são eliminados elementos importantes, como a ciência e as artes não literárias, pois só soube ver o lado utilitário das coisas” (Gal, 2000:43).

Ainda sobre esta temática podemos constatar que

(…) um padrão de instrução ao longo de vários séculos, a civilização romana será, em grande parte, responsável pela recuperação tardia da ciência, influenciando, mesmo, todo o ensino da música, após o advento do renascimento no século XV, e, ao nível das artes em geral, a perspectiva ainda hoje existente do seu estatuto menor ao nível do currículo escolar, fortalecendo desta forma as ideias de excepcionalidade que ainda hoje envolvem o ensino das artes em geral quando comparado com o ensino de outras áreas do conhecimento humano (C. Gomes, 2002:41).

A Igreja Católica, marcada pela cultura greco-romana, desde os primórdios que recorre à música cantada como forma de espalhar o verbo divino, tal como destaca o investigador.

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Este facto vai levar à criação da Schola Cantorum, em Roma, quando, na segunda metade do século VI, um ex-pretor romano, de seu nome Gregório (ca. 540 - †604), toma a iniciativa de se fazer monge beneditino e transforma a sua casa paterna em mosteiro destinado a albergar moços com as qualidades naturais indispensáveis à aprendizagem do canto a ser utilizado nas cerimónias religiosas. Este monge, eleito Papa no ano de 590, vai mais tarde desenvolver esta mesma formação, desdobrando o mosteiro criado inicialmente na sua casa paterna em duas escolas, uma anexa à Basílica de São Pedro e uma outra junto à Basílica de São João de Latrão. Estes factos históricos levam a que se crie um mito em redor do seu nome, mito este que lhe atribui um papel na «revelação divina» do canto litúrgico utilizado pela Igreja Católica e o qual leva a que este mesmo canto litúrgico passe a ser conhecido como «Canto Gregoriano» (C. Gomes, 2002:41).

Pelo ano de 787, em França, vemos nascer um sistema de estudos superiores nas escolas palacianas e, posteriormente, nas grandes escolas monásticas, onde se cultivavam as artes e o conhecimento enciclopédico. Durante o século XII, surge uma reação contrária a esta tendência defendendo o retorno ao ascetismo, encarnado nas reformas efetuadas pelas ordens de Cluny e de Cister. O ensino da Música é reforçado durante este período por vários tratados.

O ensino da música, impulsionado por tratados musicais que retratam toda uma sistematização teórica efectuada através das obras De institutione musica de Boécio (ca. 480 - 524) e Micrologus de Guido d'Arezzo (ca. 991 - ca. 1033), vão fazer perdurar a dicotomia Aristotélica da divisão de todo o conhecimento em teoria e prática, através do reforço da divisão efectuada entre música prática e música teórica, ou então aquilo que hoje chamamos de música formal e música não formal.

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Esta perspectiva que opõe estes dois conceitos vai ter reflexo, ao longo de toda a Idade Média e Renascença, na separação efectuada entre o ensino ministrado nas universidades – em que no quadrivium se inclui a música teórica a par da aritmética, da geometria e da astronomia –, e o ensino realizado nas escolas monásticas ou através do aprendizado, onde se ensina fundamentalmente a música prática (C. Gomes, 2002:41).

Ao nível das universidades, o ensino da Música, a exemplo da Universidade de Salamanca em 1254, das Universidades de Cambridge e Oxford, incluía, para além do estudo da música teórica, o estudo da música prática. Na Universidade de Colónia, em 1398, havia o requisito do estudo da Música em duas partes, ao que corresponderia uma parte teórica e outra prática. A este tipo de ensino eram conferidos, durante a Idade Média, graus em Música por algumas universidades europeias, os quais conferiam habilitação para ensinar.

Paralelamente a este ensino universitário, quer este visasse exclusivamente o ensino da música teórica, quer este já incluísse o ensino da música prática, desenvolveu-se uma forma de ensino profissional ministrado sobre a forma de aprendizado, quando este se destinasse ao estudo da música profana – prática esta cada vez mais frequente ao longo de toda a renascença (…). Alguns destes músicos eram aparentemente capazes de tocar simultaneamente um instrumento musical ao mesmo tempo que cantavam, lendo, para isso, o novo sistema de notação surgido nos inícios do século XIV. Tirando a prática e o ensino musical efectuado dentro da esfera eclesiástica, provavelmente este treino musical seria realizado através do regime de aprendizado, numa prática de transmissão oral, fazendo com que a este nível, não existisse ainda o ensino generalizado da escrita musical, algo que se irá manter fundamentalmente, durante algum tempo mais, como um apanágio da Igreja (C. Gomes, 2002:42).

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Estas estruturas no Ensino da Música irão manter-se até ao final do século XVII, altura em que se verifica o aparecimento dos primeiros Conservatórios.

Em Nápoles e em Veneza, entre os finais do século XVI e a primeira metade do século XVII, os fundamentos base até aqui expostos, sobre os quais o ensino da música se processa desde a Idade Média, manter-se-ão inalterados, apesar das diferenças e das particularidades existentes a nível local. De salientar que as universidades inglesas irão ocupar um lugar privilegiado neste domínio, sendo a música a única arte a ser aí leccionada numa universidade própria. Contudo e apesar das universidades inglesas atribuírem graus académicos em música, estas não mantêm um pessoal docente efectivo nesta área, sendo que os alunos estudam particularmente com os seus professores. No início do século XVII, os requisitos para a obtenção de um grau académico em música já se encontravam definidos, sendo que, por exemplo, um aluno candidato à titulação em música pela Universidade de Oxford, segundo o regulamento de 1636, deveria jurar que se tinha dedicado ao estudo e à prática da música durante sete anos, devendo ainda para o efeito compor uma peça musical a cinco vozes. Um outro aspecto importante, na massificação do ensino da música nessa época, é o papel desempenhado pelas Igrejas protestantes, se bem que os seus antecedentes possam ser já encontrados no currículo de inspiração humanista existente nas escolas do século XV. Tanto Calvino (1509 - 1564) como Lutero (1483 - 1546) vão encorajar o canto enquanto parte essencial da vida cristã, sendo que Coménio (1592 - 1670) introduz, na sua Didáctica Magna, o estudo da música nos planos da escola materna, da escola de língua nacional e da escola latina, nesta última visando quer a formação de músicos práticos, quer a formação de músicos teóricos (C. Gomes, 2002:43).

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Os primeiros conservatórios derivam de instituições laicas.

Por detrás de um conceito que vê a música como ocupando um papel de carácter social e educacional mais vasto do que aquele que era até então existente no ensino da música ministrado nas escolas erigidas junto das Sés e das Catedrais. De facto, a música torna-se numa actividade predominante em algumas instituições de caridade, nas cidades de Nápoles e de Veneza, durante os finais do século XVI e a primeira metade do século XVII. Estas instituições são orfanatos que tomam conta de crianças indigentes e que, nos seus primórdios, não desempenham qualquer papel educativo. Foram os Conservatórios Napolitanos os primeiros a descobrir que a música podia ser uma actividade lucrativa, possibilitando desta forma a sobrevivência, quer das instituições em si, quer das crianças por estes educadas que poderiam assim dedicar-se mais tarde à mendicidade (C. Gomes, 2002:44).

Durante o primeiro quartel do século XVIII, os conservatórios italianos exerceram uma enorme influência por toda a Europa, desencadeando o aparecimento de muitos dos músicos conceituados da época.

À semelhança deste tipo de conservatórios, surgiram instituições similares por toda a Europa como é o caso da Academia de Canto fundada em Leipzig, em 1771.

Contudo, estes conservatórios – financiados com os recursos provenientes dos serviços musicais prestados à comunidade, e, por vezes, contrariamente ao seu propósito inicial, ao pagamento de propinas por parte de alguns dos seus alunos –, entram em declínio nos finais do século XVIII. Tal declínio deve-se em grande parte, no caso dos conservatórios napolitanos, a fraudes e a má gestão, e, no caso dos conservatórios venezianos, à prosperidade decrescente dos últimos anos da República.

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Por altura da invasão napoleónica da Itália, em 1796, muitos destes conservatórios acabaram por ter que fechar e, apesar de alguns deles terem sido reabertos alguns anos mais tarde, nunca mais recuperaram a estabilidade e a fama que tinham alcançado alguns anos antes (C. Gomes, 2002:45).

Em 1783 surge a primeira Academia de Música em França – a Escola Real de Canto –, que representa uma primeira tentativa de se criar uma academia nacional financiada exclusivamente com dinheiros públicos.

Posteriormente, em agosto de 1795, durante a Revolução Francesa, nasce, em Paris, na sequência da Escola Real de Canto, o Conservatório Nacional de Música e de Declamação, com o objetivo de formar músicos de sopro destinados à participação em cerimónias públicas. É com base neste padrão organizacional que nascem os futuros conservatórios europeus.

Este novo tipo de padrão organizacional, encontrado no Conservatório Nacional de Música e de Declamação, de Paris, a partir dos finais do século XVIII, é caracterizado por um modelo de cariz nacional, livre de quaisquer objectivos ligados à caridade – objectivos estes que eram uma das características fundamentais dos primeiros conservatórios surgidos, em Itália, a partir de finais do século XVI –, sendo que o Conservatório de Música e de Declamação, de Paris, é fundado sobre uma base laica e até mesmo anti-clerical, emergente da Revolução Francesa então em curso. Dando um especial relevo ao ensino e à prática da música instrumental, a sua organização pedagógica irá ser constituída por três termos. O primeiro destes termos será dedicado ao estudo dos rudimentos e do solfejo musical; o segundo, ao estudo e à prática do canto e da música instrumental; e o terceiro, aos estudos teórico-musicais (C. Gomes, 2002:46).

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Este desenvolvimento dos conservatórios leva também a uma maior exigência organizacional. Sob esta perspetiva:

O maestro Di Capella era contratado pelo seu renome como compositor e administrador mais do que como professor, embora ele pudesse ensinar assuntos de natureza teórica. Era auxiliado por um núcleo de pessoal que incluía professores de cordas, sopros, metais e canto. Alguns deles músicos distintos ensinavam alunos avançados, membros do coro ou orquestra que, por sua vez, ensinavam os mais jovens a troco de vários privilégios (Arnold, 1995:19).

Em relação à formação dos currículos:

(…) são de salientar três grandes dimensões. A primeira relacionada com o início e a duração da aprendizagem musical, pela descrição de Burney, fica a saber-se que o seu início é relativamente precoce e a sua duração prolongada no tempo. A segunda dimensão diz respeito aos dotes especiais; se os alunos revelassem talento, seriam ensinados pelos melhores mestres ou poderiam entrar com idades mais avançadas, caso contrário seriam dispensados de estudar nos Ospedali. A terceira dimensão, em associação com os anteriores, relaciona-se com a assunção da excelência e o treino intensivo e persistente (Vasconcelos, 2002:38).

Na história do ensino da Música, os grandes avanços verificam-se graças à necessidade de a Música se afirmar enquanto meio de cultura na sociedade laica.

Até ao início do século XIX, as catedrais e as escolas monásticas eram as principais responsáveis pela música sacra e o ensino estava orientado para uma necessidade profissional particular e concentrava-se no ensino do

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canto e na leitura à primeira vista. Apenas um pequeno número de escolas manteve a música sacra. As orquestras profissionais e de amadores, que entretanto se foram formando no século XIX, criaram uma maior necessidade de músicos, fomentando a criação de escolas novas, algumas de carácter privado, outras sob a égide das autoridades nacionais. Assim, durante o século XIX, uma rede de conservatórios e academias foi sendo estabelecida. (…) Algumas destas escolas transformaram-se em musikschulen (escolas de música) nos finais do século XIX e outras mantiveram os títulos originais. Enquanto os conservatórios mantinham cursos para amadores e profissionais, as musikschulens concentravam-se fundamentalmente na formação de profissionais (Noll, citado por Vasconcelos, 2002:45).

Destacam-se, entre outros, o Conservatório de Madrid, fundado em 1830, o Conservatório de Berlim, fundado em 1882, Leipzig em 1843, Colónia e Munique reorganizados em 1867. Estas instituições e outras congéneres europeias deveram muito do seu êxito ao facto de terem sido dirigidas e tendo mesmo como professores compositores e músicos de renome, como são os casos de Mendelssohn, Hans Von Bulow, Schumann e Paganini. Estas entidades foram, ainda, responsáveis pelo melhoramento técnico e invenção de instrumentos, como é exemplo o saxofone.

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