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Capítulo I – O Ensino da Música

1.3. O Ensino Artístico da Música e a sua Didática em Portugal

1.3.1. Processo Histórico

Se formos ao encontro da História e da definição concreta daquilo que foi a Escola de Música no Conservatório Nacional, é na Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, sob a direção de Salwa Castelo-Branco, que encontramos a perspectiva na qual mais nos revemos.

Esta instituição, fundada em 5 de Maio de 1835, com a designação de Conservatório de Música anexa à Casa Pia foi integrada em 15 de Novembro de 1836 no Conservatório Geral de Arte Dramática que passou a designar-se, concedido o patrocínio real, Conservatório Real de Lisboa a partir de 4 e Julho de 1840 e até à instauração da República em 1910. A escola de música do Conservatório de Lisboa, herdeira da matriz oitocentista que lhe deu origem, viu começar o século sob uma nova dinâmica introduzida pela reforma decretada em 13 de Janeiro de 1898. Além de iniciar cursos gerais e superiores em todo o ensino instrumental e em canto, oferecia ainda aulas de música de câmara, orquestra, coro, língua italiana, história da música, literatura musical, sendo estas duas últimas disciplinas, assim como harmonia, de frequência obrigatória nos currículos superiores (C. Gomes, 2000).

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Já em 1901 apareceu uma nova reforma inspirada num estudo elaborado por Augusto de Oliveira Machado, diretor desta escola musical entre 1901 e 1910. Fazendo algumas adaptações à reforma anterior foi introduzida ainda uma aula de Acompanhamento ao Piano, que incluía leitura de partituras. A partir de 1902, voltaram a publicar-se seis números da revista do Conservatório Real de Lisboa, sob a direção de Eduardo Schwalbach, inspetor do Conservatório, com artigos sobre músicos portugueses, crítica musical e notícias da instituição. Com a implantação da República em 1910, a instituição passou a denominar-se Conservatório de Lisboa. Nas primeiras duas décadas do século, o Ensino praticado continuou a ser acusado de árido e desprovido de substância, conforme refere Colaço, em 1923. Destaque para a fundação do Museu Instrumental do Conservatório, em 28 de junho de 1915. Em 9 de maio de 1919 foi publicado o decreto n.º 5546, que viria a marcar decididamente a vida da instituição, fruto do trabalho de uma comissão constituída por António Arroio, que a presidia, Alexandre Rey Colaço, Miguel Ângelo Lambertini, José Viana da Mota e Luís de Freitas Branco, estes dois últimos logo nomeados, respetivamente, diretor e vice-diretor do, a partir daí designado Conservatório Nacional de Música.

Assim, a contribuição decisiva de Viana de Mota, regressado em 1917 ao País, parece ter dado origem a uma reforma que apontou no sentido de uma europeização de mentalidades, de objetivos e métodos.

Os currículos foram revistos e restruturados, actualizaram-se os métodos pedagógicos e programas, dando origem ao desenvolvimento de novas didácticas, introduziram-se disciplinas de formação geral, como História e Geografia, e específica, como Acústica e Estética Musical de modo a proporcionar uma formação cultural mais completa (Branco, 1987).

A frequência da Escola de Música do Conservatório de Lisboa teve índices de adesão extraordinários, atingindo em 1929/1930 um número de 1191 alunos (Cruz, 1985).

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A partir de 1920 foram publicados dez números da revista do Conservatório Nacional de Música, surgindo paralelamente uma Associação Académica do Conservatório Nacional de Música, que publicou, no ano letivo de 30/31, quatro números do Boletim de Música (Andrade, 1989).

Na sequência do 28 de maio de 1926 e do regime autoritário que se lhe seguiu, sublinha o facto de ter sido publicado em 14 de maio de 1930 um decreto que, sobre a capa da racionalização de recursos, subverteu e inviabilizou o projeto da reforma de 1919, extinguindo o grau de virtuosidade e ainda as disciplinas de Instrumentação, Leitura de Partituras, Regência de Orquestra, Francês, História, Geografia e Ciências Musicais (Decreto-Lei n.º 18/881, Art. 10.º). (…) A partir de então, o Conservatório Nacional passou a ser dirigido por Júlio Dantas, diretor do Conservatório Nacional de Teatro. À frente da secção de Música manteve-se Viana da Mota até ao seu afastamento, por limite de idade, em 1938. Desta medida resultou também um decréscimo significativo do número de alunos. Em 1939, Luís de Freitas Branco foi afastado compulsivamente das suas funções e Cruz assumiu a direção do Conservatório Nacional entre 38 e 1971, instalando-se, face à nova reforma, um regime de resistência em termos pedagógicos por parte do corpo docente e da mistificação de Viana da Mota e da sua obra pedagógica (C. Gomes, 2000:35).

Várias tentativas de revitalização do Conservatório Nacional foram ensaiadas ao longo destes anos, mas, como refere não foram aprovadas nem reprovadas. Célebre ficou a polémica desencadeada pelo jornal “O Século”, responsabilizando o Conservatório Nacional pela situação da crise que atravessava a vida musical nacional.

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Entre as iniciativas da Escola de Música do Conservatório de Lisboa salientam-se as de Colegian Musician em 1942, uma série de concertos assegurados pelos professores, os concertos de nova geração em 1947, promovendo ex-alunos, e a recuperação do espaço físico em 1946.

Apenas em 1971, na sequência da Primavera Marcelista, surgiu uma iniciativa que marcou, apesar de toda a sua indefinição, o início do processo de renovação de que o Conservatório Nacional tanto carecia: o chamado Regime de Experiência Pedagógica, decretado por Veiga Simão, então Ministro da Educação, e orientado pela comissão orientadora da reforma do Conservatório, presidida por Madalena Perdigão. As principais iniciativas passaram pela criação de três novas escolas: uma de Cinema e outras de Educação pela Arte e Dança, que até então funcionavam apenas como secções da Escola de Teatro (Cruz, 1985).

Nos anos 30, não obstante a criação dos Cursos Gerais a ministrar no Conservatório Nacional (Secções de Teatro e de Música), através do Decreto n.o 18881, de 25 de Setembro de 1930, gera-se um retrocesso que se mantém durante cerca de 50 anos, apesar de em 1971, no contexto da reforma do sistema educativo português, ter havido uma reorganização dos programas e a criação de novos cursos. Verifica-se que, no período salazarista, não ocorreu qualquer evolução no que concerne ao desenvolvimento curricular das artes, apesar de ter surgido, nos anos cinquenta, um movimento estimulado pela criação da Associação Internacional de Educação pela Arte que desenvolveu trabalho nesse sentido, com destaque para Calvet Magalhães e Alice Gomes. Até ao 25 de Abril de 1975, apenas há a realçar em «1957, (...) uma série de conferências de onde sai a edição da comunicação de Rui Grácio – Educação Estética e Ensino Escolar (...) e, em 1971, por iniciativa de Madalena Perdigão (...),

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um Colóquio sobre o projecto da reforma do ensino artístico», do qual resultou a reforma do Conservatório Nacional (C. Gomes, 2008:60).

Apesar das alterações de legislação relativas ao Ensino Artístico, podemos dizer que apenas no final dos anos 80, com a criação da nova Lei de Bases do Ensino, se desenvolve a verdade estruturação do Ensino Artístico, que a nível do Ensino Básico, quer mesmo no que concerne ao Ensino Profissional neste âmbito.

Desde então, começou por ser criado, em 1978, no Ministério da Educação, o Gabinete Coordenador do Ensino Artístico que apresentou, em 1979, um Plano Nacional de Educação Artística. Este plano nunca chegou a ser adoptado, pelo que era dos anos 30 a legislação que regulamentava o Ensino Artístico até à década de 80. Em 1983, ocorre a extinção dos Conservatórios, com o objectivo de inverter a estagnação verificada até essa época, surgindo o Decreto-Lei 310/83, de 1 de Julho, que reestrutura o ensino vocacional de Música e o insere nos diferentes níveis de ensino (básico, secundário e superior), em regime de ensino articulado ou integrado no básico e secundário e, integrado, no ensino superior politécnico. Este mesmo decreto reconverte os Conservatórios em Escolas Básicas e Secundárias e, inseridas na estrutura de Ensino Superior Politécnico, cria as Escolas Superiores de Música de Lisboa e do Porto. A LBSEde 1986, em vigor, consagrou a importância das Artes na Educação. Foram factos dignos de relevo neste contexto: o nascimento do projecto Escola Cultural em 1987, que é substituído, em 1989, pelo projecto A Cultura começa na escola, também desaparecido; a aprovação do Decreto- Lei 344/90, diploma quadro do Ensino Artístico, influenciado pela experiência anterior, sobretudo do Plano Nacional de Educação Artística de 1978; a ocorrência em 1991, na Maia, do colóquio «Educação Artística Especializada – Preparar as Mudanças Qualitativas», promovido pelo já

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extinto GETAPque «procura promover os decretos regulamentadores para as diversas áreas artísticas, na sequência do diploma quadro de 1990», atrás citado, decretos que «não passam da fase de proposta» (C. Gomes, 2008:61).

Outra medida tomada consistiu na abertura de uma secção da Escola Preparatória Francisco de Arruda para Ensino Integrado nas áreas da Música e da Dança e a uniformização dos planos de estudos em todas as áreas do ensino da Música (Lamas e Barbosa, 2000).

A secção de Música passou a designar-se Escola de Música do Conservatório Nacional, denominação que ainda hoje conserva. O extraordinário crescimento da população escolar fez com que, pelas dimensões do espaço do Museu Instrumental do Conservatório, tenham sido forçados a abandonar o edifício dos Caetanos, iniciando uma melindrosa e penosa excursão que só veria o seu fim com a fundação do Museu da Música, em 1994.

A eclosão do 25 de Abril de 1974 levou a uma alteração significativa na gestão do Conservatório Nacional, com uma primeira fase de eleição das comissões diretivas para cada escola, a criação de uma comissão de gestão para todo o Conservatório Nacional e, já em 78, a nomeação de um gestor por parte do Estado – consequência prática foi também a extinção de alguns dos aspetos mais marcantes de Experiência Pedagógica, nomeadamente o funcionamento do Ensino Integrado e a extinção da Escola de Educação pela Arte (Branco, 1987).

Em 1983, com a Escola de Música do Conservatório de Lisboa já autónoma em relação às restantes escolas, foi publicado o Decreto-Lei n.º 310/83, que integra o ensino artístico no modelo geral do Ensino, institucionalizando a Escola Superior de Música de Lisboa integrada no Ensino Politécnico, independente do Conservatório

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Nacional e equiparando a Escola de Música do Conservatório de Lisboa a uma escola de Ensino Secundário. No entanto, não foi sem polémica e dificuldades que estes desenvolvimentos se deram, tendo havido uma contestação muito significativa no seio da Escola de Música do Conservatório de Música de Lisboa e de outras escolas até aos inícios dos anos 90, quer ao nível da legitimidade da separação das escolas, quer ao nível da eficácia de integração no sistema geral de Ensino. Uma série de medidas legislativas pontuais procurou responder a estas questões até ser efetivamente realizada uma nova reforma (C. Gomes, 2000).

Dos documentos referidos podemos constatar que ao longo deste século, o Ensino Especializado de Música foi largamente atravessado por contradições, não só pela forma como foi encarado pela sociedade portuguesa, relativamente a estratégias, princípios orientadores e modelos de organização, como também por características internas do próprio subsistema em que, entre outras razões, cada um dos seus atores educativos acaba por defender a Educação como a quer entender, criticando qualquer outro tipo de metodologias/estratégias que não correspondam ao seu entendimento.

O Ensino Especializado da Música possui especificidades muito próprias, quando comparado com o Ensino Regular. Caracterizado por uma forte interligação entre a formação, produção e fruição, este ensino situa-se num campo onde interagem não só as áreas do conhecimento, mas também vários setores sociais, culturais e económicos, sendo um dos seus pontos fracos essa interação, tendo em conta que temos tendência a procurar grandes realizações em detrimento de um desenvolvimento sustentado, em que a lógica do presente e do efémero se sobrepõe à lógica “prospetiva”.

Ao longo das últimas décadas, as escolas de Ensino Especializado de Música organizaram-se sobretudo em torno da formação de instrumentistas. Considerando as mudanças que se têm operado, a grande velocidade e em quase todas as áreas, estes modelos já não dão resposta às atuais solicitações sociais, económicas, culturais, musicais e até de empregabilidade.

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Este tipo de ensino tem sofrido um aumento da procura, com o consequente alargamento da rede de escolas, que, no entanto, está alicerçado nos mesmos modelos de formação, o que, de certa forma, tem contribuído para a estagnação no desenvolvimento destas escolas, quer no âmbito da formação, quer nos percursos profissionais dos docentes e dos alunos (C. Gomes, 2000).

Apesar de todos os seus problemas, estas escolas podem e devem desempenhar um papel importante na regulação do “mercado dito cultural”. Contudo, não conseguem, por si só, resolver as assimetrias estruturais em que o mesmo se debate. Neste sentido, é importante a ação do Estado, impondo-se um investimento na articulação de políticas entre diferentes setores que possibilitem transformar, de facto, estas escolas em pólos de desenvolvimento local, regional e nacional. Como tal, cabe ao Estado a função de promover, apoiar e investir numa política pública no domínio da Cultura, designadamente neste tipo de ensino, no sentido do desenvolvimento da identidade e patrimónios nacionais.

Assim, pensamos que refletir o Ensino Especializado da Música numa sociedade em constante mudança – política, social, económica e cultural – implica também fazê-lo sobre a necessidade de se criarem projetos capazes para a formação de músicos – musicólogos, compositores, instrumentistas, docentes, técnicos de som, etc... – amadores e de uma promoção e divulgação musicais. É urgente resolver lacunas e problemas relacionados com várias áreas, tais como: inadequação dos currículos, programas desatualizados e, por vezes, inexistentes, legislação avulsa e completamente dispersa, instalações e equipamentos.

A resolução destes problemas deverá ser equacionada no contexto da clarificação, identidade e objetivos deste subsistema de ensino. No entanto, as mudanças que se verificam atualmente são de tal forma rápidas, que se torna imperioso poder pensar e desenvolver projetos e reformas a médio/longo prazo e que tenham em linha de conta

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as mudanças que se operam todos os dias na nossa sociedade, pois, se assim não for, corremos o risco de aprovar reformas que estejam já desatualizadas no momento da respetiva publicação (C. Gomes, 2000).

Mas, para melhor entender esta evolução, façamos uma breve resenha histórica das mudanças político-sociais.

Em oposição à ideologia monárquico-constitucional surge, em meados do século XIX, uma nova teoria política: o Republicanismo. Esta teoria assentava nos princípios da Liberdade, Fraternidade e Igualdade da Revolução Francesa. No entanto, a Monarquia Constitucional mostrava-se incapaz de encontrar soluções para a grave crise económica da década de 1890.

A 4 de outubro de 1910, inicia-se a revolução e os revoltosos proclamam no dia 5 de Outubro a República da varanda da Câmara Municipal de Lisboa. Desejando transformar a mentalidade portuguesa, os republicanos dirigem a sua atenção para a Instrução e para a Educação, consideradas peças fundamentais na prossecução dos seus objetivos. Uma grande instabilidade política, social e dificuldades económicas fizeram com que, em 1917, Sidónio Pais fosse apoiado na implantação de uma ditadura militar, que viria a cair um ano depois.

Os anos entre 1919 e 1926 foram marcados pela instabilidade política, pelo agravamento da crise económica e da agitação social. Os modelos dos regimes autoritários vividos em Espanha e Itália eram considerados os exemplos a seguir.

Todos estes fatores levaram a que, em 28 de maio de 1926, as tropas comandadas pelo general Gomes da Costa derrubassem o Governo, substituindo, assim, a 1ª República por uma ditadura militar (C. Gomes, 2002).

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No entanto, a instabilidade política e os problemas económicos persistiram, contribuindo para agravar o défice orçamental e a dívida externa. No seguimento desta situação, em 1928, Óscar Carmona, general e chefe do Governo, agora candidato único às eleições, foi eleito Presidente da República.

Este viria a convidar António de Oliveira Salazar para Ministro das Finanças que, por sua vez, através da sua política de rigor, viria a ser apelidado de “Salvador da Pátria”. Porém, a sua ambição era maior. Procurou estruturar um Estado forte, garante da ordem, em contraposição à desordem que considerava ter marcado o período da 1ª República.

Assim, este Estado baseava-se no reforço do poder executivo, na abolição dos partidos e sindicatos, na manutenção da censura, na existência de uma polícia política e na preservação dos valores tradicionais – Deus, Pátria, Família –, de modo a formar uma sociedade educada de acordo com a moral cristã (Deus), nacionalista (Pátria) e corporativa (Família) (C. Gomes, 2002).

Foi neste contexto que chegámos ao fim da ditadura militar e ao nascimento do “Estado Novo”, que terminaria apenas com a Revolução de 25 de Abril de 1974 – Revolução dos Cravos. A polícia política, reorganizada na década de 1930, passou a chamar-se, a partir de 1945, Polícia Internacional de Defesa do Estado – P.I.D.E. – e viria a ter um papel fundamental na consolidação do poder de Salazar.

Em 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas (M.F.A.) atuou com rapidez e precisão, pondo fim ao regime. Constitui-se então uma Junta de Salvação Nacional, presidida por Spínola, com a missão de governar o País até à formação de um Governo provisório. O Estado Novo deixara de existir.

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A manutenção propositada do analfabetismo, o dirigismo cultural e a censura constituíram os principais fatores que condicionaram o desenvolvimento das ideias em Portugal durante o Estado Novo.

Os “salazaristas” ressuscitaram a crença tradicional de que o povo português “não sentia necessidade de aprender”. A censura à imprensa foi instituída em 1926. Progressivamente, foi-se estendendo a todos os meios de comunicação: teatro, cinema, rádio, jornalismo e televisão. A censura tinha o grande mérito de evitar qualquer crítica ao Estado Novo e, essencialmente, impedia a criação de uma opinião pública contrária as ideologias do Governo.

A Escola foi considerada a instituição privilegiada para a formação do Homem – “Submissão” – que os novos princípios exigiam. Ela visou, acima de tudo, a doutrinação dos valores defendidos pelo Estado Novo: Deus, Pátria, Família e Autoridade.

Os portugueses chegaram a ter medo dos seus “próprios pensamentos”. Com o passar dos tempos, as coisas começaram a mudar, surgindo movimentos dissonantes do regime.

Veiga Simão, convidado por Marcelo Caetano para dirigir a pasta da Educação, apresentou ao País um projeto de reforma do sistema escolar. Contudo, o seu trabalho foi imediatamente dificultado e encarado com medo.

“Tão vasta e profunda transformação do nosso caduco sistema escolar (...) e que começou a ser executada imediatamente causou alarme e pavor entre os elementos tradicionalistas da nação” (Carvalho, 1986).

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O ministro parecia convicto de que a transformação social do País podia ser alcançada através do Ensino. O início do Governo de Marcelo Caetano, em 1968, levou alguns a pensar que chegara a hora da mudança. Contudo, era tarde, Salazar havia governado quarenta e oito anos.

Assim, não é de estranhar que o desenvolvimento da Cultura, durante o “salazarismo”, tenha sido imensamente prejudicado pelo controle sistemático do Governo e pela sua desconfiança em relação às correntes progressistas de espírito.

No tocante ao Ensino Especializado entre a 1ª República e a Ditadura, qualquer que seja o período que consideremos, a Música teve sempre o seu conjunto de normas, de princípios e de usos, quer no domínio do Ensino, quer no da execução e criação, ainda que, por hábito, os transgredisse. No entanto, é esta sistemática transgressão que tem permitido o processo de renovação.

Em 1835, resultante da revolução liberal, é criado o primeiro Conservatório de Música português. Este acontecimento marca o fim do monopólio das “escolas monásticas” e das “escolas das sés”, que formavam os meninos do coro, os compositores, os cantores e os instrumentistas indispensáveis ao brilho das cerimónias (Decreto-Lei n.º 5:546, de 9 de maio de 1919).

A nível oficial, o ensino da Música em Portugal passou a ser sempre subordinado ao Conservatório de Lisboa, que passa a ser designado por Conservatório Nacional em 1919. Uma leitura atenta Decreto-Lei nº 5:546, de 9 de maio de 1919, sendo Leonardo Coimbra ministro da Instrução Pública, permite-nos verificar o acentuar da hegemonia desta escola.

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Este documento realça ainda os processos antiquados em que o ensino da Música era ministrado, revelando múltiplas incongruências. Este decreto começa por dizer que a “organização do Conservatório de Lisboa era defeituosa” e referir a necessidade da sua remodelação:

Não havia composição, cadeira de instrumentação, nem aula de regência de orquestra. (…) Nas aulas em que deveria prevalecer o ensino individual (piano, violino, violoncelo, etc.), o princípio pedagógico da limitação dos alunos era duma tão esticada elasticidade que estes recebiam, quando muito, uma lição de dez a doze minutos por mês (Decreto-Lei nº 5:546).

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