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Nos capítulos anteriores abordamos dois aspectos essenciais ao nosso trabalho: o conceito de nobreza no Antigo Regime e o ordenamento social das Minas Gerais do Setecentos. Resta agora explorá-los conjuntamente, recorrendo às fontes documentais, no intuito de compreender as nobrezas naquela Capitania. Para tanto, deter-nos-emos na análise das trajetórias daqueles que buscaram ascender socialmente valendo-se também do sistema de remuneração de serviços510. Tais indivíduos foram selecionados dentre aqueles habitantes das Minas que enviaram suas petições ao Conselho Ultramarino com vistas a adquirir, pela “Real Grandeza do Monarca”, o título de cavaleiro das ordens militares, e assim conquistarem, segundo a terminologia forense de então, o status de

nobres civis511. Com os nomes em mão, diversificamos nosso espectro documental, procurando seguir o percurso desses homens que, mesmo nos recônditos do Império, tinham também o rei como sol.

Por tratar-se de uma documentação “oficial”, reveladora dos percursos trilhados para o enobrecimento legal, podemos notar como também na região das Minas os valores societários estamentais foram acolhidos e aplicados à consolidação das clivagens sociais. Porém, nossas fontes relevaram-se muito mais ricas do que supúnhamos inicialmente. Se a retórica predominante reproduz a mentalidade tradicional, pequenos detalhes da vida cotidiana emergem, já que também era avaliada pelos tribunais régios aquela “primeira face de nobilitação”, pela qual os súditos adquiriam notoriedade local. A historiografia mais atenta a esse ponto tem se socorrido, normalmente, de fontes como inventários, testamentos, certidões de batismo matrimônios, entre outras depositadas nos arquivos mineiros. Se em nossa pesquisa

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A inserção da Capitania de Minas Gerais no sistema de remuneração de serviços não tem se constituído até agora em foco de estudo privilegiado da historiografia sobre as Minas colonial. Exceção é o artigo, recentemente publicado, de Silva mas, em tão poucas páginas, não lhe foi possível abordar esse tema em profundidade, ainda que importantes questões foram referidas. Podemos lembrar ainda a obra de Carla Almeida sobre as elites mineiras e suas estratégias de ascensão local. Embora a autora dê destaque à história econômica e assim às possibilidades de acumulação de cabedal pecuniário, dedica um sub-item a tratar do “acesso às mercês reais”, com boas contribuições. SILVA, Maria Beatriz Nizza- “A Coroa e a remuneração dos vassalos”. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de & VILLALTA, Luiz Carlos (org)-

História das Minas Gerais. Op.cit, Volume 1, pp. 191-220. ALMEIDA, Carla- Homens ricos, homens bons...Op.cit.

511 A partir da leitura dos índices da documentação manuscrita do Arquivo Histórico Ultramarino referente à Capitania de Minas Gerais. BOSCHI, Caio C.- Inventário dos manuscritos avulsos relativos a

Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa). Belo Horizonte, Fundação João

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demos preferência aos acervos documentais de arquivos portugueses512, nem por isso deixamos de encontrar evidências de que esses vassalos antes de percorrer as estratégias legais de ascensão conquistaram a estima pública em uma localidade onde a hierarquização estava configurada também segundo características singulares. Sendo assim, porque nossas fontes permitem-nos caracterizar os critérios locais e reinóis que atribuíam nobreza, é que nos propomos a entender como esses interagiam, com o objetivo de saber se as qualidades nobilitantes nas Minas estavam ou não em conformidade com aquelas exigidas no Reino aos vassalos que pretendiam integrar o estamento aristocrático.

As solicitações de mercês régias pelos habitantes das Minas

Nos índices da documentação relativa à Capitania de Minas Gerais pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino podemos encontrar uma série de solicitações de mercês que, se atendidas, garantiriam aos requerentes um bom posicionamento na hierarquia social local. Uma grande quantidade refere-se à mera confirmação de cartas de sesmarias ou a provimentos de cargos administrativos e patentes militares, todos concedidos pelas autoridades mineiras. No entanto, a formação da elite política das Minas não dependia exclusivamente das redes de sociabilidade local, pois muitos postos da burocracia e do exército só podiam ser preenchidos mediante o consentimento régio, razão pela qual muitos vassalos dirigiam-se diretamente ao monarca com o intuito de serem nomeados para os mesmos. Tais súplicas são freqüentes e sua análise pode esclarecer como a doação de mercês dessa natureza permitiu aos órgãos metropolitanos controlar a administração colonial e consolidar o poder real. Da mesma forma, revelam- se altamente profícuas à compreensão das nobrezas nas Minas, na medida em que a concessão de muitos desses cargos e patentes podia atribuir nobreza aos que eram agraciados513.

Porém, ainda que a inserção na estrutura administrativa e militar régia ou local fosse uma alternativa para elevar o cabedal social, optamos por circunscrever nossa

512 Arquivo da Torre do Tombo e Arquivo Histórico Ultramarino.

513 Quanto às patentes militares, sabemos que os vassalos nobilitavam-se quando providos, no mínimo, ao posto de capitão. No que concerne aos cargos administrativos encontramos enorme dificuldade em elencar os que podiam conferir nobreza. Para além dos altos postos concentrados na Corte, os demais devem ser identificados muito mais pela qualidade das pessoas que neles serviam. Segundo Oliveira, os ofícios que nobilitavam eram aqueles que “de ordinário costumam andar em gente nobre”. OLIVEIRA, Luiz da Silva Pereira- Op.cit apud MONTEIRO, Nuno- “Notas...”. Op.cit, p.30; IDEM- “Elites locais e mobilidade...”. Op.cit, p.343.

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análise à trajetória dos súditos que se julgaram dignos de conquistarem um hábito de uma das três principais Ordens militares portuguesas: Cristo, Santiago e São Bento de Avis514. Tais pedidos não são muitos, contabilizamos 134 para todo o Setecentos, e sobre tal freqüência é preciso fazer algumas considerações515. Evidentemente, uma vez que se restringem a pouco mais de uma centena, podemos investigar tais casos buscando reconstituir as histórias de vida dos requerentes, com o intuito de saber quais eram as trajetórias mais freqüentes à nobilitação nas Minas e qual era o perfil deste grupo que desejava tornar-se cavaleiro.

Tabela 1

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