• Nenhum resultado encontrado

69

português não conseguiu acompanhar o ritmo desenfreado da chegada dos homens, que iam se organizando à sua maneira, conforme as circunstâncias exigiam247.

É certo que a partir da década de 1710, as autoridades metropolitanas tomaram medidas enérgicas para regulamentar uma ocupação que parecia não se pautar nos moldes desejados. A criação das primeiras vilas, a introdução do fisco, a organização das milícias remontam a essa década. No entanto, o sucesso de tal estratégia, se de fato ocorreu, não foi imediato. Boxer, por exemplo, entende que “a consolidação do controle da Coroa” ocorreu em 1720, “com a supressão da revolta em Vila Rica”248

e com a separação administrativa das Minas da capitania de São Paulo. A partir dessa década, também teve início uma maior fixação dos homens na terra, facilitando assim a ação estatal249. Mas desta opinião não compartilham muitos historiadores. O processo de institucionalização do poder português, para muitos, tem como marco a década de 30, com o governo de Gomes Freire de Andrada, quando a repressão aos motins do Sertão em 1736 finalizou a onda de rebeliões que explodiram nas Minas em seus tempos iniciais250. Numa vertente diversa, há quem duvide da eficácia das instituições portuguesas que nunca conseguiram aplacar a rebeldia cotidiana dos habitantes da Capitania, presente em todo o Setecentos251. Vê-se assim que a historiografia apresenta interpretações distintas sobre esse controle exercido pelo Estado, mas essa divergência não anula o consenso quanto ao fato de que nos anos iniciais do século XVIII a

247

“Como é freqüente nas áreas mineratórias, há a desordem inicial, pelo número de pessoas, por sua condição aventureira a aguçar a ambição, como também pelo vazio da área, até aí não objeto de atenções, e consequentemente, sem autoridades oficiais”. IGLÉSIAS, Francisco- Trajetória política do

Brasil (1500-1964). São Paulo, Companhia das Letras, 1993 p.63. Para Marco Silveira, a “ausência do

poder estatal” explica os distúrbios dos anos iniciais, como também, desde cedo, o conflito entre sociedade e Estado. SILVEIRA, Marco Antônio- O Universo do Indistinto: Estado e sociedade nas

Minas setecentistas ( 1735-1808). São Paulo, Editora Hucitec, 1997, p.25.

248 BOXER, C.R. - A Idade do Ouro no Brasil ( dores de crescimento de uma sociedade colonial). 2º edição, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969.

249 Para Costa, com a busca das “catas altas”, após a escassez do ouro de aluvião, a sociedade mineira consolidou-se. “Os homens passaram a radicar-se à terra. Organizava-se a sociedade e a justiça civil começava a firmar-se. Desde o fim da segunda década do setecentos grande parte da população das Minas já não vivia nômade. A concentração e a estabilidade dos trabalhos levaram os senhores a construir suas casas próximo às minerações e avolumou-se a constituição de famílias regulares”. COSTA, Irani del Nero- Op.cit- p. 36

250

SOUZA, Laura de Mello e- “Tensões sociais em Minas na segunda metade do século XVIII". In: Tempo e História. São Paulo, Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura, 1992, pp. 347- 366.

251 Para Silveira, se o poder português se estruturou de certa forma a partir de 1730, ele não conseguiu disseminar algumas formas de violência, tal como veremos adiante. SILVEIRA, Marco Antonio- “Guerra de usurpação, guerra de guerrilhas. Conquista e soberania nas Minas setecentistas”. In:

Varia História. Belo Horizonte, nº25, jul/01, pp.123-143. Boschi defende a idéia de que o controle

exercido pelo Estado, após os primeiros anos onde o caráter aventureiro foi predominante, restringiu-se à política fiscal, e não social, como sustenta Mafalda Zemella. BOSCHI, Caio Cesar - Os leigos e o

70

desordem reinou nas Minas, influenciando significativamente na formação de um corpo social “atípico”.

Uma formação societária singular?

Dentre as diversas explicações para essa atipicidade destaca-se na historiografia a composição social da sociedade mineira, na medida em que lá chegaram indivíduos de distintas ascendências e procedências. Tal diversidade residia não só na diferença de etnias e credos como também de naturalidade252, pois as Minas receberam indivíduos provenientes de todas as partes da América e também muitos portugueses do Reino que, motivados pela possibilidade de enriquecimento, estavam dispostos a atravessar o oceano. A intensidade dessa migração transatlântica não deve ter sido pequena, já que para contê-la, as autoridades metropolitanas sancionaram leis proibindo a saída de súditos para as Minas, temerosas quanto à possibilidade de despovoamento da Metrópole253.

No entanto, não é o número de reinóis que tem sido destacado pela historiografia. O que tem chamado a atenção, como um fator singular da sociedade ali existente, é sobretudo a sua composição racial, em particular o número elevado de homens de cor. Negros ou mulatos, escravos, forros ou livres, africanos ou crioulos, esses homens eram maioria254. As razões para tal superioridade numérica são muitas. Primeiramente, há de se considerar que no "movimento imigratório dirigido para as

252

Sobre o assunto ver : OLIVEIRA, Almir de- "A Sociedade mineira no século XVIII". In: 1º

Semana de estudos históricos: 'O Brasil século XVIII- o século mineiro'. Ponte Nova, Minas Gerais,

1972, p.40. SOUZA, Laura de Mello e- Desclassificados do ouro- Op.cit, p.66. VERSIANI, Carlos- Op.cit, p.116.

253

As primeiras leis proibindo a vinda dos portugueses para as Minas datam de 26 de novembro de 1709 e de 19 de fevereiro de 1711. Em 1720, a Coroa lançou mais um decreto, em março, “limitando drasticamente a emigração para o Brasil, que dali por diante só seria permitida com passaporte fornecido pelo governo”. BOXER, C.R- Op.cit, p. 72 Segundo Zemella "apesar das severas cominações de pena com que ameaçava os infratores, também não surtiu efeitos". ZEMELLA, Mafalda P- O Abastecimento

da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. 2º edição, São Paulo, Editora Hucitec, EDUSP, 1990,

p.50.

254 Tal como observou Paiva, para quem uma das características peculiares à formação histórica das Minas é “o grande contingente escravo e a significativa população forra nas vilas e arraiais”. PAIVA, Eduardo F.- Escravos e libertos em Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo, Annablume, 1995,p.18.

71

Minas coube significado dos mais expressivos ao afluxo do elemento africano”255

. Mas também a grande miscigenação que se processará na Capitania aumentará paulatinamente o contingente de homens com ascendência negra256. É claro que para que tal composição seja tomada como um elemento particularizante teríamos que dispor de dados populacionais não só desta região como de outras capitanias americanas para assim estabelecermos comparações. Ainda que tal análise comparativa seja dificultada pela escassez de censos no período257, fontes revelam-nos que em outras localidades da América portuguesa também era bastante elevado o contingente de homens de cor. Apenas para citar um exemplo, a cidade de Salvador, tal como relatada pelos viajantes europeus no final do século XVII e início do seguinte, contava com 95% de indivíduos dessa “espécie”, conforme a estimativa de Amédée François Frézier, em 1714258

. Ainda que possamos duvidar dessa porcentagem apresentada pelo engenheiro de Luis XIV, o fato é que a historiografia sobre a Bahia vem nos confirmar que, ao menos neste ponto,

as Minas não estavam sozinhas259.

De qualquer forma, não há como negar que nas Gerais esses homens representavam uma parcela significativa. Dados fornecidos pelo memorialista José Joaquim da Rocha revelam que em 1776 eles perfaziam 78% dos habitantes260. Tal porcentagem não deve ter sido menos expressiva nas décadas anteriores, ao menos é o que podemos concluir das fontes escritas por muitas autoridades locais que se queixavam desses homens “malévolos e desobedientes”, sempre associados aos atos de violência, que tornavam árdua a tarefa de governar a região. O conde de Assumar, em 1720, “percebia também que o grande número de escravos negros e a minguada

255 COSTA, Irani del Nero-Op.cit, p.26.

256 Dada a escassez de mulheres brancas e a miscigenação nas décadas iniciais de colonização, afirma Libby: “a miscigenação tornara-se inevitável e a mobilidade social de ex-escravas e seus filhos (frequetemente mulatos) um fato corriqueiro”. LIBBY, Douglas- “Filhos de Deus. Batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810”. In: Varia história, n31, Belo Horizonte, janeiro de 2003, p.74

257 “...foi somente a partir do século XIX que as estatísticas demográficas e econômicas tornaram- se mais confiáveis e sistemáticas, e passaram a ser consideradas fundamentais para a administração dos territórios metropolitanos e ultramarinos”. FONSECA, Cláudia- “Funções, hierarquias e privilégios urbanos- A concessão dos títulos de vila e cidade na capitania de Minas Gerais”. In: Vária História. Belo Horizonte, nº29, janeiro 2003, p.50.

258 FRÉZIER, A. F- Relation du voyage de la mer du Sur aux cotes du Chily et du perón, fait

pendant lês anées 1712,1713 & 1714 (paris, 1716), p.275 apud RUSSELL-WOOD- Escravos e libertos no Brasil Colônia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, p.19.

259

Idem, p.80; MATTOSO, Kátia- Ser escravo no Brasil. São Paulo, Editora Brasiliense, 1982. 260 ROCHA, José Joaquim da- Memória Histórica da Capitania de Minas Gerais. Apud SOUZA, Laura de Mello e- Desclassificados do ouro...Op.cit, p.141. Segundo Almir de Oliveira, em 1720 as Minas Gerais tinham 250 mil habitantes, destes apenas 100 mil eram brancos. OLIVEIRA, Almir- Op.cit, pp.41-2.

72

população de brancos fazia das Minas um barril de pólvora”261. A rainha D. Maria, em 1778, também se preocupava com a situação das Minas “cultivada com gente preta

bárbara da África e Guiné (...) e estando as mesmas Minas tão abastadas destes bárbaros, (....) inclinados só a fazerem o mal e matarem os brancos”262.

A forte presença dos homens de origem africana alarmava também a população civil e funcionários locais, que não escondiam o temor de serem vítimas da violência por eles gerada. Por volta de 1755, o cobrador dos dízimos da Vila e termo de Sabará, Cristóvão Pimentel Simas, mostrava-se preocupado com a ameaça representada pelos “negros fugidos” que andavam “em lotes grandes” e “comumente saem aos caminhos a

roubarem e matarem como a cada passo está acontecendo”. Alguma repressão aos

mesmos podia ser eficiente, já que “por cujas mortes, e roubos se acham os cartórios

cheios de devassas”263

. Contudo, não parecia ser suficiente pois “por mais que se justicem(sic) os facinorosos se lhe não pode dar remédio aos insultos que cotidianamente estão acontecendo”. O motivo pelo qual fazia Simas relatar tais casos

às autoridades era que “em razão de sua ocupação se lhe faz preciso viajar (...) costuma

conduzir ouros consigo a levá-los à Vila Rica a entregar na Fazenda Real” e assim

estava “correndo nesta forma o suplicante risco à sua pessoa, mas também ao

patrimônio Real que cobra, e conduz”264.

Além das preocupações em relação à violência causada por esses homens de cor, causava espanto aos contemporâneos, atentos à realidade mineira, a facilidade que estes encontravam para ascender socialmente, fosse libertando-se de sua condição escrava fosse conquistando prestígio entre os homens livres. Coube à historiografia acentuar tal traço, como mostraremos adiante, nem sempre concordando quanto às explicações, mas reconhecendo, consensualmente, que nas Minas uma nova ordem hierárquica estabelecera-se, com maiores oportunidades de mobilidade social, inclusive àqueles cuja ascendência poderia, segundo os critérios estamentais, ser um empecilho ao reconhecimento de sua notoriedade.

261 SOUZA, Laura de- “Tensões sociais....”-Op.cit, p.356. 262

Carta de D. Maria ao Governador das Minas em 09 de novembro de 1779. APM/SG 218 fls. 189 a 193. Apud ANASTASIA, Carla Maria Junho- Vassalos rebeldes: violência coletiva nas Minas na

primeira metade do século XVIII. Trabalho apresentado para o Concurso de Professor Titular na área de

História do Brasil. Departamento de História, FAFICH/UFMG, Belo Horizonte, 1995 (mimeo), p.125. 263 AHU/MG Cx:68 Doc 61. Da consulta das devassas tiradas ex oficio entre os anos de 1741-48 conclui Anastasia : “a grande maioria referia-se a tentativas de assassinatos de escravos, com armas de fogo brancas, na maior parte das vezes bem sucedidas. Foram também comuns defloramentos de crianças negras, incêndios, arrombamentos e destruição de propriedades provocados por bandos de negros armados.” ANASTASIA, Carla- Op.cit, p.133.

73

Interessada em revelar a complexidade da sociedade mineira, a historiografia, de diferentes formas, tem proposto uma revisão daquela dicotomia senhor/escravos, brancos/negros, por demais simplificadora para se entender uma realidade social muito mais diversificada e heterogênea. Afinal, tais polaridades não contemplam uma parcela considerável daquela população que compunha a camada intermediária, constituída por forros e homens livres, que não pertenciam às categorias sociais referidas antes265.

Desse grupo, as pesquisas têm dado destaque ao número excessivo de libertos, maior que em qualquer outra região da América portuguesa, sem, no entanto, comungar com as mesmas explicações sobre a alta incidência das manumissões. De qualquer forma, importa notar que a facilidade que os escravos encontravam para se verem livres do cativeiro e, posteriormente, inserir-se entre os homens livres, tem servido aos pesquisadores para evidenciar um dos aspectos singularizantes da sociedade mineira: a pouca relevância do critério racial como fator de distinção. Muito já se falou sobre o tema da alforria, mas se voltamos a ele agora é porque pode revelar-nos aspectos de enorme importância para a compreensão dos padrões hierárquicos vigentes nas Minas assim como as possibilidades de mobilidade social que ali eram oferecidas.

Segundo Eduardo Paiva, as alforrias nas Minas foram interpretadas nas décadas de 1960/70 como uma conseqüência natural da abundância do ouro naquela região, que teria beneficiado a todos, inclusive os escravos que, ao faiscarem por sua própria conta, conseguiam comprar a liberdade266. Tal interpretação harmoniza-se com uma vertente historiográfica, por muito tempo predominante, a qual descrevera a Capitania como uma “terra sem dono” onde a riqueza, democraticamente distribuída, fez com que ali se consolidasse uma sociedade sem hierarquias nítidas. É como se ali se instaurasse um “comunismo primitivo”, e seus habitantes, dadas à possibilidade de enriquecimento, fossem nivelados a um mesmo patamar social.267

265

Cid Horta, em sua conferência no Seminário de estudos mineiros em 1956, inicia assim seu texto: “Constituída de senhores e escravos, a sociedade mineira, no tempo da Colônia, oferecia pouco espaço para as classes intermediárias”. HORTA, Cid Rebelo- "Famílias Governamentais de Minas Gerais". In: II Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Minas Gerais, 1956, p.45. A historiografia mais recente posiciona-se diferentemente. Para Versiani, “a avalanche das „camadas intermediárias‟ e também dos „deslassificados‟ rompia com a ordem hierárquica estamental”. VERSIANI, Carlos- Op.cit, p.45. Para Libby, este considerável “setor médio” é uma das especifidades da sociedade mineira setecentista. LIBBY, Douglas- Op.cit, p. 82. Talvez a grande densidade desta camada explique porque em 1809 o número de homens livres, superava o de escravos em quase 50%. LEWKOWICZ, Ida- Vida em

família. Caminhos da igualdade em Minas Gerais (século XVIII e XIX). Tese de Doutorado São Paulo,

FFLCH/ USP, 1992. mimeo, p. 84. 266 PAIVA, Eduardo F –Op.cit, p.19 267

VASCONCELOS, Diogo- História média das Minas Gerais. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, Brasília, INL, 1974, p.151. RAMOS, Donald- A social history of Ouro Preto: stresses of dynamic

74

O Regimento das Minas de 1702 recorrentemente é lembrado como um importante indicativo de que a riqueza na Capitania era distribuída de forma mais igualitária, na medida em que determinava que as lavras fossem concedidas, primeiramente, aos descobridores, sem qualquer tipo de restrição quanto às suas qualidades sociais ou econômicas268. Da mesma forma, com o intuito de “aumentar o vulto global das exportações”269

de ouro, o mesmo Regimento incentivava a multiplicação dessas concessões, evitando assim que a riqueza pertencesse apenas a uma minoria270. Como conseqüência, nos primórdios das Minas as possibilidades de ascensão social eram muito mais amplas, inclusive para indivíduos que nada tinham além da sorte, dentre os quais podemos destacar os cativos.

A essa vertente interpretativa pertencem muitos historiadores cujas obras já se tornaram clássicas e que contribuíram para consolidar a imagem de uma capitania, em particular nos seus primeiros anos, em que a indistinção social explicava-se pela riqueza. Para Sylvio Vasconcelos, a atividade aurífera “não exige capitais de vulto, permite o trabalho individual, não se jugula a etapas periódicas, a não ser as de azar e sorte; é mínimo o desnivelamento social, assim como mínima é, também, a dependência da Metrópole para a posse final da riqueza de imediato conferida pelo automático poder aquisitivo proporcionado pelo metal; a riqueza não é concentrada, sendo raros os senhores de maior penúria”271

.

É certo que o esgotamento do ouro aluvial exigiu técnicas mais sofisticadas e custosas para se extrair o ouro, fazendo com que somente aqueles que tivessem um cabedal razoável pudessem dedicar-se à atividade aurífera. Da mesma forma, o

urbanization in colonial Brazil ( 1695-1726). Tese de doutorado, Universidade da Flórida, 1972. mimeo.

P. 271. 268

“No capítulo quinto do regimento, onde se regula o processo das repartições, diz-se que, achado um ribeiro de ouro, deve o guarda-mor, depois de interar-se da extensão da jazida, destinar ao seu descobridor duas datas diferentes: a primeira à guisa de mercê ou prêmio, e será onde o dito descobridor tenha feito a escolha, e a outra em sua qualidade de mineiro ou, como está no texto „lavrador‟”. HOLANDA, Sérgio- "Metais e pedras preciosas". In: História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I, 2º volume, Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1993, 7º edição, p.270. A distribuição das datas conforme o número de escravos que possuía o proprietário só ocorreria depois que o guarda-mor concedesse “data à pessoa que descobriu o Ribeiro”, para a qual também se daria “outra data como lavrador em outra qualquer parte que ele apontar por convir que os descobridores sejam em tudo favorecidos e esta mercê os animem a fazer muitos descobrimentos”. LUNA, Francisco Vidal- “Mineração: Métodos extrativos e Legislação”. In: Estudos econômicos. São Paulo, USP/IPE, nº13, 1983, pp.845-859. (os trechos citados reproduzem o Regimento de 1702) .

269 LATIF, Mirian de Barros- As Minas Gerais. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1960, p.78. 270

Carla Anastásia lembra que, não obstante o regimento de 1702 favorecer os descobridores, os “costumes vigentes nas Minas e os privilégios internalizados pelos vassalos acabaram por atropelar essa legislação”.ANASTASIA Carla Maria Junho-A Geografia do crime- Violência nas Minas

Setecentistas.BH, Editora UFMG, 2005, p.36.

75

estabelecimento do aparelho estatal, por volta da década de 1710, contribuiu para que aquela sociedade se refizesse “como se tudo estivesse para voltar às velhas normas universalmente aceitas”, como sustenta Sérgio Buarque272

. No entanto, para este autor, se “a escala é a mesma, contudo não são os mesmos indivíduos que se distribuem pelos degraus”, pelo que a imposição de uma norma externa não alterou substancialmente aquela estrutura movediça, que acabou por ser tolerada pelas autoridades, dada a “força do contágio”273

. Sylvio Vasconcelos sustenta opinião similar. Para ele, os efeitos daquela distribuição democrática da riqueza ocorrida até 1711 continuaram a se fazer sentir, mesmo quando o processo de estratificação social teve início. Porém, quando as “classes sociais” começam a definir-se com maior visibilidade, não foram os valores societários trazidos pelos colonizadores que influíram neste processo e sim os valores da burguesia (grupo que se tornará dominante segundo o autor), já que a riqueza continuara a ser o critério de diferenciação e continuará sendo por todo o século XVIII. Latif, ainda que reconhecendo a existência de uma nobreza, entende que “a abastança era(...), pois, a fornecedora de nomes à nobreza das Minas Gerais”274

. Tal interpretação sintoniza-se com a de Diogo Vasconcelos, que recorrendo à documentação narra como na década de 30 o governador da Capitania, Martinho de Mendonça, teve dificuldades de impor sua autoridade já que “ministros, oficiais, funcionários e magnatas sentiram-se humilhados em serem subordinados a Martinho que apesar de fidalgo era pobre”275

. Frente a essa pouca importância dada à sua fidalguia, surpreendeu-se o Capitão-general, que no dizer do autor, era um homem “habituado em Portugal, sociedade antiga, de costumes feudais, onde se respeitava a autoridade, e se veneravam os nobres, estranhou ele todo formalista, este meio licencioso, quase inimigo das Grandezas”276, tradicionais, é claro.

É essa imagem de uma Capitania próspera, com muito ouro a correr pelos rios e a preencher os veeiros, que ainda hoje predomina no imaginário do público leigo, sempre impressionado com as histórias de escravos que concretizavam o sonho da liberdade, comprando-a com o ouro que ilegalmente escondiam embaixo de suas unhas

272

HOLANDA, Sérgio Buarque- Op.cit, p.296. 273 Idem, ibidem.

274 LIMA JÚNIOR, Augusto- Op.cit, p.80. 275 Idem, p.97.

276 VASCONCELOS, Diogo- História média das Minas Gerais. Op.cit, p. 99. Para Carrato, depois das décadas iniciais também os ofícios administrativos e a formação na Universidade de Coimbra se tornaram vias importantes de ascensão social nas Minas. No entanto, a riqueza ainda é condição para que se possa seguí-las, como afirma o próprio autor: “a hierarquia estará na razão direta da riqueza do mineiro e, pois, da sua própria condição no Senado da Câmara de sua vila”. CARRATO, José F- Igreja,

Documentos relacionados