A MORTE DE UM LÍDER
SAPATARIA IDEAL de
8. O Noivado de Damião
Os fatos que originaram essa narrativa aconteceram em meados dos anos 1950, tendo como cenário a aprazível fazendo Alagoinha, de propriedade do senhor Francisco das Chagas Barreto Lima.
A estrutura da vivenda situada a 5km do centro da cidade de Sobral, era composta da casa sede, estábulos para o gado leiteiro e de corte, cocheiras e, quatro casas, para as famílias que trabalhavam na propriedade do Coronel Chagas Barreto.
Completava a infraestrutura do local um açude, de médio porte, usado para o lazer e criação de pescado, com uma capacidade de armazenamento de 900 mil m3 de água.
O dono da Alagoinha contava com os trabalhadores José Lins, Manuel Paula, Antônio Carolino e uma representante do sexo feminino, de nome Ana, encarregada dos serviços domésticos da casa-grande, da valorizada fazendinha.
A caseinha, Dona Ana, era viúva e mãe de três filhos.
Era uma mulher de fibra, que gozava da confiança integral dos patrões. Era a responsável pelos deliciosos queijos produzidos na fazenda, sendo considerada uma queijeira de mãos de ouro. Seu Chagas a chamava de xerife da Alagoinha. Criava galinhas, ovos e capote, que lhe rendiam um bom dinheirinho extra.
Dos filhos da governanta, destacava-se uma adolescente, conhecida, carinhosamente, de Nenê. Uma moça prendada na arte de corte e costura, e era dotada de rara beleza. Sabia ler e escrever, sendo a organizadora do livro-caixa da fazenda. Era, como se dizia, perfeita para o casamento!
Seu Chagas sempre vendia o gado de corte e os novilhos, crias do seu gado leiteiro, pra um comerciante de carnes de Sobral.
O marchante, cujo nome era Damião Cavalcante, proprietário
de um pequeno ponto no Mercado Público da Princesa do Norte. Trabalhador e um jovem homem sério nos negócios, logo conquistou a irrestrita confiança do poderoso comerciante, Chagas Barreto Lima.
Damião, que era solteiro, numa das vezes em que foi avaliar o gado do Seu Chagas, conheceu a filha da caseira, Dona Ana.
“Foi amor à primeira vista”!
Seu Chagas reconheceu a paixão que sentia Damião por Nenê, e, favoreceu a conquista, como padrinho, dando o seu total apoio, no sentido de convencer a braba Dona Ana dos bons sentimentos de Damião em relação à sua filha, passando assim, a frequentar da casa da encantadora Nenê.
Antigamente, era um procedimento normal pedir permissão para namorar. E, como mandava o figurino, após as garantias do patrão, sobre o caráter do pretendente, Dona Ana permitiu o namoro, aos domingos, do pretenso futuro genro.
O tempo foi passando, a confiança foi estabelecida, a sogra foi conquistada e o amor foi aumentando.
Quase todos os domingos (antes) e por que não dizer, todos os domingos (depois), o namorado aproveitava para almoçar na casa da Nenê, onde podia apreciar os dotes culinários de Dona Ana, comendo a famosa galinha caipira ao molho pardo, para deleite do paladar do futuro genro, que apenas no espaço de seis meses, chegou a engordar nove quilos.
O Varão, Chagas Barreto, também apreciador de uma boa cabidela de galinha pé-duro, começou a sentir dificuldade de comprar as penosas de Dona Ana, como era de hábito, sempre que voltava à cidade de Sobral, levava já mortas para Dona Sinhá fazer ao modo dela, o delicioso prato, de sabor inigualável.
Resolveu, então, investigar. Chamou o morador, Zé Lins, espécie de capataz-mor, da fazendinha, e perguntou:
– Zé Lins, será que estão roubando as galinhas de Dona Ana? Ela nunca mais ofereceu uns ovinhos de pé-duro e nem uns
franguinhos pra eu levar pra Sinhá….Tem raposa no galinheiro?
O capataz não titubeou:
– Num tem roubo e nem raposa, não senhor, Seu Chagas.
É o Damião Cavalcante, comendo as caipiras, todo domingo. É ele o raposão! O pior, Seu Chagas, é que agora, só resta o galo!
No dia seguinte, Seu Chagas mandou um recado para o marchante, Damião, solicitando que ele, à noitinha, fosse até sua casa, na Praça São João.
Como todas as famílias interioranas, principalmente em tempos passados, era muito comum as cadeiras na calçada, e o bate-papo entre compadres e vizinhos Muito bem instalado em sua cadeira de balanço, Seu Chagas avistou, ainda ao longe, a afilhado, Damião, que vinha atender ao chamado do padrinho.
Cordialidades foram trocadas, amenidades foram ditas, até o momento que o dono da casa puxou o assunto a ser esclarecido.
– Damião, o papo sobre o próximo inverno tá muito bom, mas me responda olhando nos meus olhos...Seja macho!
Quais são suas verdadeiras intenções para com a Nenê, a filha da comadre Ana e minha protegida?
Como era de se esperar, diante de tão grande imprensado, Damião, engasgou, tossiu e suando frio, gaguejou:
– Co co cocoronel Chagas, são as melhores possíveis!
O velho Coronel apertou o braço do aflito Damião e disparou:
– Esse namoro tá demorando demais! Acho melhor o amigo ir logo marcando a data do casório, porque resta somente um galo no terreiro da tua futura sogra, e esse, é para o almoço do próximo domingo.
O pretenso noivo, quase sem voz, argumentou:
– Co co cocoronel, esto esperando firmar o inverno para noivar e casar em fins d’aguas. O dono da Alagoinha deu uma gostosa gargalhada e comentou:
– Damião, Damião, vamos antecipar “as alianças”, pois depois do galo, só vai restar o papagaio Rafael, da Dona Ana. Ô bicho de carne dura é papagaio! O amigo vai encarar?
Damião, com cara de nojo, levantou-se e saiu em disparada rumo á sua casa.
No dia seguinte, ao passar pelo Mercado Público, Seu Chagas Barreto foi abordado por um conhecido:
– Coronel Chagas, o Damião Cavalcante já disse que vai casar no próximo mês, para não ser obrigado a comer o papagaio da sogra!
Seu Chagas narrou para o ouvinte toda a inusitada história.
A gargalhada foi coletiva! O causo se espalhou rapidamente, pelo Mercado Público de Sobral, provocando acesso de risos nas pessoas, para desespero do zangado Damião Cavalcante.
No mês seguinte, o Vigário da Igreja da Sé, Monsenhor Domingos Araújo, realizou a cerimônia de casamento de Damião e Nenê, sendo o alpendre da casa-grande da Alagoinha, o cenário que abrigou o momento tão esperado e festivo. Órfã de pai, foi conduzida ao altar, improvisado, pelas mãos do seu padrinho, o Coronel Chagas Barreto Lima.
Enquanto a festa acontecia, no poleiro da cozinha de Dona Ana, o papagaio Rafael, repetia, sem parar:
– Damião...Damião...Damião como Rafael não, come não, come não...