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2 REVISÃO DA LITERATURA: O QUE NOS DIZEM AS PESQUISAS QUE DIALOGAM

3.4 NORBERT ELIAS EM DIÁLOGO E EM APROXIMAÇÃO

Com base na perspectiva elisiana entendemos que os documentos, sendo eles oficiais ou não, revelam as mudanças na sociedade, à maneira a qual ela é compreendida e até mesmo como

os diferentes indivíduos/grupos entendem a si mesmos. Ou seja, a análise documental pode nos ajudar a retratar a autoimagem e a composição social dos indivíduos que formam a sociedade (ELIAS, 1994). Nessa visão, os documentos expressam diferentes pontos de vistas, lutas, conquistas, perdas, equilíbrios de poder, entre outros. A base conceitual de Elias aponta que a sociedade nada mais é que uma pluralidade de pessoas interdependentes. Desse modo, entendemos que os documentos podem desvelar essa teia de interligações que originam configurações específicas da dinâmica social em curso.

Para Elias, os laços socialmente estabelecidos constituem elos que ligam as pessoas e formam uma longa cadeia de atos, que se materializa em ações, que não se constituem como obra de planejamento de uma única pessoa ou grupo, mas como resultado de suas interdependências. Portanto, esses laços sociais não se modificam e nem se rompem "[...] pelo simples giro de um anel mágico, mas somente até onde a própria estrutura dessas dependências o permita" (ELIAS, 1994, p.22).

Desse modo, a perspectiva figuracional de Norbert Elias propõe a superação de análises unilaterais, focadas no indivíduo e preocupa-se com as relações sociais. Nesse contexto de análise, analogamente, tentamos superar a ideia do orçamento público como uma peça financeira estática de mera alocação de recursos. Por outro lado, o entendemos como um importante indicador empírico que assinala as variações específicas no modo como as pessoas são pegas nas cadeias de interdependências instituídas por relações funcionais que não consegue controlar.

De fato, a perspectiva elisiana pressupõe que os indivíduos não são como "[...] postes sólidos entre os quais, posteriormente se pendura o fio dos relacionamentos" (ELIAS, 1994, p.25). Nesse sentido, compreendemos que o orçamento - por meio de seus programas, ações e subfunções - não são gavetas abertas esperando para serem preenchidas com recursos públicos.

Em associação, Elias (2005, p. 144), observa que o estudo das relações humanas não deve ser condicionado pelos dados estatísticos e afirma que

[...] hoje em dia, as exigências da estatística muitas vezes ditam o modo como os sociólogos põe as suas questões. Frequentemente, o tipo de estatística apenas se presta à investigação do comportamento de muitos indivíduos separados, imaginando-os como sendo absolutamente independentes uns dos outros.

Entretanto, o autor completa: "Isto não significa que não haja lugar na investigação sociológica para os estudos estatísticos que lidam com características comuns do comportamento dos membros de certos grupos. Estes são em muitos casos indispensáveis" (ELIAS, 2005, p. 114). Obviamente, o estudo das interpenetrações sociais não se realiza apenas com os dados orçamentários, no entanto, acreditamos ser um importante passo para compreensão das configurações sociais estabelecidas, principalmente, devido à complexa interpenetração de pessoas que são implicadas pelo orçamento.

Elias (2005) nos alerta que o resultado de determinado planejamento humano - no nosso caso o resultado orçamentário da Educação Especial - não existe independente das relações dos indivíduos. Pelo contrário, representam uma longa cadeia de atos interdependentes e que em determinado instante se encontra representado num documento. Dessa forma, cada decisão por mais simples que pareça, seja ela velada ou não, foi marcada por tensões que expressam, direta ou indiretamente, uma ordem sui generis.

Devido à complexidade do estudo das inter-relações humanas, optamos por concentrar nossa análise na execução das despesas da subfunção orçamentária da Educação Especial, para estudá-la mais de perto e tentar tornar mais compreensível a relação social entre o estado do Espírito Santo e Instituições Especializadas. Cabe lembrar que para Elias (1994, p.25):

Não se compreende uma melodia examinando-se cada uma de suas notas separadamente, sem relação com as demais. Também sua estrutura não é outra coisa senão a das relações entre as diferentes notas. [...] Deve-se começar pensando na estrutura do todo para se compreender a forma das partes individuais.

Nesse contexto de análise, tentamos superar a ideia do orçamento como uma peça financeira estática, de mera alocação de recursos e o entendemos como um importante indicador empírico que assinala as variações específicas no modo como as pessoas são apanhadas numa rede de relações (ELIAS, 2005)10. Desse modo, compreendemos que o orçamento público - por meio de seus programas, ações e subações - não são simplesmente gavetas abertas esperando para serem preenchidas com recursos arrecadados pelo Estado. Contrariamente, o orçamento público expressará às prioridades assumidas, os grupos, as regiões e os setores que mais se beneficiam a partir do o que, do quanto e de como a administração estatal utiliza os recursos públicos (OLIVEIRA, 2009).

10

Norbert Elias não se dedicou aos estudos ao orçamento, entretanto, consideramos que a Sociologia figuracional representa um auxílio para formular perspectivas de análise sobre o orçamento público.

Trabalhando nessa perspectiva, no próximo capítulo apresentamos algumas reflexões sobre os debates e embates relativos à sociodinâmica que deu legitimidade a contratação dos serviços de atendimento educacional das Instituições Especializadas no Estado do Espírito Santo.

4 DEBATES E EMBATES: EDUCAÇÃO ESPECIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL

Recentemente as questões relativas ao papel da administração pública na garantia da escolarização para pessoas com deficiência, vêm ganhando espaços cada vez mais evidentes no campo das lutas desenvolvidas pelos movimentos sociais e nos espaços universitários. Em decorrência dessas lutas e debates, algumas indicações legais ganharam direção específica em diferentes documentos aprovados em território brasileiro, especialmente no curso da primeira década do século XXI. Desde então, o debate gira em torno de alguns preceitos constitucionais: educação como direito de todos e dever do Estado e da família; possibilidade e limites da colaboração da sociedade na educação; e as formas de financiamento para a educação escolar (CURY, 2008; ADRIÃO, 2009; PINTO, 2014).

Neste capítulo, apontamos alguns indicativos da sociodinâmica que deu legitimidade à contratação dos serviços de atendimento educacional das Instituições Especializadas pelo Governo do estado do Espírito Santo. Para tanto, dividimos o capítulo em 04 itens. No primeiro, trouxemos os dispositivos legais e posicionamentos de pesquisadores em Educação Especial que sustentam o direito de todas as pessoas à educação, independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou psíquicas. Em seguida, abordamos as formas de participação da sociedade civil na educação. No terceiro item, sistematizamos algumas ideias basilares sobre a principal fonte de financiamento da Educação Especial, o FUNDEB. No último item, apresentamos alguns embates que ocorreram e que parecem ter sido determinantes para a elaboração e aprovação da proposta de contratação dos serviços educacionais das Instituições Especializadas pelo Governo do estado do Espírito Santo.

Diante das reflexões desenvolvidas, destacamos que na teia social não somos arrastados de modo cego e arbitrário, mas nos movimentamos conforme a configuração que constituímos com os outros (ELIAS, 2005).