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5 RIFA ENTRE AMIGOS: DIMENSÃO SOCIAL DA COZINHA

5.2 NOS BASTIDORES DA FESTA – UMA REDE DE SOCIABILIDADE

No dia da Festa cheguei às sete horas da manhã e já havia um número considerável de homens e mulheres distribuídas pela cozinha, terraço e pelo terreiro. A dona da casa falou que acordou às quatro horas da manhã para varrer o lixo do quintal e queimar. As mulheres arrumam a casa até o quintal para receber os convidados, muitas vezes amigos que há muito tempo não se encontravam. A família sente prazer em oferecer um ambiente aconchegante para eles.

Os homens no terreiro preparavam os utensílios para a matança dos animais; utilizavam tachos e latas grandes para ferver água. O fogo foi improvisado com duas fileiras de tijolos numa altura de mais ou menos quarenta centímetros do chão até o recipiente. O fogo estava sempre aos cuidados dos homens que colocavam a lenha, olhavam a água até ferver e levavam para outros homens pelarem (retirada dos pelos) o porco. As mulheres tratavam o estômago, as tripas, fígado, rins, coração, e pata (unhas) do animal. Essas partes, quando do bode, são utilizadas para fazer picado, buchada e funsura. As do porco servem para feijoadas, e torrados37.

O desenho seguinte mostra a planta baixa de como estavam distribuídas as pessoas nos espaços da cozinha dentro de casa, da cozinha do terraço e da do terreiro. No texto descrevo o movimento da ação como as pessoas estavam colocadas nos espaços das cozinhas executando as tarefas para a Festa do Pacará.

36 A prática de juntar comida para animais doméstico numa relação entre vizinhos pode ser vista numa

análise mais detalhada no estudo de Maria Isabel Dantas (2008) “O Sabor do Sangue, Uma análise sociocultural do chouriço no Seridó do Rio Grande do Norte”.

5.2.1 A cozinha dentro da casa

No espaço 1 está a mesa principal da casa onde a família faz as refeições diárias. No dia da Festa ela estava servindo para colocar caçarolas, panelas e travessas com as comidas já prontas e que foram servidas às pessoas em pequenos pratos na hora do jogo.

Por se tratar de muita comida e receitas diferentes, alguma parte da louça como panelas e travessas foram adquiridas através de empréstimos nos vizinhos e parentes. No espaço 2, um freezer horizontal para refrigerar garrafas d’água e refrigerante. O freezer é um eletrodoméstico que pode ser obtido por meio de empréstimos, e, quando não, as bebidas são colocadas em um isopor grande, geralmente é alugado ou emprestado por pessoas da vizinhança.

As bebidas quentes (rum, cachaça vodka) são guardadas no armário, (3), onde também ficavam colheres, garfos, talheres, conchas, copos e pratos descartáveis que serviram os convidados. O fogão a gás (4) é o mais usado nas casas em dias de jogo do pacará, pois facilita cozinhar quatro tipos de comidas ao mesmo tempo. Duas mulheres estavam responsáveis pela cozinha. A uma cabia a tarefa de selecionar e preparar as receitas e a outra auxiliar no fazer. Ela tirava água dos potes (5) que ficavam perto da mesa e da entrada para sala e dava para a parceira colocar nas panelas, ou olhava as comidas quando a outra precisava sair da cozinha.

5.2.2 A cozinha do terraço.

Um homem cortava as partes da carne (6) de um bode em cima de uma mesa retangular de mais ou menos um metro de cumprimento que eram transformadas em receitas pelas mulheres. Na medida em que a carne ia sendo cortada pelo homem (7), as mulheres selecionavam as partes para cortá-los em pedaços menores e temperá-los para o cozimento. Numa mesa pequena (8) duas mulheres descascavam verduras e tubérculos (batatas doce, macaxeira38, jerimum, beterraba e repolho) que acompanhavam os tira-gostos (9). Uma

mulher lavava a louça em uma pia para atender a demanda e não faltar na Festa (10); Um grupo de três ou quatro mulheres, incluindo crianças, sentadas em círculo nos tamboretes debulhava feijão verde para cozinhar.

5.2.3 A cozinha do terreiro

O terreiro era o lugar de maior movimento de pessoas, vizinhos, parentes, curiosos que apareceram para ajudar ou simplesmente observar (11). Dois homens se concentravam na preparação da fervura da água para pelar o porco que ia ser vendido na rifa. A água estava numa lata grande suspensa por tijolos num fogo a lenha que ficava mais distante e perto de um reservatório d’água. Do outro lado do reservatório (12), também um pouco afastada do terraço e das pessoas, uma idosa (67 anos) tratava o fato (estômago) do animal para fazer a buchada. Seu trabalho era auxiliado por um jovem de mais ou menos quartoze anos que tirava água da torneira do tanque em um balde grande e levava para encher as bacias que ela utilizava com água para limpar o fato do animal.

Embaixo de um umbuzeiro (13) homens penduravam nos galhos, de cabeça para baixo, após terem largado no chão por mais ou menos cinco minutos, o bode que havia sido morto com uma única paulada na cabeça. Sangravam e tiravam seu couro. O sangue foi colocado imediatamente numa água quente para dar a consistência sólida necessária às receitas (buchada e picado39). O ritual de abate e corte do animal era observado por adultos e crianças independente de sexo.

Vários curiosos observavam os homens despelando e esquartejando um porco. Os homens (14) colocavam uma grande tábua no chão e punham o porco com que havia sido morto a tiros de rifle na cabeça. Despelavam, colocando água quente para soltar o pelo raspando-os com uma faca grande. Do porco eles não aproveitaram o sangue para as receitas, esse foi colocado para outro porco comer (15). Adultos e crianças observavam todo o serviço (16). Um tanque coberto com telhas, lugar onde a família extensa de quatro residências (pai e três filhos casados que moram no mesmo terreno) armazenava água.

As imagens 17, 18 e 19 são de árvores, respectivamente, umbuzeiro grande, umbuzeiro pequeno e goiabeira. Também no terreiro estavam o chiqueiro dos porcos (20) e a plantação de hortaliças e ervas (21). A geladeira da família ficava na sala (22).