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Fred: É liberado comer na hora da reunião? Maurício, debochando: Não?

Fred: Isso daí é uma coisa muito grave, sabia? E isso tudo é culpa do Maurício. Maurício, debochando: É?

Fred: Sabia que não pode comer durante a reunião? Maurício, debochando de novo: Não pode?

Fred: Isso daí é uma regra que nós mesmos criamos.

Rosina começa a falar e logo é interrompida. Somente quando se faz silêncio ela volta a falar.

Rosina: Vamos trabalhar? Vamos trabalhar. Ela de novo é interrompida. Espera por silêncio.

Rosina: Gente, assim ó. Queria lembrar vocês, que parece que o pessoal tá meio desmemoriado, que dentro do Boca nenhuma lei lá de fora existe. Nenhuma. Todas, todas, absolutamente todas as regras de convivência são feitas aqui dentro. E uma delas é que a gente não vai fazer merenda aqui, e eu tô vendo pelo menos três pessoas mastigando.

Alguns começam a rir.

Rosina: Então, assim, pra mim, vocês podem jantar aqui, gente, mas quem fez essa regra pra que a gente consiga fazer um espaço de trabalho foi vocês. Então assim, se nem nós conseguimos seguir a nossa própria determinação, como que a gente vai querer que os outros nos respeitem? Isso é um respeito ao grupo. Essa regra quem fez foi vocês, assim como a dos 15 minutos, assim como todas as regras. No momento em que a gente desrespeita uma coisa que o grupo votou, nós estamos desrespeitando a todos aqui, inclusive a nós mesmos. Tá bom? Vamos seguir? Só pra lembrar, só pra lembrar. (Diário de campo, 22 de maio de 2018)

O Boca é um mundo à parte, onde, como bem nos lembra Rosina, as leis lá de fora não existem. Quem faz as leis do Boca é o Boca, afinal. Assim, embora exista a figura de uma coordenadora, não é papel dela indicar as normas da reunião, mas apenas lembrar o grupo de quais regras ele próprio achou adequado criar, para manter os encontros organizados. Isso coloca o que acontece no Boca em outro patamar: eles devem se adequar a um lugar que foi concebido por eles próprios. Não é como a escola ou o trabalho, que uma ordem superior determina o que eles podem fazer, a qual momento podem fazer, e qual é a punição para quem desrespeita o estipulado. Diferente desses lugares, o Boca é pensado de uma forma a se conformar às demandas do grupo, sem, entretanto, deixar de ser um local formal, cujos horários devem ser obedecidos, por exemplo, ou onde não se deve dormir, comer ou conversar.

de que necessariamente aquilo precisa ser seguido. Se as regras foram por eles estipuladas, quem mais teria o dever de cumprir senão eles? Assim, Rosina nunca chama atenção de ninguém com base tão somente nas regras: ela salienta que as regras, se existem dessa forma, foi porque assim eles quiseram que fosse.

Chego adiantada e cumprimento Jairo. Dez minutos depois, Rosina chega e inicia a reunião perguntando, brincando, do instituto de beleza que tinha aberto ali, pois Douglas estava fazendo algumas tranças em uma companheira. Rosina diz que eles têm duas visitas, que vão se apresentar logo no início, e depois vão passar para os informes. Rosina pergunta para Augusto onde está a bandeira, e ele responde tentando enrolar. Rosina diz que eles vão reunir os grupos logo após as apresentações e informes, porque eles estão atrasados. Antes de iniciar, ela pergunta se alguém sabe se o Ilê Mulher mudou o telefone, pois ela não tem conseguido contato. Pedro fala que talvez seja porque eles estejam no parque Harmonia, em um piquete, pela Semana Farroupilha. Rosina compreende o fato, e explica que queria entrar em contato para poderem ver o mapa do peregrino. Rosina pede para Douglas terminar depois as tranças que está fazendo, ou então ir para fora do galpão e abrir mão de receber o jornal. Douglas reclama, e Rosina esclarece que eles podem fazer as tranças depois. Douglas diz que depois vai ser a hora de distribuir os jornais. Rosina questiona em que lugar de trabalho que eles já entraram que tinha gente fazendo trança. Ela lembra que o Boca é como qualquer outro lugar, pois aquele é o lugar onde eles estão trabalhando. Pedro fala em defesa do colega, dizendo que ele está ouvindo o que está sendo discutido. Rosina diz que ela não tem nada contra, mas que aquilo que ela está pedindo está estipulado nas próprias regras do Boca. (Diário de campo, 11 de

setembro de 2018)

A referência às regras do Boca é quase sempre feita com base na oralidade. Como as determinações são revistas a cada início de ano, é compartilhada a ideia de que todos sabem a grande parte delas de cor. Além de a lista não ser extensa, ajuda a memorizar as determinações o fato de que normalmente são as mesmas regras que costumam ser infringidas: comer e beber durante as reuniões, sair do galpão durante os informes, repassar os jornais para quem não é do grupo. Alguns eventos, entretanto, são bastante incomuns no grupo, como é o caso de roubo. Durante o meu tempo em campo, só presenciei uma situação em que o encontro fora cancelado por terem sumido os cartões-postais de um participante. Naquela ocasião, Rosina levou impressas as regras e leu em voz alta para aqueles que foram à reunião por não saberem que ela tinha sido suspensa.

Rosina explica para os três integrantes presentes [que não participaram da reunião na semana anterior e, por conta disso, não sabiam do ocorrido] o que estava acontecendo: a reunião havia sido cancelada, conforme acordado na semana anterior, por conta do roubo de cartões-postais de um dos integrantes do Boca de Rua, que também participa do projeto A Cara da Rua. Após explicar o ocorrido, Rosina começa a ler as diretrizes em que constam as regras do Boca, já que um dos integrantes presentes é novo no grupo e não conhece elas. Quando Rosina inicia a leitura da parte das diretrizes referente à chinelagem [roubo], ela retoma o caso da semana anterior, em que o culpado pelo roubo não foi encontrado nem identificado, fazendo com que todo o grupo fosse penalizado com o cancelamento da reunião seguinte e nenhum integrante recebesse suas cotas de jornal naquela semana. (Diário

Assim, apesar de todos terem alguma noção das regras, em certos momentos, é necessário recorrer ao material escrito para reiterar quais eram os direitos e deveres do grupo. Situações como essas, entretanto, foram raras durante o meu tempo em campo, até mesmo porque aqueles que são mais antigos no Boca costumam dar a palavra final sobre alguma regra mencionada por Rosina. Esse é o caso, por exemplo, de regras que são definidas pelo número de vezes que um episódio se sucedeu: quantas presenças consecutivas são necessárias para passar a receber o jornal ou quantas vezes alguém pode repassar seus jornais até ser suspenso. Não é incomum que aquele que está ansioso para receber seus jornais ou aquele que tenta fugir da acusação do repasse tentem argumentar que o que está sendo determinado contra eles não é o que consta nas regras. Nessas horas, a palavra dos companheiros mais velhos pesa, fazendo silenciar quem estava se queixando. Ou, em último caso, Rosina recorre à leitura em voz alta das diretrizes do grupo:

Rosina começa a ler as diretrizes do Boca, especificamente a parte referente ao repasse de jornais: aquele que for pego repassando os jornais uma vez, terá um mês de suspensão; se o repasse ocorrer duas vezes, o integrante terá três meses de suspensão; caso o repasse ocorra três vezes, a pessoa será afastada do grupo por tempo indeterminado. [...] Rosina diz que ninguém é obrigado a denunciar o colega de grupo, mas que, nesse caso, é necessário haver uma conversa diretamente com tal colega, pois esse tipo de atitude coloca o trabalho do jornal em risco. Ela finaliza dizendo que ter esse tipo de atitude frente a algo errado é dever de qualquer trabalhador, e eles são trabalhadores no grupo. (Diário de campo, 05 de setembro de

2017)

Para evitar tais discussões, em momentos em que não estão todos de acordo com o que está estipulado nas regras e ninguém tem elas em mãos durante a reunião, Rosina tem o desejo de colocar uma cópia das diretrizes na parede, de forma que todos tenham acesso a elas quando tiverem alguma dúvida. Essa seria uma medida que daria mais autonomia ao grupo, assim como aconteceu quando se colocou um relógio de ponteiro logo acima da porta de entrada do galpão. Com o objeto físico agora lá presente, eles não precisam mais questionar, a todo momento, nos 15 primeiros minutos da reunião, se o tempo máximo de atraso já terminou. Agora, são eles que dizem: “Rosina, fechou o tempo! Agora não recebe mais jornal!”.

Lidar com um relógio de ponteiro, ou com uma lista de regras, porém, não é uma tarefa necessariamente fácil, pois ela envolve saber ler números e letras. Envolve não somente conhecer o sistema numérico e a tecnologia da escrita, mas também saber empregar tais conhecimentos na vida cotidiana. No entanto, como aponta o censo realizado em 2018 (Tabela 3), apresentado no início deste estudo, apesar de poucos dessa população serem analfabetos, a maioria não finalizou nem mesmo o Ensino Fundamental, período elementar para promover

nos alunos o domínio dos saberes mais básicos que envolvem o mundo do numeramento e do letramento.

TABELA 3 – Escolaridade da População em Situação de Rua

Escolaridade Freq %

Analfabeto 96 6,0

Ensino Fundamental incompleto 917 57,4 Ensino Fundamental completo 205 12,8

Ensino Médio incompleto 155 9,7

Ensino Médio completo 158 9,9

Ensino Superior incompleto 26 1,6

Ensino Superior completo 12 0,8

Pós-graduação 5 0,3

Nunca foi à escola 16 1,0

Aprendeu sozinho / Ensino Especial --- ---

NS/NR 8 0,5

Total 1598 100

Fonte: UFRGS (2016, p. 34).

Embora eu não tenha me detido em verificar qual era a escolaridade de cada um dos integrantes do Boca, em uma tentativa de traçar um paralelo com os resultados encontrados no censo, o tempo em campo me permitiu perceber que a mesma diversidade apontada pela pesquisa se desdobrava no grupo: ele comporta, igualmente, de estudantes universitários a analfabetos. Alguns terminaram os estudos iniciais na EPA; outros, antes mesmo de irem para as ruas. Uns, sabem ler e escrever; outros, sequer seus nomes sabem assinar. Assim, de mesma forma, nem sempre a participação no Boca alterou fortemente a relação desses indivíduos com o mundo da escrita. Para alguns, textos escritos já faziam parte da vida cotidiana, e o Boca foi como uma extensão de suas vidas; para outros, o Boca é uma seção à parte dos dias, uma das poucas em que eles se mobilizam centralmente em torno da palavra escrita. De uma ou de outra forma, o fato é que o Boca altera o rumo dessas existências. E, como aqui veremos, saber ou não saber ler, saber ou não saber escrever, não são determinantes para o acesso ao mundo da escrita, pois, afinal, todos eles acompanham com autonomia o que é discutido pelo grupo com base em textos escritos. Para alguns, todavia, a atuação começa nos detalhes. Em, por exemplo, aprender a caligrafia do seu próprio nome, para poder ter liberdade para escrevê-lo sem a ajuda de ninguém:

Karina me olha para eu assinar o jornal para ela, mas com desconfiança. Aparentemente, ela não sabe se pode pedir para mim, já que estou escrevendo algumas notas para mais tarde. Pergunto se ela quer que eu assine para ela, e ela prontamente aceita. Pergunto o nome dela, ela me responde: Karina. Pergunto como é escrito. Ela fica parada por um tempo sem saber me responder. Ela então vai até Letícia [colaboradora] e pergunta como se escreve o nome dela. Letícia anota na mão de Karina como é escrito o seu nome, e ela volta até mim, me mostrando sua mão. (Diário de campo, 08 de maio de 2018)

Esse é o caso de Karina, que, ao longo do meu tempo no Boca, aprendeu a escrever o seu nome, ainda que às vezes inverta o lado de uma das letras que o compõem. Apesar de ela ser sempre uma das últimas a terminar de assinar os jornais, fazendo inclusive com que seu companheiro a espere para irem embora juntos, esse é um momento sempre seu, particular. A opção de Karina de assinar seus jornais se contrapõe à escolha de outros colegas, que, apesar de saberem assinar seus nomes, costumam pedir aos visitantes ou até aos colaboradores a realização da tarefa117. Assim, assinar o nome é tido por alguns como um momento tedioso, que pode ser melhor aproveitado caso se possa fazer outras coisas, enquanto, para outros, pode ser um desafio, uma forma de independência. Por vezes, porém, exaustiva:

Na hora das assinaturas, Elias pede ajuda para Camila [colaboradora], pois não sabe escrever seu nome. Ela pede ajuda a mim, que estou passando pelos dois na mesma hora, alegando que eu sou da Letras e saberia ensinar isso melhor que ela. Ele pede para que eu assine um de seus jornais, para poder replicar o formato das letras nos próximos jornais. Escrevo seu nome em um jornal, e ele logo começa a traçar com atenção cada risco de cada letra. Ao fim, me pergunta se fez certo. Mostro a ele que esqueceu de um traço, e ele logo corrige. Ele faz isso por mais dois jornais, até que decide procurar por algum visitante para assinar por ele. (Diário de campo,

16 de julho de 2019)

Os dados de tais integrantes apontam para a necessidade de termos claro a forma como encaramos o letramento: a depender da visão que adotamos, ele pode estar mais relacionado a capacidades individuais ou a uma condição coletiva. Apesar de a dimensão individual ser supervalorizada, sobretudo em avaliações que buscam medir o conhecimento individual da cultura escrita, locais como o Boca, em que tudo – até mesmo as assinaturas dos jornais – é construído em conjunto, nos mostram que “o que uma pessoa sabe e faz isoladamente é diferente do que ela sabe e faz em um grupo ou em tarefas contextualizadas no entorno social”, já que “há uma significativa gama de situações pedidas pela escrita que se realizam com base nas relações sociais, culturais e políticas que são, em sua historicidade, estabelecidas independentemente das capacidades dos sujeitos tomados individualmente” (BRITTO, 2003b, p. 53). Pensando na cultura em que se constroem, fundamentada sobretudo na oralidade, a tais pessoas pouco faz sentido pensar em se “adequar” a um letramento que não necessariamente faz sentido para as suas práticas sociais, já que, muitas vezes, aprender certas habilidades letradas não se desenha como uma prioridade no nível individual, desde que tais recursos sejam do domínio da comunidade (STREET, 2014).

Além disso, ao colocar como questão o aspecto socio-histórico do letramento, se entende

117É obrigatório que todos assinem os jornais ao fim da reunião e que algum colaborador verifique se todos estão

que ele deve ser lido como um continuum118, em que é impossível a alguém ser taxado de iletrado, já que estamos inseridos em uma sociedade cujas práticas sociais de escrita são centrais no dia-a-dia da população. A decorrência direta disso é que aqueles que não dominam o código da escrita podem ser não-alfabetizados, mas nunca iletrados, porque carregam consigo, por tão somente viverem em uma sociedade de cultura escrita, o saber sobre como participar socialmente em um mundo envolto pela escrita (ASSOLINI; TFOUNI, 1999). Esse conhecimento passa ao largo da alfabetização: é, como vimos, o letramento. Mesmo que não se saiba ler e escrever, há um conhecimento comum em relação a essa prática social e cultural, que dá acesso a modos diferentes de pertencer à sociedade.

De igual forma, tais dados nos fazem perceber que também devemos ter claro a noção de alfabetização que norteia nosso olhar. A alfabetização tanto não é imprescindível para o exercício da cidadania que pessoas alfabetizadas, mesmo tendo domínio dos processos de leitura e de escrita, continuam não conseguindo exercê-la, sendo a elas negado o usufruto de seus direitos. Esse é o caso, por exemplo, de alguns integrantes do Boca, que, por terem uma escolaridade melhor, por terem uma atuação política relevante, sabem se inserir no mundo da escrita porque dominam a sua tecnologia, mas nem por isso têm garantido o acesso a seus direitos. Tomar a alfabetização como fundamental à conquista da cidadania faz recair na escola, na educação e no acesso à leitura e à escrita o peso de prontamente conduzir seus participantes à sua construção, quando, na verdade,

[...] essa conquista se faz, fundamentalmente, por intermédio da prática social e política, dos movimentos de reação e reivindicação das organizações populares, expressões de uma cidadania em construção, pois evidenciam o povo participando, lutando por seus direitos sociais, civis, políticos, agindo como sujeito histórico, fazendo-se cidadão. (SOARES, 2014, p. 56)

A cidadania, portanto, não é dependente da alfabetização, mas se cria em um contexto em que ela, a alfabetização, é apenas um componente entre uma gama de outros determinantes que refletem a conquista de direitos políticos, civis e sociais da população. Nesse sentido, para além do mero acesso à tecnologia de leitura e escrita, a conquista da cidadania se constrói quando são criadas condições para que cada um se reconheça em seus direitos – entre tantos, no direito à leitura e à escrita. Entretanto, mesmo não se podendo considerar a alfabetização imprescindível ao exercício e à conquista da cidadania, isso não significa que ela não seja um instrumento para a luta em favor dela. Isso porque a alfabetização, tal como é posta em

118Para a visão tecnicista, porém, o letramento é encarado como uma competência que, assim como a alfabetização,

é mensurável e comparável, já que “se sustentaria em operações resultantes de um sistema de procedimentos intelectuais de uso da escrita” (BRITTO, 2007, p. 28).

sociedades grafocêntricas como a nossa, não é uma tecnologia neutra: sua aquisição, de valor intrinsecamente positivo, é resultado de uma ideologia etnocêntrica, para a qual a vida política, social, econômica, cultural, é necessariamente dependente do mundo da escrita. Por isso,

No quadro da ideologia hegemônica em sociedades grafocêntricas, não há possibilidade de participação econômica, política, social, cultural plena sem o domínio da língua escrita, não há possibilidade de participação nos bens simbólicos sem o acesso à leitura como bem cultural. Em síntese: não há, em sociedades grafocêntricas, a possibilidade de cidadania sem o amplo acesso de todos à leitura e à escrita, quer em seu papel funcional – como instrumentos imprescindíveis à vida social, política e profissional – quer em seu uso cultural – como forma de prazer e de lazer. (SOARES, 2014, p. 58)

Ressoando essa valoração que se costuma dar ao domínio do código escrito, em uma das reuniões, contamos com a presença de um aluno da Escola Porto Alegre que era bastante conhecido pelo grupo do Boca, tanto pela trajetória conjunta na rua, quanto pelo tempo compartilhado em sala de aula. Por conta disso, conseguia se enturmar e se comunicar com todos os demais, mesmo apesar de um detalhe: ele era mudo. Em nossa conversa, de uma forma bastante singular, baseada em tentativas e erros daquilo que ele estava tentando me dizer, compreendi que ele era estudante da EPA e que gostaria que todo o grupo fosse para a frente da escola para tirarmos uma foto, em uma homenagem a uma professora que estava de partida119. Para compreender tudo isso, passamos pela língua escrita: ele apontava energicamente para as letras do alfabeto dispostas no galpão do Boca, tal como costumamos ver em salas de Ensino Fundamental. Feitos em EVA coloridos, com os exatos contornos de cada uma das letras, o varal nos lembra, a cada novo encontro, de que estamos, afinal, em uma escola. Para que eu pudesse enfim entender que ele estudava ali, ele pediu por uma folha de papel minha, onde começou a escrever as vogais. Do outro lado da folha, escreveu seu nome.

119 Depois descobri que professora estava se despedindo brevemente da Escola para viajar para o Canadá, por ter

FIGURA 6 – Essas são as vogais

Fonte: Arquivo pessoal (2019).

Apesar de não dominar o código de escrita, um analfabeto entende a função que a escrita desempenha em uma sociedade letrada como a nossa. Assim, mesmo não sabendo lidar com autonomia com essa tecnologia, muitos dos integrantes do Boca reconhecem que é através da