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NOTAÇÕES COMPLEMENTARES

Foto 1: Posse de Pedro Nava na Academia Brasileira de Medicina (1957) (PENIDO, 2003, p.

2.2 NOTAÇÕES COMPLEMENTARES

Estas são apenas breves notas opinativas que traduzem um pouco da produção literária de um sujeito que soube interpretar, de maneira otimista, o Brasil do Século XX, amealhando o que poderíamos sintetizar como formas sociais e culturais de vidas, algumas vezes articuladas em relações de poder dominadas por uma cultura política autoritária e clientelista. Essas formas são narradas embrenhadas nos movimentos políticos e sociais; banhadas pela formação intelectual e médica do autor que, ao representá-las, não perde as conexões ensejadas pelas condições existenciais e sociais de vida que o constituíram

83 memorialista, artista, poeta, médico e cientista. Nas suas produções podemos observar o fio condutor que perpassa seus escritos: um princípio histórico que se articula à prática educativa de sua vida e de sua formação médica, capaz de religar saberes, contexto e arte, cultura e ciência, mediados pela ética do bem-viver e bem- fazer para e com o outro.

A quantidade de aspectos da vida cotidiana, social e escolar descritos minuciosamente, nas Memórias, requerem que o leitor forme uma imagem (o mais próxima possível) da realidade do escritor e de sua formação. Assim, volve e revolve o passado em seu presente, já passado para ele e seu leitor. Enfim, em sua estruturação textual, Pedro Nava recorre ao que poderíamos denominar de conhecimentos cartográficos em mapas por ele desenhados, recheados de conhecimentos médicos, literários e artísticos. São cartografias de cidades, como Juiz de Fora, estudadas por Salgado (2003), e do Rio de Janeiro, por Reis (2007) como cidades transformadas em personagens pelo Narrador.

Sendo assim, nos é possível assentir ao que propõe Candido (1987), quando diz que o que gera o escritor múltiplo é ―o amor ao detalhe,‖ derivado do ―gosto pelo concreto‖ que ―diminui a capacidade de escolha‖ do Narrador a quem tudo interessa. Para nós, Pedro Nava é um desses narradores de interesse no todo que está e vai além do gosto pela concreticidade da vida enfatizada em suas descrições arrojadas e poéticas do espaço-tempo brasileiro sobre o qual deambulou por quase todo Século XX. Além disso, foi um sujeito que transitou por uma gama de saberes que, podemos dizer, circulam do vulgar ao erudito e que podem ser lidos nas Memórias.

O amor ao detalhe, Nava traz explícito em suas narrações da vida cotidiana, nada descuradas, sejam elas produções na área médica ou literária (prosa e verso) ou em seus escritos históricos, sem descuidar de seus desenhos e pinturas e sem esquecer da dinâmica dos espaços escolares.

Assim, o termo múltiplo, indexado ao título, insere-se fidedignamente no capítulo quando referido ao escritor, em estudo, por seu trânsito em vários mundos do conhecimento, por saberes vários de áreas diversas, por saber transmutar a vida em arte, sendo ele cientista e médico, apesar dos sofrimentos que narra.

Seu amigo Carlos Drummond de Andrade também considerava Nava um sujeito múltiplo e sobre isto poemiza no soneto intitulado: ―Pedro (o múltiplo)

84 Nava,‖32 que transcrevemos quase finalizando estas notações, tendo em vista que este poema resume o que vimos apresentando: Nava como um sujeito múltiplo.

PEDRO (O MÚLTIPLO) NAVA

Tantas vezes corri ao Dr. Nava Em demanda de alívio, ele acudia. De seu saber minh‘alma fez-se escrava,

E o corpo, devedor de alegria. Do moço Nava a poética palavra Que em cadências modernas se expandia,

Admirei, e no peito ainda se grava Um certo poema seu, que me arrepia.

Nava pintor e Nava desenhista Esquivo, agudo, exato, surpreendente, Quem nos seus traços não consola a vista?

Esse querido Nava, simplesmente, De nosso tempo fiel memorialista, É mistura de santo, sábio e artista.

(ANDRADE, 1983)

Nada mais palatável que a poesia para ratificar o que mostramos do Narrador em suas múltiplas facetas já bastante apresentadas/lidas/criticadas, interpretadas e comentadas por muitos ensaístas, escritores e pesquisadores, na academia e fora dela.

Acreditamos que construímos estames que denotaram seu itinerário social pela sua produção escrita, focalizando os processos sociais e culturais nos quais foram construídas não apenas as Memórias, mas seus poemas e seus livros de história da medicina. Detemo-nos na simultaneidade de sua formação pessoal e médica, enfim, na sua produção literária, visualizadas em seus escritos em prosa e em verso, nos escritos acadêmicos e de sua história e da história da medicina, ilustrando-as com algumas de suas produções artísticas.

32 Poema extraído do livro: ―Louvação poética a Pedro Nava,‖ organizado por José E. Mindlin e

Fernando Rocha Peres (1983) em homenagem aos 80 anos do escritor, cuja tiragem foi de 300 exemplares numerados e distribuídos entre os amigos do escritor. Neste trabalho nos utilizamos do exemplar nº 096.

85 Com este investimento inicial, esperamos ter contribuído para a compreensão do sujeito das Memórias em estudo, observando nessa construção a natureza problemática de estudos sobre memórias, que não são apenas desta pesquisa, pois esta se imbrica nas dimensões psíquicas, sociais, profissionais e culturais de um sujeito que, ao falar de si, desnuda seu grupo, sua sociedade, conforme Bosi (2003), as perfazendo no entrelaçamento de vários saberes, criando uma verdadeira ecologia.

Esta compreensão nos impôs a necessidade desta apresentação informativa, no sentido de mostrar o sujeito/narrador na inteireza totalizadora de seu passado como produção de uma vida em vestígios, reavaliada pelo presente, em circunstâncias que formalizaram tanto a vida quanto as narrativas do autor por seu caráter sócio-histórico, imanente como um modo de vida, experienciado e socializado com outras existências, do eu e da sociedade sempre em processo de formação cultural.

Contudo, outros aspectos registrados nas Memórias são considerados como imprescindíveis à interpretação do Narrador, dentre os quais a sua visão sobre criança e infância, sua percepção sobre a educação por ele recebida e sua formação médica que, em seguida, são traduzidas, inseridas em suas narrativas no contexto brasileiro.

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3 CAPÍTULO II: DOS BOTÕES DOURADOS À LINHA DE TIRO: A EDUCAÇÃO E