• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – Enquadramento teórico: O pantógrafo enquanto

1. Nota introdutória

No presente capítulo, dedicado ao enquadramento teórico do tema subjacente à experiência de ensino-aprendizagem constituída objeto de reflexão neste relatório, procuraremos, com base na pesquisa de caráter bibliográfico, mapear o estado da arte, isto é, o estado do conhecimento acerca do pantógrafo na atualidade, promovendo uma abordagem crítica e reflexiva, fundamentada em estudos específicos de referência, que se caracterizam por serem dispersos e alvo de múltiplas abordagens.

Deste modo, considerando que o pantógrafo está longe de se assumir um recurso de uso generalizado no sistema educativo nacional, e com vista à clarificação dos conceitos basilares em que assenta a temática a desenvolver, começaremos por dar resposta às questões “O que é o pantógrafo?”, “O que faz?”, “Como funciona?” e “Porque funciona

da forma que funciona?”.

Ainda que de forma abreviada, procuraremos, igualmente, pôr em perspetiva a evolução do mecanismo ao longo da história, desde a sua origem até às inúmeras aplicações que encontra no presente, não só enquanto produto cultural, ligado à arte, à tecnologia e ao quotidiano, mas também como recurso didático aplicável ao ensino- aprendizagem da matemática.

Antes de prosseguirmos, todavia, gostaríamos de, com algum teor de subjetividade, promover uma breve partilha acerca do acontecimento que desencadeou o nosso interesse pelo pantógrafo.

No ano letivo 2009/2010, em contexto de formação inicial para o exercício da docência, no âmbito da unidade curricular de Didática da Matemática, prevista no plano de estudos da licenciatura em Educação Básica, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), abraçámos o desafio de construir um recurso manipulável para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem da matemática.

Esse desafio foi abraçado pela aluna que agora se assume como autora do presente documento e pela colega de curso Bruna Figueiredo, sob a orientação das docentes responsáveis pela unidade curricular (que viriam a ser constituídas orientadoras deste relatório), tendo em vista a participação numa exposição interativa de recursos para o

2

ensino-aprendizagem da matemática, dirigida aos níveis de escolaridade Pré-escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Atendendo ao visível incremento do tópico das transformações geométricas no

Programa de Matemática do Ensino Básico (PMEB) (Ponte et al., 2007), homologado em

dezembro de 2007, a opção recaiu sobre a construção e exploração do pantógrafo.

É nesse preciso momento que se inicia a nossa ‘viagem pantográfica’, que, agora, culmina com a realização deste relatório, após a aplicação do recurso em contexto de estágio em Educação Pré-escolar e em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

A respeito da construção do pantógrafo, gostaríamos de salientar, à partida, que a atividade configurou um complexo processo de descoberta, em que nos deparámos com vários problemas, aos quais tivemos que dar resposta com base na progressiva experimentação, aliada à pesquisa bibliográfica (sobre as propriedades específicas do mecanismo), sem o suporte de qualquer modelo real ou outro tipo de apoio.

Assim, depois de muita pesquisa, muitas incertezas e muita persistência, começámos por construir o nosso primeiro pantógrafo, com o intuito de tentar perceber a sua essência e de que forma poderíamos explorar o mecanismo na exposição a que se destinava.

Fruto do nosso entusiasmo, ao fim de algum tempo tínhamos já construído quatro pantógrafos, todos eles com modelos, dimensões e materiais diferentes. Após cada construção, íamos percebendo que não bastava considerar quatro barras rígidas e articulá- las. Na verdade, por detrás da construção do mecanismo reside um vasto conjunto de conceitos matemáticos, aos quais é fundamental atender para que o artefacto cumpra a sua função.

Eventualmente, o desafio acabou por se tornar tão grande que compreender o mecanismo se transformou, para nós, numa necessidade premente. Foi com enorme satisfação que, após as várias tentativas, conseguimos, por fim, construir um pantógrafo capaz de funcionar corretamente. Esta construção coincidiu com o momento em que despertámos, de forma significativa, para a compreensão das propriedades matemáticas em que a estrutura do sistema articulado se baseia e que explicam o seu funcionamento.

Numa fase posterior à construção do recurso, tivemos a oportunidade de explorar a sua aplicação junto do público-alvo da exposição para que foi concebido. Essa experiência permitiu-nos constatar que, apesar de não estarem familiarizados com o mecanismo, tanto educadores como educandos manifestaram interesse pela sua manipulação, e curiosidade em compreender o seu funcionamento.

3

De igual modo, no decurso da exposição, foi-nos possível observar muitas das crianças questionar Como? e Porquê? ocorriam as transformações que estavam diante dos seus olhos e que elas próprias tinham modelado. Por seu turno, alguns professores, reagindo com alguma estranheza à presença do pantógrafo, numa exposição de recursos para o ensino-aprendizagem da matemática, interrogavam se a sua utilização não seria mais apropriada, para a realização de desenhos, numa disciplina do âmbito da expressão plástica.

Por fim, toda esta vivência acabaria por determinar que, no desenvolvimento dos estágios subsequentes, previstos no plano de estudos do curso de mestrado em Educação Pré-escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico, ousássemos integrar o pantógrafo no exercício da prática de ensino supervisionada.

A este respeito, realçamos que a construção do pantógrafo determinou a mobilização de um vasto leque de conceitos matemáticos fundamentais para a compreensão do seu funcionamento e para o progressivo domínio dos conteúdos em jogo, nas diversas atividades que se sucederam com recurso ao mecanismo.

Apesar de o seu uso não se encontrar generalizado no ensino em Portugal, Veloso, Bastos e Figueirinhas (2009) referem que o pantógrafo é, talvez, o mecanismo mais conhecido para modelar uma transformação geométrica, e acrescentam que a tarefa de construir um mecanismo, física ou virtualmente, dá origem à formulação e resolução de problemas, dos mais diversos, proporcionando ótimas situações de aprendizagem.

Quanto à opção de, no título deste capítulo, associarmos o pantógrafo à categoria de máquina matemática, alicerçada na obra de Bartolini e outros (2004), gostaríamos de realçar que, muito para além de simplesmente reproduzir desenhos (conceção a que o mecanismo é vulgarmente reduzido), o pantógrafo materializa a possibilidade de manipular um vasto leque de conceitos matemáticos, particularmente ao nível das transformações geométricas.

Note-se, aliás, que o funcionamento do pantógrafo, isto é, a reprodução mecânica de registos gráficos à escala (ampliando, reduzindo ou mantendo o tamanho do original), está diretamente dependente da configuração do mecanismo, que, como referido, assenta em propriedades geométricas muito específicas. Por serem determinantes para a compreensão do mecanismo e das respetivas aplicações didáticas, tais propriedades serão alvo de enquadramento neste capítulo.

Antes, porém, a propósito do ensino das transformações geométricas, citando Bastos (2007), salientamos a importância de os professores conhecerem bem as

4

transformações com que estão a trabalhar para saberem orientar os alunos na construção correta das ideias.

Acresce, no estudo das transformações geométricas, com recurso ao pantógrafo, a necessidade de o professor deter uma compreensão do mecanismo que lhe permita ir ao encontro das necessidades dos alunos: esclarecer eventuais dúvidas; proceder ao questionamento dos alunos no desenvolvimento da avaliação formativa; propor percursos de exploração com vista a um maior aproveitamento do recurso, entre outros desafios.

É certo que não se coloca aqui a pretensão de conduzir os alunos (ao nível do Pré- escolar e do 1.º Ciclo do Ensino Básico) na exploração das propriedades matemáticas do pantógrafo. Tal exercício é possível e bastante profícuo em níveis de ensino mais avançados, nomeadamente no 3.º Ciclo do Ensino Básico, em que, de acordo com o PMEB, se pretende que os alunos sejam capazes de compreender e usar as relações de semelhança de triângulos; desenvolver processos de demonstração; e fazer raciocínios dedutivos.

Nos níveis de ensino Pré-escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico (âmbito deste relatório), o recurso ao pantógrafo torna possível o estudo de diversas transformações geométricas, primeiro de forma intuitiva e depois com crescente formalização, conforme preconizado pelo PMEB, e válido para a Educação Pré-escolar numa perspetiva de continuidade, a que aludem as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar (OCEPE) (Silva & Núcleo de Educação Pré-escolar, 1997).

Poder-se-á, aqui, questionar a adequação do pantógrafo, enquanto recurso didático, às diretrizes do PMEB e das OCEPE, uma vez que o mecanismo é usado para a cópia de representações bidimensionais, ampliando, reduzindo ou mantendo o tamanho original.

Salvaguarda-se, no entanto, que, se, por um lado, é certo que só no 3.º Ciclo do Ensino Básico o PMEB introduz a abordagem formal aos conceitos de ampliação e redução (de um polígono), por outro lado, é notável, no documento, a preocupação de incorporar as isometrias logo desde o 1.º Ciclo do Ensino Básico, conforme poremos em evidência.

Assim, no 1.º e 2.º anos surge a referência ao estudo da reflexão, baseada na resolução de problemas envolvendo a visualização e a compreensão de relações espaciais.

No 3.º e 4.º anos, para o estudo da reflexão, entre outras atividades, prevê-se a exploração da meia-volta, que é uma das funcionalidades do pantógrafo, como será oportunamente demonstrado.

5

Por fim, indo um pouco mais além, Bastos (2007) defende que os alunos, desde cedo, deveriam tomar contacto com outros tipos de transformações geométricas, que não sejam só as isometrias.

Como é recomendado, pelo National Council of Teachers of Mathematics [NCTM] (2008), no livro Princípios e normas para a matemática escolar as semelhanças podem ser trabalhadas, pelos alunos mais novos, através de experiências em que observem, representem e descrevam ampliações e reduções, não do ponto de vista da aplicação das transformações geométricas, mas para analisar características, propriedades e relações entre formas geométricas bidimensionais.

Ainda que a completa compreensão do conceito de semelhança não ocorra antes do 6.º ano de escolaridade (altura em se estuda a proporcionalidade), a noção de semelhança pode ser desenvolvida, por parte dos alunos em níveis de ensino precedentes, a partir da exploração de figuras, de alguma maneira, parecidas. Por oposição às figuras que se sobrepõem, coincidindo ponto por ponto, geometricamente iguais (ou congruentes), os alunos entenderão as figuras semelhantes como aquelas que estão relacionadas com “ampliação” e “redução” (NCTM, 2008).