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Capítulo I – Enquadramento teórico: O pantógrafo enquanto

5. Perspetiva histórica

5.1. Origem do pantógrafo

Dada a incongruência que caracteriza os múltiplos testemunhos que nos chegam a partir da literatura, determinar, com precisão, a origem do pantógrafo assume-se uma tarefa envolta de particular delicadeza.

Há registos que apontam para que a origem do pantógrafo seja desconhecida, salientando que já era utilizado, por alguns povos, mesmo antes de Cristo (Assumpção et al., 2001).

Por seu turno, Medina (1999) reconhece, na sua obra, que foi Dillinger quem, nos finais do século XVI, inventou o primeiro pantógrafo, fabricado com quatro réguas articuladas, que permitia copiar, ampliar e reduzir um desenho plano, simplesmente seguindo as suas linhas.

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Outros autores, como Domingos, Correia e Fernandes (1978), reportam-se ao artefacto em questão denominando-o de pantógrafo de Silvester.

A versão mais frequente e fundamentada em termos bibliográficos é, todavia, a de que o pantógrafo terá sido inventado, em 1603, pelo astrónomo jesuíta alemão Christopher Scheiner (1573/1575-1650).

Em abono desta versão, são consideráveis os contributos de Bussi e Maschietto (2006) e de Kemp (2000), que nos dão conta de que o próprio Scheiner (1631) terá exposto os antecedentes da sua invenção na obra Pantographice seu ars delineandi, cuja capa se reproduz na Figura 22.

De acordo com os autores citados, Bussi e Maschietto (2006) e Kemp (2000), na introdução da sua obra, Scheiner (1631) terá afirmado que, sozinho, unicamente com base na notícia da sua existência e sem que os seus “segredos” lhe tenham sido revelados, (re)construiu um instrumento de grande engenho e utilidade para copiar, ampliar ou reduzir desenhos; para representar objetos em perspetiva; e para a produção de composições anamórficas. Os autores afirmam, ainda, que Scheiner (1631) terá, inclusive, considerado que superou o invento cuja existência lhe fora dada a conhecer sem qualquer detalhe.

Como veremos adiante, o episódio é igualmente relatado por Owen (2004), que, contudo, dele faz uso para desviar de Scheiner o mérito da invenção do pantógrafo.

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A título de curiosidade, no frontispício da obra de Scheiner (1631), Figura 22, é visível o uso do mecanismo como máquina de perspetiva (isto é, como máquina para representar objetos (tridimensionais), no plano, segundo uma perspetiva linear), posicionada verticalmente e integrada num cavalete. É, igualmente, percetível o uso do pantógrafo como máquina para reprodução de figuras (bidimensionais), no plano, posicionada horizontalmente, sobre uma mesinha.

O conjunto de ilustrações do pantógrafo apresentadas na Figura 23, publicadas na obra de Sheiner (1631), permitem-nos ilustrar, com maior detalhe, ambas as aplicações do mecanismo.

Na Figura 23a é possível observar a aplicação do pantógrafo para a reprodução de um registo gráfico bidimensional, procedendo à respetiva ampliação ou redução.

A Figura 23b representa, de acordo com Kemp (2000), o pantógrafo construído por Scheiner, usado como máquina de perspetiva, apenso a um tabuleiro de desenho especial, em que foi aberto um buraco.

Figura 23a Figura 23b Figura 23c

Figura 23: Ilustrações do pantógrafo publicadas na obra de Scheiner (1631)

Efetivamente, é possível destacar nessa Figura (Figura 23b), uma clara distinção entre aquilo que, em análise a um excerto da obra de Scheiner (1631) – em que o autor se debruça sobre o pantógrafo enquanto máquina de perspetiva –, Bussi e Maschietto (2006) definem como o “espaço matemático” (aquele do modelo a reproduzir, do índice que age como ponto diretor) e o “espaço real e físico” (aquele do papel sobre o qual se traça o desenho, da pena que atua como ponto reprodutor).

Aos nossos olhos, o dito “espaço matemático”, ou seja, o buraco aberto no tabuleiro mencionado por Kemp (2000), afigura-se na superfície retangular delimitada pelas letras , aquela sobre a qual o índex, assim designado por Scheiner (1631), ou o índice,

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contorna o objeto tridimensional a ser representado em , o referido “espaço real e físico”.

O mesmo se verifica na Figura 23c, que nos remete para uma outra forma de usar o pantógrafo para representar objetos tridimensionais, no plano, segundo uma perspetiva linear. Nesta Figura (Figura 23c), a letra L representa a “pena”, que reproduz os contornos percorridos pelo índice (aqui representado pela letra M).

A Figura 24 (consideravelmente mais elucidativa do que aquela que se observa no frontispício da obra de Scheiner (1631)) ilustra, de forma bastante intuitiva, o modo como o pantógrafo era operado enquanto máquina de perspetiva.

A título de curiosidade, a AMM (s.d.e) e o MUSNSS (s.d.b) disponibilizam diversas representações do pantógrafo, enquanto máquina de perspetiva, que, mais claramente, ilustram o seu funcionamento.

Figura 24: Pantógrafo de Scheiner usado como máquina de perspetiva

Retomando a discussão em torno da origem do pantógrafo, uma outra perspetiva, adiantada por Ward (2008), denota que, até ao século XVII, o pantógrafo já existia, embora, à data, fosse conhecido por paralelogramo, e que o princípio geométrico em que se baseava o mecanismo é tão simples que se torna difícil atribuir crédito a alguma entidade pela sua aplicação prática.

De igual modo, ainda que designando o mecanismo por pantógrafo de Scheiner, Bussi e Maschietto (2006) referem que Scheiner (1631) afirma ter reconstruído um instrumento designado paralelogramo.

De forma análoga, apesar de reconhecer que muitos autores atribuem a Scheiner o mérito pela invenção do pantógrafo, Owen (2004) sublinha que pantógrafos (ou instrumentos muito similares) foram usados, muito tempo antes, por várias personalidades

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ilustres, de entre as quais destaca Leonardo da Vinci, Michelangelo e vários anciães gregos, entre muitos outros.

O autor, Owen (2004), reforça a sua conjetura reportando-se ao episódio com que Scheiner (1631) introduz a sua obra e expõe os antecedentes da sua invenção. À luz desse testemunho enfatiza que o pantógrafo de Scheiner se baseia num mecanismo já existente, que lhe fora dado a conhecer pelo artista Georgious – a quem Kemp (2000), por seu turno, se refere como mestre Gregorious.

Apesar da relutância em considerar que o pantógrafo é uma invenção de Scheiner, Ward (2008) salvaguarda que são consideráveis as introduções técnicas ao uso do mecanismo e os estudos acerca do seu desenvolvimento (e das múltiplas variações que derivam do instrumento original) produzidos a partir do século XVII.

Apesar da inexistência de um reconhecimento explícito ao mérito de Scheiner pela invenção do pantógrafo, salienta-se que não há, por parte de Ward (2008), referência a qualquer outro marco bibliográfico anterior à obra de Scheiner (1631).

A este respeito, gostaríamos de salientar, como vimos com base no testemunho de vários autores, que o próprio Scheiner (1631) terá dissertado acerca dos antecedentes da sua criação situando-os, no tempo, em 1603 (século XVII), precisamente o século em que Ward (2008) localiza o início do forte incremento da aplicação do mecanismo e do seu estudo.

Não obstante a controvérsia em torno da origem do pantógrafo, parece inegável o envolvimento de Scheiner na disseminação do seu uso. Inegável é, também, conforme se procurará pôr em evidência, a importância que o mecanismo acabaria por assumir nos mais diversos setores da atividade humana.