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Uma análise dos Tratados que compõem o direito espacial internacional revela que, em grande medida, estão ultrapassados – com poucas novidades nos últimos quarenta anos – ou, pelo menos, com uma certa dificuldade em lidar com os novos desafios apresentados pela crescente indústria espacial privada.

Este aspeto é acentuado por um enquadramento jurídico fragmentado, pouco uniforme e orientado, praticamente, para a atuação estadual: seja ao nível dos Tratados, dos acordos internacionais, dos princípios e das orientações da ONU, do direito interno dos Estados e dos acordos intergovernamentais.

Todos, sem exceção, são contributos essenciais para o direito espacial. Mas, em contrapartida, tendo em conta as diferentes soluções e interpretações propostas por cada um,

372 Apesar de, à época, não ser ainda membro da ESA, Portugal lançou em órbita o “PoSAT-1” a 26 de setembro

de 1993. Desenvolvido através de um consórcio de Universidades Portuguesas e construído no Reino Unido, o satélite cessou as comunicações em 2006. Encontra-se numa órbita descendente e prevê-se a sua reentrada na atmosfera e consequente desintegração em 2043.

373 Em 2006, Mário Ferreira, empresário português, pagou 200 mil dólares pela reserva do bilhete. Fundou a

“Caminho nas Estrelas, S.A.” que representa a Virgin Galactic em Portugal e fornece informação sobre a indústria privada dos voos suborbitais.

foi e tem sido impossível evitar o resultado global do atual direito espacial internacional: um conjunto de normas com um alcance maioritariamente jus-publicista e com dificuldade de adaptação à exploração privada do espaço.

O risco associado a este tipo de atividades impõe uma ponderação de todos os fatores respeitantes à responsabilidade civil, como é o exemplo da possibilidade de danos causados pelos operadores ou por terceiros, bem como a limitação do montante num pedido de indemnização que têm estado a cargo das legislações nacionais.

O direito interno dos Estados tem vindo a ganhar visibilidade e preponderância nos anos recentes. Se é um facto que muitas nações apresentam programas espaciais com pouca ou nenhuma referência a atividades privadas, já outras, por outro lado, estão recetivas a introduzir ou desenvolver considerações legais sobre a exploração do espaço por parte de entidades privadas.

Um dos principais obstáculos está relacionado com a aplicabilidade do direito aéreo, do direito espacial ou de ambos. Porque, verdadeiramente, nada impede que os Estados apliquem ao turismo espacial as normas de direito aéreo, de direito espacial ou de ambos. Um dos grandes problemas tem origem na incerteza de como se podem considerar os voos suborbitais. Ou seja, como voos espaciais, como aviação, ou como algo entre os dois.

A pergunta tem, portanto, razão de ser: será uma nova convenção internacional a resposta para uma realidade que fervilhará dentro de poucos anos? Dito de outra forma: valerá a pena construir um novo texto internacional que tenha preocupações em estabelecer regras específicas sobre, por exemplo, a supervisão, a autorização e a responsabilidade, conjugando o interesse dos Estados, dos operadores privados, dos passageiros e, no fim, de toda a Humanidade? Haverá, igualmente, a capacidade e o interesse de alcançar um equilíbrio desta natureza?

Elaborar um novo Tratado, independentemente de ser a melhor solução, comportará, decerto, obstáculos. O processo de ratificação, além de complexo, pode ser demasiado moroso. Desde a sua proposta, ao momento da assinatura, à ratificação e a eventuais alterações, todo o processo pode desencadear um período muito longo de negociações.374

374 Antoine Pitts, “Space tourism policy: why the world’s space-faring nations should adopt a code of conduct

Por outro lado, qualquer acordo internacional sobre o espaço deve requerer um entendimento generalizado, de modo a ser eficaz e a obter um “peso” internacional que vincule os Estados.

Vale a pena mencionar que o Acordo da Lua, de 1979, – o último Tratado a ser finalizado – foi assinado e ratificado por muito poucos Estados, em comparação com os documentos jurídicos antecessores. É o exemplo claro de um texto internacional cuja eficácia e alcance foram comprometidos, dada a não adoção deste acordo pela esmagadora maioria das nações.375

A inadequação e a incerteza do regime atual faz surgir posições tanto a favor da extensão das normas do direito aéreo, considerando necessário, porém, um novo regime jurídico,376 como a favor da aplicação do direito espacial a todo o voo suborbital.377

O desenvolvimento de um regime percetível e uniforme seria a solução ideal, mas um tratado multilateral nesse sentido não é uma “resposta realista” a curto prazo, nem vai ao encontro dos “problemas imediatos da indústria do turismo espacial”.378

A legislação dos Estados, enquadrando o turismo espacial como direito aéreo ou direito espacial é sempre algo positivo porque, no fundo, reconhece a preocupação da exploração privada e, por conseguinte, do direito espacial. No entanto, há que sublinhar que direito espacial necessita de uma clarificação apropriada do ponto de vista internacional.

O corpus iuris spatialis existente representa uma importante base para desenvolver as ferramentas legais para regular, adequadamente, o futuro próximo das atividades espaciais. Ainda assim, não é suficiente para os desafios presentes nem muito menos para as próximas décadas.

O turismo espacial levanta muitas questões e dúvidas não respondidas e, do ponto de vista jurídico, pode desencadear disputas que extravasem o direito internacional público, pelo que um enquadramento jurídico mais abrangente, além de necessário, deve ambicionar uma regulação que reflita os desejos da comunidade espacial: dos Estados, dos operadores

375 Ibid.

376 Zhao Yun, “A legal regime for space tourism: creating legal certainty in outer space” in Journal of Air Law

and Commerce, Vol. 74 (2009), p. 982.

377 Tanja Masson-Zwaan e Steven Freeland, “Between…” cit., p. 1603. 378 Ibid.

privados, dos turistas espaciais e, enfim, dos principais beneficiários, o próprio Espaço e a Humanidade.

Como foi referido, não é certo, também, que a melhor resposta seja um novo texto internacional mas, de todo o modo, talvez o caminho a percorrer deva começar com a adoção de um “Código de Conduta” para as atividades espaciais privadas.

Este tipo de documento, ainda que não vinculativo, dá orientações preciosas para os Estados e, acima de tudo, pode contribuir para harmonizar as regras relativas à responsabilidade contratual e extracontratual, por exemplo. Além disso, se for de iniciativa da ONU, pode encorajar os Estados que pretendam legislar sobre o espaço a adotar este tipo de orientações.

No entanto, para se seguir neste sentido, é “imperativo um diálogo internacional sobre o turismo espacial sob os auspícios do COPUOS”, de modo a enfrentar e a solucionar os desafios legais que se aproximam.379