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As novas expressões da questão social e a dimensão jurídica das relações sociais:

CAPÍTULO 2 O DIREITO NA SOCIEDADE CAPITALISTA: configurações no

2.2 As novas expressões da questão social e a dimensão jurídica das relações sociais:

Os desdobramentos das reflexões mostram que os avanços das relações sociais e jurídicas na sociedade de classes tende a alcançar graus mais elevados de complexidades que nos remetem a bases teóricas importantes ao conhecimento social, cujos fatores são concernentes com as novas expressões da questão social, portanto, imprescindíveis ao

conhecimento social e ampliação das interlocuções interdispicplinares. É nesse momento jurídico que se tem destaque das práticas consuetudinárias, tornando-se independente. “No processo judiciário, a transformação das ações de um homem concreto em atos de uma parte jurídica, isto é, de um sujeito jurídico aparecem de forma bastante nítida” (idem, p.118).

A burguesia assegura e mantém o seu domínio de classe, através de seu sistema de Direito penal, oprimindo as classes por ela exploradas. Nesse sentido, seus tribunais e suas organizações privadas tem esse mesmo objetivo. Pois, segundo Pachukanis (1988), o tribunal e o processo são o momento em que representa a realização completa da forma jurídica.

Ainda de acordo com Pachukanis (1988), como as relações sociais não se limitam às relações jurídicas abstratas entre proprietários de mercadorias abstratas, a jurisdição penal não é somente uma encarnação da forma jurídica abstrata, é também uma arma na luta de classes. Logo, quanto mais intensa é essa disputa, mais a dominação de classe vai encontrar dificuldades para se efetivar. É neste momento em que o tribunal “imparcial” com suas garantias jurídicas, toma frente numa organização direta da violência de classe, onde as ações são geridas por considerações de oportunidade política. Os delitos e as penas assumem, neste momento, um caráter jurídico – diferente em sociedades anteriores. Por conseguinte, enquanto esta forma se conserva, a luta de classes concretiza-se com o essencial auxílio da jurisprudência.

Portanto, o autor nos mostra a necessidade de buscarmos as raízes da forma jurídica burguesa, leia-se: do Direito na sociedade capitalista; para que possamos ter uma análise mais próxima possível da realidade. Para isso foram examinados em seu texto, de forma cuidadosa, alguns conceitos jurídicos que refletem teoricamente o sistema jurídico enquanto uma totalidade orgânica. Ou seja, a forma jurídica que se expressa por abstrações lógicas, nada mais é que um produto da própria forma real/concreta, um produto real das relações de produção capitalistas.

Destarte, corroborando com a ideia do autor, na qual o tribunal e o processo representam a realização completa da forma jurídica, a judicialização da saúde seria então, uma manifestação desta. Assim, como podemos pensar o fenômeno da judicialização nos tempos atuais? Teria o destaque do Poder Judiciário, seus tribunais e juristas, algo de funcional à manutenção das relações sociais capitalistas?

Porém, antes de entrarmos em uma breve apreciação sobre tal fenômeno. Se faz necessário algumas considerações de Sartori (2011) sobre o caráter fetichista do Direito.

Desta forma, o autor afirma que no cotidiano capitalista:

As relações entre pessoas não aparecem de maneira fetichista somente quando são vistas como relações entre coisas. Há fetiche quando se toma na prática cotidiana relações sociais reificadas como pressupostas ao mesmo tempo em que essa reificação mesma é vista como “liberdade” ao se poder “contratar”, “vender”, como “pessoa” (SARTORI, 2011, p. 179).

As “pessoas” – independentemente da sua classe – aparecem como “iguais”. Todas aparecem como vendedores (de mercadorias ou força de trabalho). Daí a fundamental importância da compreensão do processo produtivo, já que o revestimento jurídico das relações econômicas reificadas está presente no processo de produção capitalista.

A forma jurídica e a alienação são indissociáveis. E é verdade que “o Direito, nada mais é que o reconhecimento oficial do fato” – nas palavras de Marx em a Miséria da Filosofia –. No entanto, o caráter de “oficialidade” deste reconhecimento, ele mesmo fruto da divisão social do trabalho, faz com que o reflexo jurídico tenha um “duplo caráter”: sob a racionalidade do “jurista” ao mesmo tempo em que o Direito positivo busca colocar-se como sistemático e autônomo, ele depende de relações econômicas, as quais lhe dão conteúdo. Assim, ao mesmo tempo em que pretende um reflexo perfeito e fotográfico da realidade, tal reflexo é invertido e alienado. E não poderia deixar de ser: aquilo que aparece com o Direito são relações capitalistas marcadas pelo fetichismo (idem).

O fetichismo da sociedade capitalista, ainda nas palavras do autor, “dá ares de transcendentalidade àquilo que é essencialmente social e mundano” (idem, p.181). As relações históricas (materiais), que são também sociais, surgem reificadas, pois, com a mediação jurídica também, o aspecto de “coisa” é reforçado.

O Direito também é visto como natural e evidente no cotidiano capitalista, dando roupagem “jurídica” às relações sociais na medida mesma em que a própria configuração das relações de produção capitalistas já contém em si a alienação inerente à relação-capital e à forma- mercadoria (idem).

O fetichismo, desta forma, é amparado na mediação jurídica. “Com a mediação do Direito, a “acumulação primitiva”, “originária”, é naturalizada quando o capitalista não aparece ligado à expropriação, mas ao direito de propriedade” (SARTORI, 2011, p.182).

Sendo o capitalismo constantemente nutrido de relações sociais antagônicas, os trabalhadores são alienados quanto ao seu produto de trabalho. Prontamente o que ele deve buscar de forma incessante é um “emprego”. Nesse momento, ele aparece de forma essencial como força de trabalho – algo reificado. O trabalho morto é inserido aos meios de produção

que passam a ser monopólio de determinada classe enquanto o trabalho vivo somente se insere quando se tem um “emprego”. Logo, a alienação transpassa as raízes do capital, que por sua vez, opera com o auxílio indispensável do Direito. “Amparando-se em tal fetichismo e na alienação inerente à relação-capital e à forma jurídica que a acompanha, aquele que parece “dar”, “gerar” o emprego é o capitalista, o detentor, o “proprietário” dos meios de produção” (idem).

Em tais circunstâncias, na mesma medida em que o homem é manipulado, “empregado”, tornado funcional, a mediação jurídica (principalmente pela noção de contrato) o torna uma “pessoa”. A imposição de relações sociais alienadas é indissociável da forma jurídica. Tornar o homem aquele o qual é “empregado”, situação que é vista como “natural” pelo Direito, faz com que, pela própria natureza da forma de sociabilidade do capital, trata-se realmente de uma relação imposta, mesmo isso se manifestando quando a mediação de tal imposição seja contratual, seja aquilo que – sob a relação do capital – aparece como liberdade. A alienação do trabalhador quanto às suas condições de trabalho, que configura a relação-capital, é vista como expressão da liberdade e da vontade da “pessoa” quando a imposição dos imperativos reprodutivos de fuma forma alienada de produção é efetiva. Neste sentido, o “emprego” é indissociável do trabalho assalariado [...] parece plenamente racional em meio á própria irracionalidade que está contida nele. Assim, os trabalhadores mesmos aparecem como “personificações do capital”, como aqueles que trazem o aviltamento de sua própria personalidade (SARTORI, 2011, p. 182).

Portanto, indo ao encontro do nosso objeto de estudo, o desenvolvimento cada vez mais complexo da divisão social do trabalho no modo de produção capitalista, traz o Judiciário como destaque cada vez mais. As relações econômicas, sociais, são mediadas pelos tribunais, através do conjunto de normas jurídicas. As relações econômicas aparecem como jurídicas, em decorrência do direito de propriedade. Assim, semelha ser o contrato o único elemento intermediário nas transações econômicas, cujo conteúdo, em verdade é a relação econômica própria.

“Na imediatidade do cotidiano capitalista, porém, opera-se efetivamente por meio de relações jurídicas, como o contrato. Assim sendo, a irracionalidade do capital opera por meio de algo igualmente irracional, o próprio Direito” (idem, p.186).

Os imperativos reprodutivos impessoais do próprio capital aparecem sob a veste jurídica – o Direito, desta maneira, efetivamente, aparece como comando, um comando socialmente necessário à reprodução do capital como tal. Daí, porém, não advém que haja um “imperativo despsicologizado” “genérico e universal” nos termos que os juristas pretendem normalmente (idem).

O caráter fetichista intrínseco as relações de produção do capitalismo dão o tom nas relações sociais na sociedade burguesa. As pessoas são vistas enquanto simples mercadorias e/ou possuidoras de mercadorias. Para além dessa concepção, podemos afirmar que na ótica burguesa as mercadorias se apresentam em sua forma imediata e nãos mostram o caráter misterioso que guardam no âmbito das relações ociais41, o que nas relações jurídicas podem ser desvendadas desde que sejam utilizaas as chaves teóricas para tal. Os direitos sociais são vistos como mercadorias. Logo, o direito à saúde também.

Desta forma, compreendemos o Poder Judiciário na contemporaneidade como uma instituição que cumpre com sucesso seu papel formal-burocrático como mediador das necessidades e no comando dos interesses de reprodução do sistema, no campo jurídico faz a defesa dos princípios abstratos da subjetividade jurídica.

O objeto prático da mediação jurídica é o de dar garantias a marcha, mais ou menos livre, da produção e da reprodução social que, na sociedade de produção mercantil, se opera formalmente através de uma série de contratos jurídicos privados. Não se pode atingir este objetivo recorrendo unicamente ao auxilio de formas de consciência, isto é, através de momentos puramente subjetivos: é necessário, por isso, recorrer a critérios precisos, a leis e a rigorosas interpretações de leis, a uma casuística, a tribunais e à execução coativa das decisões judiciais (PACHUKANIS, 1988, p. 13).

As expressões dos conflitos entre as classes sociais passam – fundamentalmente – a serem cuidados na esfera da justiça. As relações sociais também são mediadas por normas legais que fazem a regulação da vida social.

O Judiciário na atualidade aparece, assim com um “novo papel”, fundamentalmente como uma instituição que “implementa” alguns direitos. Pois, há a possibilidade de buscar a “garantia” de direitos – quando estes são violados – através dos tribunais, das decisões dos juristas, demonstrando com isso, um aumento das carências do atendimento dos direitos sociais, daí a judicialização da saúde encontra lugar na sociedade. Porém, o fenômeno da judicialização pode se constituir nos dias atuais em um processo de ampliação dos direitos sociais? É isto que nos chama atenção e que pretendemos continuar examinando ao decorrer deste singelo trabalho. Quais os fatores que explicam a emergência ou ampliação da

41 MAR, K. O Capital ( Crítica da Econoia Política. Livro 1. Processo de Produção do Capital Vol. 1. Trad.

judicialização como uma via possível á obtenção de direitos á saúde, por parte de alguns segmentos da sociedade brasileira, especialmente, no Rio de Janeiro?

2.3 – Aporte históricos e teóricos sobre a judicialização no Brasil: alternativa aos direitos