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3. Trajetória do ensino das construções geométricas na escola

3.3. Novas mudanças na educação

LDBEN 9394/96 e PCN de Matemática de 5a a 8a série:

construções geométricas, novamente valorizadas?

As diretrizes da LDB 5692/71 permaneceram por 25 anos. No entanto, algumas das mudanças estabelecidas não foram seguidas. Dentre elas, podemos citar a escolarização do 1o grau que deveria se estender por 8 anos, da 1a à 8a série, em todas as instituições

escolares públicas. Isso não aconteceu, pois muitos grupos escolares continuaram ministrando apenas as quatro primeiras séries do 1o grau.

Em 1996 é promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n. 9394. Ela não foi “o resultado de um grande debate nacional, e sim da adoção de um substitutivo de última hora apresentado pelo então senador Darcy Ribeiro, que havia estado

nas trincheiras da escola pública nos anos 1950 e 1960, mas que buscava então olhar para a educação com outros olhos.” (Schwartzman et al., 2000).

Outros direcionamentos para o ensino foram sugeridos com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, como abordaremos posteriormente.

E qual é o quadro atual em relação ao ensino das construções geométricas? Em nosso país, o Desenho Geométrico constitui uma disciplina independente. Existem umas poucas escolas que ainda ministram o Desenho Geométrico, algumas delas o fazem apenas em um ou dois anos do ensino fundamental. Poucas escolas em Minas Gerais ainda mantêm o Desenho Geométrico em todo o ensino fundamental. No restante do Brasil, temos situações variadas, escolas de algumas cidades de alguns Estados conservam o Desenho, mas várias já cogitavam retirar esta disciplina, há alguns anos.30 Atualmente, dentro da

“Grande BH” 31 temos um quadro muito diversificado: escolas que mantêm a disciplina Desenho Geométrico; escolas que tratam das construções geométricas dentro da disciplina Artes; escolas que não possuem a disciplina Desenho Geométrico em suas grades curriculares e não abordam as construções geométricas em nenhum momento, nem mesmo dentro do conteúdo de Geometria, desenvolvido em Matemática; e, uma outra classe de escolas que trazem a disciplina em questão em sua grade curricular, mas o conteúdo não é cumprido, sendo estas aulas preenchidas com o conteúdo de Matemática, sem nem sequer se mencionarem as construções geométricas.

O ensino de Geometria é valorizado e visto como imprescindível em inúmeros países, onde os livros didáticos abordam este conteúdo. No Brasil, isto não ocorre do mesmo modo, o estudo da Geometria ficou restrito ao reconhecimento de figuras geométricas e cálculo de áreas em muitas escolas. Entretanto, já se percebe uma maior preocupação com o seu estudo por parte de alguns professores e autores de livros didáticos para o ensino básico e, também, dos poderes públicos. Observa-se uma preocupação do Ministério da Educação e do Desporto com o ensino de Geometria, na sua publicação, em 1997, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, enfatizando a sua importância no ensino fundamental, para o 1o e o 2o ciclos. A Geometria Euclidiana vem reconquistando o seu lugar nos programas escolares. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o 3o e 4o ciclos do ensino fundamental, ou seja, de 5a a 8a série, foram publicados em 1998. Quanto ao volume especialmente dedicado ao ensino de Matemática32, no que se refere à valorização

do ensino da geometria e das construções geométricas com a utilização de instrumentos, percebemos uma preocupação com o desenvolvimento do pensamento geométrico do aluno, aliado aos traçados geométricos, os quais possibilitam visualizar de uma forma concreta a teoria. A importância da construção do conhecimento de geometria, através das

30 Esta afirmação se fundamenta nos relatos de professores de matemática e Desenho Geométrico, de vários Estados, presentes durante a minha apresentação da comunicação científica “Geometria e Desenho Geométrico, por quê e para quê?”, no Congresso Nacional de Educação, II CONED, no ano de 1997, realizado em Belo Horizonte, MG.

31 Situamos, aqui, o ensino do Desenho Geométrico na "Grande Belo Horizonte", por estarmos estabelecidos nesta região, o que nos possibilita retratar mais fielmente a realidade escolar em relação à esta disciplina. 32 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática - 3o e 4o ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

construções geométricas, é reforçada, em diversos trechos dos PCN de Matemática, como poderemos constatar mais à frente.

O volume introdutório dos Parâmetros Curriculares Nacionais prescreve

“A seleção de conteúdos, pela equipe escolar, deve levar em conta sua relevância

social e sua contribuição para o desenvolvimento intelectual do aluno. Esses dois critérios podem guiar as escolhas que precisam ser feitas, em função das capacidades que se pretende desenvolver e da ampla gama de assuntos possíveis de serem tratados no âmbito de cada área de conhecimento.

Os PCN de Matemática destacam a importância da geometria e das medidas para desenvolver as capacidades cognitivas fundamentais:

“O importante é que o aluno identifique o número irracional como um número de

infinitas "casas" decimais não-periódicas, identifique esse número com um ponto na reta, situado entre dois racionais apropriados, reconheça que esse número não pode ser expresso por uma razão de inteiros; conheça números irracionais obtidos por raízes quadradas e localize alguns na reta numérica, fazendo uso, inclusive, de construções geométricas com régua e compasso33. Esse trabalho inicial com os

irracionais tem por finalidade, sobretudo, proporcionar contra-exemplos para ampliar a compreensão dos números.

Quando se aborda o trabalho com o espaço e forma, preconiza-se que o professor de Matemática:

“explore situações em que sejam necessárias algumas construções geométricas com

régua e compasso, como visualização e aplicação de propriedades das figuras, além da construção de outras relações.

Deve destacar-se também nesse trabalho a importância das transformações geométricas (isometrias, homotetias), de modo que permita o desenvolvimento de habilidades de percepção espacial e como recurso para induzir de forma experimental a descoberta, por exemplo, das condições para que duas figuras sejam congruentes ou semelhantes.”

Ao tratar da seleção de conteúdos, destacam a importância de o aluno dominar os conceitos e, quanto aos procedimentos indicam que estes

“estão direcionados à consecução de uma meta e desempenham um papel importante

pois grande parte do que se aprende em Matemática são conteúdos relacionados e procedimentos. Os procedimentos não devem ser encarados apenas como aproximação metodológica para aquisição de um dado conceito, mas como conteúdos que possibilitem o desenvolvimento de capacidades relacionadas com o saber fazer, aplicáveis a distintas situações. Esse ‘saber fazer’ implica construir as estratégias e os procedimentos, compreendendo os conceitos e processos neles envolvidos. Nesse sentido, o s procedimentos não são esquecidos facilmente. Exemplos de procedimentos: resolução de uma equação, traçar a mediatriz de um segmento com régua e compasso, porcentagens, etc.”(p.49-50)

Para o ensino de Geometria – bastante valorizado – destaca-se que

“Os conceitos geométricos constituem parte importante do currículo de Matemática no ensino fundamental, porque, por meio deles, o aluno desenvolve um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender, descrever e representar, de forma organizada o mundo em que vive.

O estudo da Geometria é um campo fértil para trabalhar com situações-problema e é um tema pelo qual os alunos costumam se interessar naturalmente. O trabalho com noções geométricas contribui para a aprendizagem de números e medidas, pois estimula o aluno a observar, perceber semelhanças e diferenças, identificar regularidades, etc.

O trabalho com espaço e forma pressupõe que o professor de Matemática explore situações que sejam necessárias algumas construções geométricas com régua e compasso, como visualização e aplicação das propriedades das figuras, além da construção de outras relações.

[...]

Deve-se destacar-se também nesse trabalho a importância das transformações geométricas (isometrias, homotetias), de modo que permita o desenvolvimento de habilidades de percepção espacial e como recurso para induzir de forma experimental a descoberta, por exemplo, das condições para que duas figuras sejam congruentes ou semelhantes.”(p. 51)

Nos objetivos do ensino de matemática específicos para o 3o ciclo – 5a e 6a séries do ensino fundamental – se aponta a importância do desenvolvimento do pensamento geométrico através da “exploração de situações de aprendizagem que levem o aluno a: resolver situações-problema que envolvam figuras geométricas planas, utilizando procedimentos de decomposição e composição, transformação, ampliação e redução.” Além disso, se propõe, muito claramente, a utilização dos instrumentos de desenho, reforçando que o

“aspecto que merece atenção neste ciclo é o ensino de procedimentos de construção com régua e compasso e o uso de outros instrumentos, como esquadro, transferidor, estabelecendo-se a relação entre tais procedimentos e as propriedades geométricas que neles estão presentes.

É importante que essas atividades sejam conduzidas, de forma que mantenha ligações estreitas com o estudo de outros conteúdos, em particular com as atividades numéricas, métricas e com a noção de proporcionalidade.”

Para o 4o ciclo, ou seja 7a e 8a séries, no estudo do espaço e forma é sugerido que

sejam realizadas

““ resoluções de situações-problema que envolvam a obtenção de mediatriz de um segmento, da bissetriz de um ângulo, de retas paralelas e perpendiculares e de alguns ângulos notáveis, fazendo uso de instrumentos como régua, compasso, esquadro e transferidor. Bem como a identificação e construção de alturas, bissetrizes, medianas e mediatrizes de um triângulo utilizando régua e compasso, sendo abordadas, também verificações experimentais e aplicações do teorema de Tales.” (p.89) 34

Dentre os objetivos do ensino de matemática específicos para o 4o ciclo é importante, para este estudo, destacar que se considera o desenvolvimento

34 Grifos nossos.

“Do pensamento geométrico, por meio da exploração de situações de aprendizagem que levem o aluno a:

* interpretar e representar a localização e o deslocamento de uma figura no plano

cartesiano;

* produzir e analisar transformações e ampliações/reduções de figuras geométricas planas,

identificando seus elementos variantes e invariantes, desenvolvendo o conceito de congruência e semelhança;

* ampliar e aprofundar noções geométricas como incidência, paralelismo, perpendicularismo e ângulo para estabelecer relações, inclusive as métricas, em figuras bidimensionais e tridimensionais.

No entanto, a Geometria tem tido pouco destaque nas aulas de Matemática e, muitas vezes, confunde-se seu ensino com o das medidas. Em que pese seu abandono, ela desempenha um papel fundamental no currículo, na medida em que possibilita ao aluno desenvolver um tipo de pensamento particular para compreender, descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive. Também é fato que as questões geométricas costumam despertar o interesse dos adolescentes e jovens de modo natural e espontâneo. Além disso, é um campo fértil de situações-problema que favorece o desenvolvimento da capacidade para argumentar e construir demonstrações.As atividades de Geometria são muito propícias para que o professor construa junto com seus alunos um caminho que a partir de experiências concretas leve-os a compreender a importância e a necessidade da prova para legitimar as hipóteses levantadas. Para delinear esse caminho, não se deve esquecer a articulação apropriada entre os três domínios citados anteriormente: o espaço físico, as figuras geométricas e as representações gráficas.”

Embora o Desenho Geométrico não apareça como disciplina obrigatória, pelas sugestões, sentimos um retorno da valorização do ensino das construções geométricas, com a utilização de instrumentos de desenho.

Para o 3o ciclo é recomendado o ensino de procedimentos de construção com régua e compasso e o uso de outros instrumentos, como esquadro, transferidor, estabelecendo-se a relação entre tais procedimentos e as propriedades geométricas que neles estão presentes.

Para o 4o ciclo, todas as situações propostas envolvem construções fundamentadas na teoria da geometria. A proposta dos PCN para que se trabalhem as construções geométricas, pelo que nos parece, é dirigida à 8a série. Mas, ao realizar uma comparação com os conteúdos propostos nos livros didáticos de Desenho Geométrico, veremos que, para a 8a série, nos PCN, são escolhidos, apenas, tópicos centrados nos livros da 7a série. Somente o Teorema de Tales, que pode ser aplicado e justificar algumas construções geométricas, faz parte do programa de matemática da 8a série. Apesar de ser nítida a valorização do retorno das construções com régua e compasso, a proposta se fixa mais nos conteúdos abordados na 7a série, não tendo um prosseguimento no estudo de geometria na série seguinte. Em nosso entender, as construções fundamentais poderiam já se iniciar na 5a e 6a séries, dentro do estudo da geometria, e dar prosseguimento às construções mais elaboradas, nas séries posteriores.

3.4. Tecendo algumas considerações – Do campo do currículo para a situação