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Tecendo algumas considerações Do campo do currículo para

3. Trajetória do ensino das construções geométricas na escola

3.4. Tecendo algumas considerações Do campo do currículo para

No Brasil, existe uma dicotomia no ensino que é histórica. Sempre houve diferença entre a educação das elites e a educação das classes populares, entre ensino médio de formação geral e ensino médio profissionalizante. Isso não é um caso específico do nosso país. A partir do século XIX, os diferentes países tendem à criação de um duplo tipo de ensino: um para o povo e outro para as elites. (Pavanello, 1989, p.75).

Houve uma diversificação crescente dos sistemas de classes, principalmente, ao longo da primeira República, (Ghiraldelli Jr., 1994), que continuou, e, na Reforma Capanema, assistimos à

“organização de um sistema de ensino bifurcado, com um ensino secundário público destinado às "elites condutoras" e um ensino profissionalizante para as classes populares. (...) O sistema público de ensino continuou, então, a oferecer determinado percurso para os alunos provenientes das classes mais abastadas e outro percurso diferente para as crianças de classes populares que, porventura conseguissem chegar e permanecer na escola.” (Ghiraldelli Jr., 1994, p. 84)

Essa posição fica ainda mais marcada com a Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1941. A legislação era clara: a escola deveria contribuir para a divisão de classes, e, desde cedo, separar pelas diferenças de chances de aquisição culturas, dirigentes e dirigidos. (id. ib., p.86). Os currículos se mostraram bastante diferenciados. Houve a divisão entre o clássico e o científico, para o ensino secundário, ambos com caráter enciclopédico, propedêutico com vistas a conduzir ao ensino superior. As diversas leis orgânicas entram em vigor: em 1942, a do Ensino Industrial; em 1943, a do Ensino Comercial; em 1946, a do Ensino Agrícola; em 1946, mais duas: a do ensino Normal e a do Ensino Primário. Posteriormente, com a organização do SENAI e do SENAC, para a formação da mão-de- obra crescente, os cursos profissionalizantes tiveram grande crescimento.

A educação no Brasil, na década de 60, era caótica. Em 1963, João Goulart revelou que apenas 7% dos alunos do curso primário conseguiam chegar à 4a série; 14% dos estudantes chegavam ao ensino secundário; e 1%, aos cursos superiores; em um país onde metade da população era analfabeta. (Ghiraldelli Jr, 1994).

Com Lei 5692/71 concedendo a liberdade de escolher as disciplinas da parte diversificada do currículo, as escolas se diferenciam. Bernstein considera que “a forma pela qual a sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia o conhecimento educacional que ela considera ser público, reflete tanto a distribuição de poder quanto os princípios de controle social.” (Bernstein apud Goodson, 1990, p.230). Isso explicaria a dicotomia no ensino brasileiro.

Moreira (1992) vem reforçar a teoria de que o currículo escolar tem sido mais adequado às classes dominantes, ao destacar que:

“O conteúdo ensinado nas escolas tem sido selecionados, usualmente, da cultura dominante, e, com vistas a compensar possíveis deficiências das culturas de origem, tem sido

transmitido a todos os alunos, ainda que muitos não consigam sair dos primeiros passos.”

(Moreira, 1992, p.22)

Entretanto, dentro da realidade do nosso país, por mais que as políticas públicas, em relação à educação, queiram afirmar que o conhecimento é acessível a todos, é notório que os currículos das escolas particulares são, em geral, muito distintos dos currículos das escolas públicas. Complementando Moreira, podemos dizer que parte do que é ensinado nas escolas é comum a todas as classes sociais; entretanto existe uma diversificação tanto nas grades curriculares e no elenco das disciplinas, assim como no tempo dedicado às mesmas. Referente à uma mesma disciplina, encontraremos conteúdos que são valorizados nas instituições de ensino particulares e não são considerados pelas escolas públicas. Isto é constatado quando se comparam as grades curriculares das escolas públicas e das escolas particulares.

Recuando no tempo, desde o final do século XIX, no Brasil, com a urbanização, industrialização e a migração da população rural para as cidades, criou-se um contingente a ser escolarizado. Ao mesmo tempo o governo precisava de membros produtivos nessa nova sociedade que se formava. E este motivo vai demandar a criação de cursos profissionalizantes.

Novamente, Moreira (1992) contribui com as suas considerações esclarecendo a questão dos cursos profissionalizantes implantados no país, ao avaliar que o “currículo tecnicista é visto como favorecendo conformidade e homogeneidade social, ao invés de diversidade, e contribuindo para a preservação da estrutura social vigente, ao invés de para sua superação. A ênfase é na estabilidade do sistema social e não em sua transformação.” (p.18). Para este autor, e mais recentemente com Michel Apple e Henry Giroux, que estão entre os principais representantes da teoria crítica do currículo, temos um enfoque dialético de controle social. Este pode ser visto, na opinião de Aronowitz e Giroux, tanto pelo seu lado negativo como positivo. O controle social é considerado positivo, quando visa elaborar currículos, nos quais os alunos possam ter “uma voz ativa e crítica e que lhes forneçam o conhecimento e as habilidades necessárias para sobrevivência e crescimento no mundo moderno” (Moreira, 1992, 21). Isso acontece no Brasil? Pavanello (1989) acredita que na década de 80 a dualidade do ensino escolar permanecia. Entendemos que o controle social se manteve com currículos distintos para os diferentes níveis sociais.

Voltando esta discussão para a nossa realidade atual, podemos perguntar: mas, atualmente, no Brasil, não são as escolas que determinam o seu currículo? Sim. Entretanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais, apesar de serem apenas “um referencial comum para a educação escolar”, vêm sendo seguidos pelas escolas públicas e particulares. Deste modo, ele se torna um documento determinante de conteúdos e metodologias a serem seguidas. Dentro do contexto atual, os PCN têm um caráter de política pública, já que são proclamados como referências, dentro de orientações governamentais, idealizados com a finalidade de estabelecer:

“uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os projetos ligados a sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e compra de livros e outros

materiais didáticos e à avaliação nacional. Têm como função subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos Estados e Municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna das escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores.” (PCN, v. 1, p.36)

As políticas públicas, ao dirigirem as orientações curriculares através dos PCN para o ensino fundamental e médio, estabelecem conteúdos, metodologias, procurando padronizar, de certo modo, o ensino básico, instituindo-se como política unificadora de um currículo nacional. Os PCN trazem as concepções e dimensões culturais, políticas, sociais e econômicas dos seus elaboradores, refletindo no sistema educacional como um todo, visto que direcionam conteúdos de maior interesse e os seus objetivos. Não queremos, aqui, discutir a legitimidade, validade e possibilidades de se viabilizar a aplicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais nas escolas35, mas apenas levantamos a questão de um

direcionamento do ensino básico, que vai ao encontro do que é formulado pelos teóricos da sociologia do currículo: um grupo determina critérios, normas e orientações, segundo suas próprias concepções de ensino e cultura.

Retomando a trajetória do ensino das construções geométricas na escola brasileira

Essa digressão histórica dentro da legislação escolar nos aponta como um saber escolar vai sofrendo alterações, por mais de um século, tanto na sua metodologia – separação das construções geométricas da teoria da geometria euclidiana, divisão do desenho em quatro modalidades – como na sua obrigatoriedade no conjunto de disciplinas dos currículos, nos quais a legislação contribui para a mudança nos rumos do ensino.

A valorização das construções geométricas no Brasil segue de perto a trajetória européia. Assistimos à solidificação desse conhecimento se tornando um saber escolar na Europa, em função da necessidade de profissionais qualificados em determinadas áreas em face da industrialização. Esse quadro se repete em nosso país, tendo grande ênfase a partir de Rui Barbosa já vislumbrando novos rumos para a educação, com um caráter pragmático, visando ao progresso nacional. A divisão do Desenho em quatro modalidades na reforma do ensino, em 1931, é significativa num momento em que muitas indústrias necessitam de desenhistas com grande domínio da arte e da técnica. Só bem mais tarde, com a Reforma Capanema, o desenho técnico, que se baseia nas construções geométricas da geometria plana, passa a integrar as grades curriculares da escolas industriais, visando preparar técnicos especializados para o mercado de trabalho.

O momento que o Desenho Geométrico deixa de ser uma disciplina obrigatória é um ponto fundamental, e isso já está presente, de certa forma, desde a LDB de 1961,

35 Os PCN referentes aos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental – 5ª a 8ª séries – contêm orientações, objetivos, conteúdos relativos às seguintes áreas curriculares: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, Geografia, História, Língua Estrangeira, Arte e Educação Física. Existe também um volume introdutório – Introdução – e outro dedicado aos Temas Transversais – Ética, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde, Trabalho e Consumo.

quando se torna uma disciplina complementar obrigatória, entre duas das quatro opções de currículo do 1º ciclo e uma das quatro do 2º. Aqui há uma estratificação do saber. O Desenho Geométrico se torna menos valorizado ou é mantido apenas em algumas escolas com finalidades bem determinadas? De todo modo, seria o início de uma estratificação nos currículos escolares presente na seleção das disciplinas, que se efetiva dez anos depois, com a LDB 5692/71.

E quanto ao declínio do prestígio do Desenho Geométrico, a partir da década de 60? Podemos questionar se as construções geométricas começam a ser desvalorizadas pelo fato de a evolução da tecnologia, na área da informática, trazer facilidades e novos métodos para os mais diversos ramos do conhecimento. Isto não procede, pelo menos na época em que o Desenho Geométrico começou a ser excluído dos currículos, pois, nas décadas de 60 e 70, ainda eram muito incipientes os avanços na área computacional. Então, por que o Desenho Geométrico passa a integrar apenas algumas opções de currículo como disciplina obrigatória?

O Desenho Geométrico vai ter sua posição realmente abalada com a LDB 5692/71, pois deixa de ser uma disciplina obrigatória, configurando apenas na parte diversificada do currículo. A parte diversificada incluía dezenas de opções. Sendo assim, podemos dizer que cada instituição escolar escolheu continuar ou não a trabalhar com esta disciplina na década de 70. Por que retirar das grades curriculares o Desenho Geométrico? Este passou a não ser mais um conhecimento socialmente válido e legítimo? Havia influência do Movimento da Matemática Moderna? Em ambos os casos, as escolas que mantiveram a disciplina em seus currículos, certamente consideravam o Desenho Geométrico como um saber escolar importante e não foram influenciadas, pelo menos no tocante às construções geométricas, pela Matemática Moderna. Neste ponto devemos lembrar que no Movimento da Matemática Moderna, a Geometria passou para um segundo plano nos currículos, sendo mesmo desconsiderada por alguns autores. Embora isto tenha ocorrido, o Desenho Geométrico manteve o seu lugar, pelo menos, em algumas escolas.

Para Nicolau Marmo (199?), o Desenho Geométrico passou para a parte diversificada do currículo.

“por incompetência do Ministério Passarinho. O Ministro, que não era do ramo, foi mal assessorado. Transformou o Desenho em disciplina optativa, criou a farsa do segundo grau profissionalizante, unificou o vestibular fazendo tábua rasa das disciplinas de conhecimentos específicos e conhecimentos gerais, eliminou o Desenho dos vestibulares de Engenharia e Arquitetura. Não entrando no vestibular e sendo disciplina optativa, aos poucos o Desenho foi sendo retirado dos currículos de primeiro e segundo graus.” (p.15) 36

O ensino das construções geométricas continuava nos cursos técnicos-profissionais de algumas áreas, como foi destacado no Parecer n.º 395/80, mas é um conhecimento propedêutico e sem relações com a teoria da geometria euclidiana plana.

Uma outra hipótese sobre a permanência do Desenho Geométrico em determinadas escolas poderia estar diretamente ligada ao fato de as classes dominantes

entenderem que o ensino das construções geométricas poderia desenvolver determinadas competências e habilidades nas classes menos favorecidas, que viriam comprometer a atuação da elite. Esta possibilidade aparece como uma suposição quando percebemos que a exclusão do Desenho Geométrico se deu, principalmente, nas escolas públicas; sendo a disciplina mantida em diversas escolas particulares. Para melhor analisarmos a hipótese proposta, devemos conhecer o que pensam pesquisadores e autores de livros didáticos, que também atuam como professores, a respeito do ensino da geometria e do desenho geométrico.

Pavanello (1997) defende que a Geometria é um dos conteúdos propícios para o desenvolvimento da criatividade, pois “ela oferece um maior número de situações nas quais o aluno pode exercitar sua criatividade ao interagir com as propriedades dos objetos, manipulando e construindo figuras, concebendo maneiras de representá-las” (p. 331). Putnoki (1991) acredita no “grande valor pedagógico dos instrumentos de desenho, que, além de contribuírem para aguçar o sentido de organização e a criatividade do estudante, permitem trabalhar concretamente as idéias abstratas que dão suporte à Geometria.”

A importância do Desenho Geométrico também é sustentada por Carlos Marmo e Nicolau Marmo (1995), afirmando:

“O Desenho estabelece um canal de comunicação universal para a transmissão da linguagem gráfica. É disciplina que permite ao estudante tirar uma série muito grande de conclusões a partir de um mínimo de informações, liberando a criatividade. Interliga as demais disciplinas ajudando a compreensão de desenhos em geral e a resolução de questões de natureza prática do cotidiano. O Desenho concretiza os conhecimentos teóricos da Geometria, fortalecendo o ensino desta importante matéria.” (Marmo & Marmo, 1995, v.2, p.6)

Mas se esta disciplina é importante para a formação do aluno, por que ela deixou de ser obrigatória nos currículos? Quais os reais interesses da Educação Artística passar a ser obrigatória, pela lei 5692/71, em todas as séries do 1º e 2º graus? Para integrar a Educação Artística nas grades curriculares, a partir de então, as escolas públicas não tiveram outra opção, a não ser retirar o Desenho Geométrico. Uma disciplina obrigatória entraria no lugar de outra que passou a constar apenas da parte diversificada.

Também questionando a exclusão de algumas disciplinas do currículo, Cherryholmes (1993) interroga: por que certas matérias são privilegiadas em detrimento de outras? Quais interesses estariam sendo atendidos e quais estariam sendo excluídos? Buscando levantar subsídios para tentar responder a tais questões, poderíamos dizer que a substituição do Desenho Geométrico pela Educação Artística, a partir de 1971, principalmente nas escolas públicas, pode carregar um forte indício de que a “abstração e o desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo” que os alunos desenvolvem na primeira disciplina leva a aquisição de determinadas habilidades e competências que não são desenvolvidas pela segunda. Fixar a Educação Artística nos currículos no lugar do Desenho Geométrico seria menos nocivo às classes dominantes?

Já nos referimos a um conhecimento das construções geométricas desligado da teoria em muitos livros, mas, desde Platão eram enaltecidas as potencialidades do

desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo pela geometria, e isso poderia estar sendo reportado para o ensino das construções geométricas. Esta concepção estaria ainda mais arraigada principalmente nas escolas que os professores trabalhavam as construções geométricas justificadas na geometria euclidiana. Dando respaldo às nossas considerações encontramos Adam Smith ao destacar que executando

“algumas tarefas simples e de efeitos que também são, quiçá, sempre ou quase sempre os mesmos, o homem não tem oportunidade de exercitar a sua inteligência e criatividade... Também os empregos nos quais as pessoas de certa linha ou fortuna passam a vida não são simples nem uniformes, como os das pessoas comuns. São quase todos, extremamente complexos e de tal forma que exercitam mais a cabeça que as mãos.” (Shapin & Barnes apud Goodson, 1995, p. 86)

Para Goodson, quando Smith estabeleceu o elo fundamental entre a divisão do trabalho e a divisão de mentalidades, ele também o fez em relação ao currículo. A estratificação comparece na esfera social refletindo na cultura e na seleção do que é considerado como conhecimento legítimo dentro do universo escolar, imbuída nas opções ideológicas conscientes e inconscientes dos que têm poder para construir o currículo. (Apple, 1982).

Transpondo a análise de Smith para o ensino da Geometria Euclidiana e do Desenho Geométrico: cada construção geométrica traz em si uma lógica e desenvolvimento próprios. Para analisar um determinado problema e as estratégias necessárias para resolvê- lo, o aluno teria a oportunidade de exercitar sua inteligência e criatividade, desenvolvendo um raciocínio abstrato. Todos os cidadãos devem ter, igualmente, acesso a esse tipo de conhecimento e desenvolver estas competências e habilidades? Ou isso não convém à classe dominante? Esta situação também estaria presente quando as construções geométricas se tornaram uma matéria escolar autônoma, desvinculada da teoria da geometria euclidiana. Bastaria, para isso, decorar os “passos de construção”, não é necessário (ou permitido?) entender o porquê. Para o povo, aplica-se um saber mecânico, dirigido, sem contudo, oferecer ou estimular a capacidade de generalizações. De acordo com Pavanello (1989), “As escolas para as camadas inferiores são orientadas a preparar os estudantes para o trabalho, por isso a ênfase nas aplicações práticas dos princípios das ciências” (p.87), sendo que “a questão da geometria deve ser vista como um ato político e não somente pedagógica, pois está relacionada com a possibilidade de proporcionar, ou não, iguais oportunidades – e condições – de acesso a esse ramo do conhecimento.” (p.98).

Para as classes dominadas concede-se apenas a apropriação de um conhecimento específico e contextualizado que pode ser obtido através de uma aprendizagem “passiva e mecânica” (Shapin & Barnes apud Goodson, 1995, p. 86-87). Vai-se criando um modelo a ser seguido “tanto na sociedade quanto no corpo, a cabeça era refletiva, manipuladora e controladora; a mão irrefletiva, mecânica, determinada por instruções” (idem, p. 87). A ordem social é fundamental para a classe dominante: a cabeça controla a mão, e não o inverso; que se torna perigoso.

Temos conhecimento de que na Grécia, séculos antes de Cristo, o ensino da geometria estava destinado à elite. Quando nos referimos à geometria grega, as construções geométricas com régua e compasso estão incluídas, já que formavam um conhecimento único. Não entraria na Academia quem não tivesse o domínio da geometria. Os futuros dirigentes teriam uma formação especial. Em “A República”, Platão defende a idéia de uma cidade governada por filósofos. O ensino da geometria já estava ligado aos saberes da elite, antes do século IV a.C.. Então, o que se constata, é que isso não mudou muito ao longo dos séculos.

Pavanello (1989) afirma que “a tradicional dualidade do ensino brasileiro até que poderia, em termos do ensino de matemática, ser colocado como: ‘escola onde se ensina geometria’ (escola para a elite) e ‘escola onde não se ensina geometria’ (escola para o povo)” (p.166). Poderíamos duvidar que isto não seria verdadeiro no caso do Desenho Geométrico. As construções geométricas sempre fizeram parte dos currículos dos cursos profissionalizantes, que se tornam mais presentes após a década de 70 do século XX, como Edificações, Desenho Arquitetônico, Concreto Armado e Técnico em Mecânica; mas vale lembrar que esse estudo não estava ligado ao ensino da teoria da geometria plana. Aqui veríamos a apropriação de um conhecimento específico, como é colocado por Shapin & Barnes, já citado anteriormente. Um conhecimento voltado para a técnica e, por isto mesmo, as construções geométricas elementares estão inseridas numa disciplina denominada Desenho Técnico, procurando apenas dar as informações básicas para atender às necessidades dos profissionais daquelas áreas.

As construções geométricas são pré-requisitos indispensáveis para inúmeras profissões. Nos cursos técnicos vão ser adotados livros de Desenho Geométrico que trazem uma coletânea de construções, como os de Affonso da Rocha Giongo e Theodoro Braga37,

ou vão ser elaboradas apostilas bem direcionadas para os seus propósitos. Mas, em qualquer caso, teríamos uma aprendizagem “passiva e mecânica”.

Nascimento (1994) acentua que

“o Desenho no ensino brasileiro vai sendo descaracterizado, perdendo seu sentido de linguagem, não servindo de instrumento nem para a arte e nem para a técnica. A desconsideração para com essa característica na escola, que é intrínseca e que está na origem da própria disciplina, priva o aluno dessa linguagem natural e universal de comunicação. E isto se constitui, sem dúvida, numa sutil e eficiente forma de dominação.” (Nascimento, 1994, p.6)

Forquin (1992) nos remete a outra hipótese quando considera existir que alguns ramos são mais valorizados que outros, sendo os saberes técnicos menos prestigiados