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2. A exclusão social no campo e a institucionalização dos serviços de assistência

2.3 As novas perspectivas da Ater no Brasil

Ao reconhecer os diversos problemas causados pelo modelo modernizante o próprio estado começa a repensar a extensão rural no país, como descreve Dias (2008),

A partir do processo de democratização política nos anos 1980, quando se tornaram conhecidos os efeitos perversos do processo de modernização parcial dos espaços agrícolas brasileiros, (...), organizações não governamentais, organizações de movimentos sociais, acadêmicos e militantes políticos impulsionaram diversos questionamentos sobre o papel dos extensionistas como agente de promoção do desenvolvimento. O diagnóstico elaborado por esses atores era que os serviços públicos de extensão rural já não podiam mais se limitar à concepção seletiva e conservadora do desenvolvimento (DIAS, 2008, p.2).

Entre os efeitos da política de modernização agropecuária do Estado estão, dentre outros problemas, a concentração da propriedade da terra, o aumento do êxodo rural, e os impactos ambientais causados pelo setor primário (CAPORAL, 1991).

Então, após vários debates, questiona-se qual a melhor forma de se praticar a extensão rural. Passa-se a percebê-la dentro de uma nova perspectiva, entendendo-a como troca de conhecimentos acadêmicos e empíricos entre extensionistas e agricultores. Envolvem-se no processo as questões sociais, culturais, tradicionais, buscando o respeito à forma de viver e pensar dos agricultores. Agora, dentro do processo de extensão, estes têm o direito de expressar suas vontades, seus anseios e não servir, meramente, de espectadores para as orientações dos técnicos.

27 Portanto, deve-se desconsiderar a concepção de que os técnicos, por possuírem conhecimentos acadêmicos, sejam agentes que detêm saberes maiores que os homens do campo. Não existe saber maior ou menor, o que existe são conhecimentos e práticas diferentes que devem ser somados para que se possa realizar uma extensão rural que traga vantagens e corresponda aos anseios das populações rurais. Este processo, de acordo com Rodrigues (1997), inicia-se no final dos anos 70, e é denominado de humanismo crítico. Segundo o autor,

A principal característica do humanismo critico é a promoção humana integral das maiorias demográficas do campo, mas sem paternalismo, dentro de uma perspectiva libertadora em que o pequeno agricultor, proprietário ou não das terras onde labuta, é sujeito de suas ações como cidadão, problematiza sua realidade e decide. O extensionista,

não mais um “agente de mudança” manipulador, é o interlocutor

tecnicamente competente de um relacionamento dialógico, horizontal, democrático, portanto. O progresso tecnológico é também um dos seus objetivos, mas não se cogita da intervenção impositiva para a adoção de pacotes tecnológicos. Tenta-se viabilizar o progresso técnico e o aperfeiçoamento gerencial das minorias que historicamente tinham sido marginalizadas neste processo (RODRIGUES, 1997, p. 127).

No início dos anos 80, ocorreu uma crise econômica no país e alcançou o Sistema Nacional de Crédito Rural, fazendo com que sucedesse um declínio no número de operações de crédito rural (RODRIGUES, 1997). Segundo Santos (2004), o Estado brasileiro teve problemas, devido à falta de recursos, para manter e financiar as políticas e programas para o meio rural; isto colabora com as discussões sobre as metodologias e as intervenções dos serviços de Ater, levando o sistema de Ater nacional a entrar em crise.

A EMBRATER, através do SIMBRATER redefine os pequenos agricultores como público preferencial e incorpora em seu discurso questões como o uso racional dos recursos naturais, a melhoria de renda e bem estar das famílias carentes do meio rural, além do uso de tecnologias apropriadas à realidade dessas famílias (SANTOS, 2004; RODRIGUES, 1997).

Assim, “Ao final da década de 80 é notável a perda de credibilidade da EMBRATER junto aos setores mais influentes do governo da Nova República”, então, quando ocorre a chamada “operação desmonte”, que tem como objetivo enxugar os gastos públicos, em 1990 é extinta a EMBRATER, deixando as unidades federativas responsáveis pela organização dos seus sistemas de Ater (SANTOS, 2004, p.51).

28 No decorrer da década de 90, o sistema de Ater continua em crise; problemas como falência do modelo difusionista atrelados à diminuição da aplicação de recursos financeiros e pela ineficiência da Ater em promover o bem estar das populações rurais são parte da explicação desta crise (SANTOS, 2004).

Santos (2004) faz uma análise da crise da Ater dividida em quatro fatores, denominados por ele como “fatores determinantes” que convém aqui, ser descrita. Para o autor esses fatores são:

a) mudança do paradigma que, até finais da década de 70, orientava a organização e a atuação do Estado; b) descentralização administrativa resultante da reformulação do pacto federativo resultante da constituição de 1988; c) perda de credibilidade e legitimidade pública da ATER perante a sociedade civil e as classes políticas; d) emergência de movimentos sociais no campo e de ONG´s que passam a fornecer serviços de ATER não-estatais (SANTOS, 2004, p.54-55).

O primeiro fator está ligado ao afastamento do Estado, devido à crise econômica, das políticas de desenvolvimento. Estas políticas, que antes eram centradas no Estado, passam então a ser centradas no mercado. Esse processo também afetou o sistema estatal de Ater, assim, concomitantemente à crise vivenciada pelo sistema central de Ater nos anos 80, emerge um sistema de Ater não governamental, ou não estatal. “A participação de ONG’s, cooperativas e organizações de agricultores” nos serviços de Ater, resulta “de um longo processo de capital social” das populações rurais, além do aumento da capacidade e da vontade desta mesma população em participar da vida política (SANTOS, 2004, p. 56).

O segundo fator, descentralização do Estado, pode ser explicado a partir da promulgação da Constituição de 1988, onde as unidades federativas e os municípios “são convidados a fazer a sua parte em termos de provisão de bens e serviços mediante a ampliação dos repasses orçamentários feitos pela união.” (SANTOS, 2004, p. 56-57).

Essa tendência descentralizadora, com a extinção da EMBRATER em 1990, não deixou de fora a Ater. Assim os estados e municípios ficaram responsáveis para dar continuidade às atividades de Ater, quer seja com seus próprios recursos ou com repasses da própria união que eles pudessem utilizar para este fim. Sendo assim, ressalta o autor que,

Sem contar com uma legislação específica que pudesse regular a sua viabilização e operacionalização, o sistema de ATER oficial tornou-se

29 presa fácil em termos de cortes de gastos, diminuição do aparato estatal destinado aos serviços e transferência da sua gestão para as unidades federativas (SANTOS, 2004, P. 57).

A perda de credibilidade e legitimidade pública da Ater diante da sociedade civil e dos tomadores de decisão na esfera política, terceiro fator apontado por Santos (2004), deriva das críticas, inclusive da própria sociedade civil e do meio acadêmico. Estes setores acreditavam que a extensão rural foi “uma das principais responsáveis pela modernização desigual da agricultura brasileira, beneficiando os médios e grandes produtores em detrimento da agricultura familiar”. Esse fato fez com que as ONG’s e os movimentos sociais tenham restrições ao sistema de Ater (SANTOS, 2004, p. 57). Além de que, passado o momento inicial do processo de modernização, os até então beneficiários da Ater, médios e grandes produtores, não mais precisaram dela, pois, pelo fato de serem capitalizados, podiam pagar pelas informações e serviços necessários, aumentando ainda mais o descrédito deste serviço.

O quarto e último fator é a emergência de movimentos sociais e das ONG’s no campo. Derivado do fato de que, estes atores, aliados à igreja católica e às ONG’s internacionais, “voltadas para a superação das desigualdades sociais em países em desenvolvimento” têm sua atuação intensificada a partir do início dos anos 80, alicerçando, assim, a busca pela participação social e pelo desenvolvimento da cidadania, após o regime militar (SANTOS, 2004, p. 58). Assim,

Se na década de 80 os movimentos sociais e ONG’s procuravam

afirmar a sua autonomia e independência diante do Estado, na década de 90 a ideia de parceria ou de cooperação entre o Estado e a sociedade civil ganha força (SANTOS, 2004, p.59).

É neste contexto, e reconhecendo a importância da agricultura familiar e da exclusão a qual esta foi submetida, que os movimentos sociais, os acadêmicos e diversos outros atores se engajaram na luta para reformular os rumos dados, até então, aos serviços de Ater e para cobrar que estes serviços tivessem uma política pública que os norteassem.

No ano de 2003, embasado nesta nova concepção de Ater e na participação da sociedade civil8, o Ministério do Desenvolvimento Agrário coordenou a

8 O processo de participação social na formulação da PNATER será discutido no capítulo 4 deste trabalho

30 formulação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER. Esta tinha por preceito as perspectivas trazidas pelo novo modelo de extensão rural: valorização dos saberes locais, mudança na forma de atuar dos extensionistas e das instituições de Ater, etc., assumindo um posicionamento que busca potencializar o uso de metodologias educativas e participativas, com o exercício de uma gestão descentralizada, que possibilita a participação social, viabilizando a prática e o fortalecimento da cidadania.

No intuito de fazer com que os processos produtivos fossem menos impactantes, o documento da política, formulado a partir de 2003, alega a necessidade da transição do modelo convencional para um novo modelo, o agroecológico. Desta forma, a Ater pública deveria colaborar para o desenvolvimento rural sustentável preconizado pela PNATER.

As mudanças de conduta por parte das instituições estatais responsáveis pela extensão rural deviam ter, como um dos princípios, a adoção da metodologia participativa na busca do desenvolvimento rural do país, trazendo características endógenas na identificação dos problemas e das suas possíveis soluções (SILVA, 2010). Porém, diante desta nova empreitada, podem ter surgido algumas dificuldades que, neste caso, precisam ser superadas. A PNATER elenca a necessidade de mudança por parte das empresas de Ater em relação às burocracias internas e ao trabalho desenvolvido por seus técnicos, no que tange às diretrizes, normas e metas que precisam ser cumpridas por eles. Desta forma, essa mudança pode não ser seguida, inviabilizando ou dificultando a implantação desse novo modelo de ATER.

A partir da necessidade de mudanças de postura dos técnicos e das instituições que fazem a extensão rural, Caporal e Ramos (2006) descrevem:

Nesse sentido, o esforço de mudança é duplo, pois significa refletir sobre a própria prática e tomar decisões sobre seu papel, sua forma de atuação e, ao mesmo tempo, contribuir para a redefinição das estruturas e das relações de poder vigentes nas organizações de Ater. (CAPORAL & RAMOS, 2006, p.6)

É acompanhando essa nova visão, que surgiu o direcionamento dos trabalhos para a agroecologia, no intuito de aliar a melhora socioeconômica das famílias rurais a atividades menos impactantes, enfatizando a produção de alimentos mais saudáveis, de melhoras nos hábitos alimentares e respeitando as tradições e culturas locais, de acordo com Petersen, Dal Soglio e Caporal (2009).

31 O enfoque agroecológico possibilitou a ampliação do escopo da abordagem dos problemas rurais, contribuindo para o questionamento do viés produtivista das ciências agrárias e para a mobilização do interesse e do engajamento de setores das ciências humanas e naturais na construção do novo paradigma. (PETERSEN; DAL SOGLIO; CAPORAL, 2009, p.85).

Após seis anos da publicação do documento da PNATER, no ano de 2010 foi aprovada a lei 12.188 instituindo-a. Este novo documento não é idêntico ao de 2004, fato que será discutido no capítulo 4 deste trabalho, “A democratização da PNATER diante dos trabalhos da gerência regional da EBDA em Seabra”.